Quem assistiu ou conhece o enredo do filme “O Feitiço do Tempo”, ou ainda a série “LOKI” — em que o tempo flui como um loop —, vai se identificar com a novela que se tornou o pagamento do ICMS ao estado de destino, quando um e-commerce realiza uma venda interestadual. Parece que mais de uma década depois não saímos do lugar. Vamos lá.
Nos primeiros anos desse século, instaurou-se uma reflexão importante e oportuna: com o aumento das vendas não presenciais, devido em grande parte ao avanço do e-commerce (além é claro das televendas e vendas por catálogo), um consumidor de um estado do nordeste, por exemplo, que antes forçosamente iria adquirir um eletrodoméstico dentro da sua cidade/estado, passou com muito mais facilidade a ter a possibilidade de adquirir tais produtos de grandes players do comércio eletrônico, estabelecidos em sua maior parte no sudeste.
Como era o ICMS
De acordo com a regra vigente à época, 100% da arrecadação do ICMS ficaria no estado de origem. Logo, os estados se mobilizaram para criar uma regra de partilha, e deram à luz o Convênio ICMS nº 21/2011 — que regulava a incidência do ICMS nas vendas interestaduais a consumidores finais, de forma diversa do que determinava a própria Constituição Federal.
Em 2014, naturalmente, o STF julgou tal convênio inconstitucional (ADIn nº 4628). No ano seguinte, a Constituição Federal foi alterada pela Emenda Constitucional 87/2015 e agora sim, a partir de 2016, um novo modelo passaria a viger, da seguinte maneira:
a) ao estado de origem/remetente fica devido o ICMS até o montante das alíquotas interestaduais fixadas pelo Senado Federal (4%, 7% ou12%);
b) ao estado de destino, fica devido o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interestadual e a respectiva alíquota interna.
É essa diferença do ICMS ao estado de destino que é chamada de DIFAL (diferencial de alíquota). Por isso, o apelido carinhoso de “ICMS-DIFAL”.
E a Lei Complementar?
Aí podemos pensar: depois do rolo que envolveu o Convênio ICMS 21/2011, os estados aprenderam a lição que não adianta ignorar solenemente a Constituição Federal, certo? Errado.
Mesmo sabendo que Lei Complementar deve regulamentar a matéria, novamente de forma açodada forçaram a cobrança via o Convênio ICMS 93/2015. Ora, Convênio de ICMS é ato normativo precário e inadequado para tratar de fato gerador específico de tributo. Ou seja, das operações envolvendo consumidor final não contribuinte do ICMS e localizado em outra unidade da federação.
Como era de se esperar, Plenário do STF, em 2021, julgou inconstitucional a cobrança do DIFAL-ICMS sem a edição de lei complementar para disciplinar esse mecanismo (RE 1287019, com repercussão geral Tema 1093 e ADI 5469). Ao final do julgamento, os ministros decidiram dar oportunidade ao Congresso Nacional para edição da tal Lei Complementar sobre a questão até o fim de 2022.
Novas correntes
Veio então a Lei Complementar 190/2022, aprovada pelo Congresso Nacional no dia 20 de dezembro de 2021, mas sancionada pelo chefe do executivo apenas no mês de janeiro de 2022.
Ora, como a instituição de novos tributos deve respeitar a anterioridade, três correntes surgiram:
– que a eficácia da Lei Complementar 190/2022 deveria respeitar a anterioridade anual, e com isso a cobrança seria possível apenas em janeiro de 2023;
– que a anterioridade seria a de 90 dias, já que não seria criação de um novo imposto, mas a mudança de regras de um já existente e;
– e que deveria valer já a partir da publicação da lei.
E agora, como fica?
E foi isso que o STF decidiu agora. O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, entendeu que não houve instituição ou majoração de imposto, mas a regulamentação de uma cobrança que já era feita. Daí que deve ser observada a anterioridade nonagesimal. O placar ficou ao fim 7 a 4 contra a corrente da anterioridade anual.
E então, como fica? Bem se seu e-commerce realizou vendas interestaduais em 2022 (e em diante) e não pagou o ICMS para o estado de destino, esse estado está legitimado a realizar essa cobrança. Já se foi pago o ICMS-DIFAL até 05 de abril de 2022, vale a pena verificar junto a sua consultoria tributária se será possível recuperar esse imposto pago.
Então é isso, caro leitor. Estamos há mais de 15 anos nessa discussão. É tanto vai e vem que parece um loop de tempo.
Estamos no capítulo final? Difícil dizer. É melhor esperar o fim dos créditos para ver se não teremos cenas pós créditos.