Logo E-Commerce Brasil

Antropologia 2.0 e comportamento do consumidor em tempos digitais

Será que nos comportamos todos da mesma forma no ambiente web? Que variáveis antropológicas, filosóficas, sociológicas, psicológicas podem influenciar nesse comportamento? Como é possível nos ‘segmentar’ e ‘qualificar’ de acordo com os diferentes papéis que exercemos nas esferas tribal, social, psicológica? E ainda: devemos entender o mundo e esses diferentes papéis/ comportamentos apenas como online vs offline ou deixar de lado essa visão simplista e encarar uma perspectiva omnichannel, onde tudo se mistura em um contínuo 360º?

Confesso a vocês que quando recebi o desafio da curadoria da Casa do Saber para formatar um novo curso baseado em meu segundo livro ‘Rascunhos de Marketing’ (Ed. Com2b, 2012), mas com uma visão muito mais aprofundada do ponto de vista das ciências humanas, ao mesmo tempo em que me ‘assustei’, me motivei com a falta de materiais sobre o tema. Principalmente, enxerguei aí uma possibilidade para promover o debate reflexivo e aberto que precisava extrapolar as paredes da ‘Casa’ e ganhar espaço.

Early adopter, hi consumer, social engagement: diferentes perfis motivados por diferentes comportamentos digitais

Questões ligadas a como cada indivíduo se relaciona com ele mesmo, com a sociedade e com a existência de forma mais ampla podem impactar e até mesmo determinar sua relação com qualquer meio e não seria diferente no ambiente digital. Em um país em que o papel da internet na sociedade ganha cada vez mais espaço e importância, influenciando a vida de governos, consumidores, empresas e imprensa, entender minimamente esses diferentes perfis torna-se uma questão de ‘sobrevivência’.

Ao enxergarmos a influência da matriz de Johnson na tipografia de qualquer meio de comunicação e engajamento, podemos segmentar e posteriormente qualificar indivíduos em várias possiblidades de clusters. Recentemente, estudei o tema com um professor de inovação na Kellogg Business School e ele me fez entender que não necessariamente duas sociedades precisam ter a mesma tipografia, identificada em clusters, ao mesmo tempo. Ou seja: clusters podem mudar com o tempo de acordo com o amadurecimento e características comportamentais dessa sociedade.

Tentando ainda entender essas variáveis, conseguimos identificar que no Brasil, diferentemente do que ocorre em países europeus, por exemplo, o peso de variáveis sociológicas é muito maior que o de variáveis antropológicas (e isso tem muito a ver com nossa história e comportamento). Em países do Oriente Médio, o peso de variáveis filosóficas é consideravelmente maior do que em outros lugares do globo, porque existe uma correlação direta entre filosofia e religião e, portanto, entre as influências que estas exercem.

Ao ‘clusterizar’ a relação dos indivíduos com o meio digital e qualificar esses clusters podemos afirmar que cerca de 80% dos indivíduos (conforme pesquisa empírica e observacional realizada com cerca de 300 brasileiros em seis diferentes capitais), se aproximam de pelo menos um desses perfis:

Early adopter – no geral, são indivíduos ávidos por novidades, flexíveis e que enxergam na internet uma forma de estar ‘por dentro’ do que de novo ocorre no mundo. Seja esse novo refletido em reportagens/ artigos por meio de feeds instantâneos de notícias ou de novas plataformas que possibilitarão inclusive outras maneiras de fazer e alavancar negócios online (como as plataformas de compartilhamento, por exemplo) ou ainda os tecnológicos, que utilizam da internet como meio para comprar, trocar ou inventar tecnologias. Do ponto de vista do empreendedorismo, podemos encontrar nesse grupo um número muito maior de jovens empreendedores quando comparado aos demais.

Hi consumer – aqui temos o grupo onde se encontra a grande maioria dos viciados digitais (digital adction), termo cada vez mais comum e cunhado para designar indivíduos que passam grande parte do seu dia imerso em frente à tela do computador (ou de qualquer dispositivo) conectados na internet, mas, desconectados do mundo ao seu redor. Game adiction, Discount clubs adiction, Mobile adiction, enfim, esse grupo é intenso e entende que consumir só vale a pena da mesma forma, sem regras, sem preocupação com o amanhã. Para eles, é preciso aproveitar ao máximo tudo o que a web lhe proporciona, seja isso refletido em gastos desnecessários nos sites de compras coletivas porque esta ‘muuuuuito barato’ ou em um game madrugada adentro com amigos virtuais porque é ‘muuuuuuito bacana’.

Social engagement – felizmente esse é o grupo que mais cresce no Brasil digital. Um bom exemplo disso é a onda de manifestações por todo país motivada principalmente por políticas públicas ineficientes de transporte público, mas que acabou por levantar um descontentamento geral com nossa classe política, que ainda não está preparada para entender esse tipo de movimento e como reagir positivamente a eles. Já é possível, e cada vez mais comum, ações voluntárias organizadas pelas mídias sociais (quase sempre via Twitter ou Facebook), convocações de passeatas contra temas diversos como o combate a corrupção ou contra o deputado supostamente homofóbico na presidência da comissão de direitos humanos, movimentos para arrecadar mantimentos e roupas para vítimas de enchentes no Rio de Janeiro ou até mesmo uma corrente de solidariedade com rezas, poemas e carinho destinada a familiares que perderam seus filhos na tragédia de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Esse é talvez o grupo em que as variáveis de cunho antropológico têm maior influência e a preocupação com o outro é sua marca registrada, enxergando na web mais do que um canal de informação e sim um meio único e de grande potencial para exercer seu direito a livre manifestação.

Outra observação extremamente relevante e que vale a reflexão é a forma como cada um desses grupos se relacionam nas diferentes esferas da vida. Se entendermos que cada um dos três grupos podem se relacionar de forma única e exclusiva com cada uma das três esferas, concluímos que temos nove novas formas diferentes de se informar, de fazer negócios e de se entreter no ambiente digital.

Esferas social, tribal, psicológica:

Esfera social – na qual interagimos e nos relacionamos com os outros. Marca principalmente o indivíduo qualificado como ‘early adopter’ que enxerga como vital se aproximar e interagir com outros indivíduos. Os cools, os tecnológicos, os antenados.

Esfera tribal – na qual nos afiliamos a grupos similares para expressar nossa identidade. Essa esfera caracteriza essencialmente os indivíduos qualificados como ‘social engagement’, que enxergam entre si uma oportunidade continua de mobilização e buscam sempre a força do coletivo.

Esfera psicológica – esfera na qual conectamos a linguagem às ideias e sentimentos específicos. Muitos estudiosos dizem que um peso excessivo da vida é dedicado a essa esfera e que isso pode caracterizar válvulas de escape para problemas do subconsciente. Indivíduos ‘hi consumers’ estão aqui fortemente representados. Seria como se games, cupons de desconto ou dormir com o celular no travesseiro fosse apenas um comportamento resultante de outros motivadores.

Por fim, gostaria de ressaltar que esse é apenas o inicio de uma reflexão que precisa ser aprofundada: a intersecção de perfis, o impacto dos modismos digitais nesses perfis, o cross-midia on/ off line, são temas que merecem ser explorados. Fica aqui o desafio e o chamado para novos textos acerca do tema.