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Frederico Trajano fala sobre crise e e-commerce

Por: Alice Wakai

Jornalista, atuou como repórter no interior de São Paulo, redatora na Wirecard, editora do Portal E-Commerce Brasil e copywriter na HostGator. Atualmente é Analista de Marketing Sênior na B2W Marketplace.

Aos 39 anos, o empresário Frederico Trajano irá assumir um cargo com o qual ele nunca sonhou, mas se preparou a vida toda. A partir de janeiro de 2016, ele será o CEO do Magazine Luiza, segundo maior varejista brasileiro, com uma receita líquida de R$ 9,8 bilhões em 2014.

Filho de Luiza Helena Trajano, que comandará o conselho de administração da empresa, Fred, como é conhecido, só foi trabalhar na empresa pois observou que a internet poderia matar o negócio familiar. “”Fui para o Magazine Luiza para montar o e-commerce e não deixar a empresa perder o bonde do futuro””, afirma ele. Nesta entrevista, ele conta como está usando a cultura do Vale do Silício para transformar o Magazine Luiza em uma companhia digital e fala sobre os desafios econômicos do Brasil. “Não concordo que exista apenas uma crise política.”

DINHEIRO: – Como o sr. se preparou para assumir a presidência do Magazine Luiza?

FREDERICO TRAJANO:– O meu projeto de vida nunca foi trabalhar no Magazine Luiza. Embora sempre estivesse muito próximo da companhia, passando as férias na loja e ajudando a vender. Eu me formei em administração na FGV e comecei a trabalhar no mercado financeiro, como analista de renda variável no Deutsche Bank, cobrindo varejo e bens de consumo. Mas achei que era um trabalho analítico. Então, foi trabalhar em private equity. Em 1999, era o boom do mercado de internet e recebia dezenas de startups e analisava os modelos de negócios. Naquela época, já se discutia se a internet iria acabar com o varejo. Fiquei preocupado com o que poderia acontecer com o negócio da família, pois a internet tinha potencial de reinventar o segmento. Fui para o Magazine Luiza para montar o e-commerce e não deixar a empresa perder o bonde do futuro. Depois, fui acumulando diversas áreas, inclusive lojas físicas. Hoje, me considero o profissional adequado para o momento atual. No mercado, você tem executivos que são especialistas em internet ou em lojas físicas. É raríssimo quem tem as duas visões. Eu tive a oportunidade de desenvolver isso no Magazine Luiza.

DINHEIRO: Quais as barreiras que sr. teve de vencer por ser o filho da dona, a empresária Luiza Helena Trajano?

TRAJANO:– Tive o privilégio desenvolver um projeto de comércio eletrônico, que não recebi como legado de ninguém. Isso me deu a oportunidade de realizar um trabalho com identidade própria, com o meu RG. Acabou sendo muito importante para que as pessoas enxergassem o fruto do meu trabalho e do meu time, e ajudou a me consolidar como líder internamente.

DINHEIRO:– O sr. será o novo CEO a partir de janeiro e sua mãe vai presidir o conselho de administração. O Magazine Luiza não está indo na contramão da profissionalização?

TRAJANO:– Não. Quando estava na universidade, a academia via a empresa familiar como algo ruim. Isso mudou muito. Ao observar o que aconteceu com as empresas, há uma valorização do papel da empresa familiar. Elas geram tanto ou mais valor do que empresas profissionalizadas. Quais as vantagens da empresa familiar? Visão de longo prazo, capacidade de empreender e a construção de times fiéis, que trabalham com você por longo prazo. Em contrapartida, as empresas profissionalizadas têm alta rotatividade no alto escalão e mudanças completas da diretoria executiva em ciclos de dois anos. Se, em um trimestre, o resultado não veio, o executivo está saindo. Elas também enfrentam uma dificuldade enorme de fazer modelos de negócios inovadores. E contam com uma visão de curto prazo. Hoje, vejo que são estruturas de governança diferentes. Não necessariamente, uma é melhor do que a outra. Mas tendo a preferir a empresa familiar pelas razões que enumerei.

DINHEIRO:– Quando o comércio eletrônico vai ser mais representativo do que as vendas nas lojas físicas?

TRAJANO:– Hoje, ele representa 22%. Mas não temos uma meta. Precisamos sim dar opções para o consumidor. Acredito piamente que a loja física vai continuar relevante. Veja a Amazon. Ela acabou de abrir uma loja física nos Estados Unidos, assim como o Google. Cada canal vai ter seu papel. Mas o crescimento do e-commerce será bem maior do que o de lojas físicas (eles têm 780 lojas). Com isso, em cinco anos, esses canais devem ter faturamento semelhante, de 50% cada.

DINHEIRO:– Há várias operações online, como a B2W e a Cnova, que ainda dão prejuízo. A operação online do Magazine Luiza é lucrativa?

TRAJANO:– Damos lucro desde o começo da operação, em 2000. Minha condição aqui para o pessoal do e-commerce é crescer acima do mercado com rentabilidade.

DINHEIRO:– Qual, então, sua visão desse modelo de crescer a todo custo, mas sem rentabilidade?

TRAJANO:– Sou profundamente contra esse modelo. A internet vai gerar uma disrupção em vários modelos de negócio. Mas aquele princípio econômico de geração de caixa, isso ela não vai mudar. Vejo com preocupação empresas financiadas por fundos que acreditam que em algum momento o lucro virá. Nunca vou estar convencido de que isso é o melhor caminho para a nossa companhia e para o mercado.

DINHEIRO: – O sr. estudou em Stanford, uma das principais universidades do Vale do Silício, na Califórnia. O que o Vale do Silício tem a ensinar às empresas de varejo?

TRAJANO: Tem muita coisa da cultura do Vale do Silício que admiro. O apetite ao risco é um exemplo. Outro é o foco obsessivo no consumidor. Eles também são muitos velozes e com equipes multifuncionais. E tem toda aquela cultura do empreendedorismo, de fazer acontecer. Essa visão é muito válida para as grandes empresas, pois elas estão perdendo mercados bilionários para as startups.

DINHEIRO: O Luiza Labs (laboratório de inovação com 75 desenvolvedores) é sua estratégia para dar esse frescor de startup para o Magazine Luiza?

TRAJANO: Sem dúvida. Ele tem dois objetivos. Primeiro, a capacidade de desenvolvimento de tecnologia de alta qualidade. Segundo, é um laboratório cultural. Através dele, essa equipe respira o mundo das inovações. Eles estão nos fóruns de desenvolvimento e trazem a cultura das startups para a companhia.

DINHEIRO: – Por exemplo?

TRAJANO: Em 2016, teremos oito mil vendedores, todos eles vendendo pelo celular. Com isso, vamos reduzir o tempo médio de venda de 45 minutos para 5 minutos. Toda a solução foi desenvolvida pelo Luiza Labs.

DINHEIRO: – Sua mãe é uma das vozes mais otimistas da economia. O sr. também é?

TRAJANO:– Minha mãe é uma pessoa otimista, por natureza. Ela é otimista com o Brasil e com a economia. Ela apoia todas as linhas de governo, não é só o PT. Ela é próxima do governador Alckmin (PSDB-SP) e de outros políticos. Ela é positiva e sempre olha o copo cheio. Mas eu acredito que vamos passar por anos difíceis do ponto de vista de crescimento econômico. O nosso segmento de bens duráveis vai sofrer bastante. Mas preciso encontrar oportunidades de crescimento de mercado, como a área de comércio eletrônico. Não estou otimista com relação à economia, mas estou otimista com o modelo de negócio do Magazine Luiza.

DINHEIRO: – Qual a natureza da crise atual?

TRAJANO: – Acredito que existe uma crise internacional. A economia europeia está sofrendo. A China está desacelerando. O único país que está surpreendendo os economistas é os Estados Unidos. Mas o principal problema do Brasil é o peso do governo na economia. Se olharmos as economias do mundo inteiro, as mais saudáveis são aquelas em que o Estado tem menos participação. A nossa carga tributária e os juros são muito pesados. Prefiro governos liberais e menores.

DINHEIRO: – A saída da Dilma Rousseff, por impeachment ou renúncia, melhoraria o cenário econômico?

TRAJANO: – Não acredito que melhoraria. O problema do Brasil é estrutural. Não é só político. Temos uma visão bipolar sobre a economia. O Brasil tem os mesmos problemas na economia há oito anos. Lá atrás, tínhamos um governo pesado, uma carga tributária alta e juros altos. Mas o vento internacional era favorável. As mesmas oportunidades do passado ainda existem hoje. Hoje, recebo o Magazine Luiza com mais de 100 milhões de pessoas na classe média. Minha tia, na década de 1960, e minha mãe, nos anos 1980, tinham um mercado restrito. Quase todo o consumo era feito por apenas 20 milhões de pessoas de alta renda. Hoje, o mercado é mais favorável. Não concordo que exista apenas uma crise política. Há também uma crise econômica que não será resolvida só com a mudança do governo.

DINHEIRO: – Há espaço para consolidação no varejo?

TRAJANO: – Sim. Com a crise, empresas menos estruturadas vão ficar pelo caminho.

DINHEIRO: – Vocês serão caça ou caçador?

TRAJANO: – Estaremos atentos. O Magazine Luiza está equilibrado do ponto de vista financeiro. Não faremos nenhum movimento irracional, lembrando que não estamos olhando só lojas físicas. No passado, compramos um site de produtos de cosméticos que está indo bem. Existe a chance de fazer aquisições nessa área.

DINHEIRO: – Quais os empresários da área de varejo que o sr. admira?

TRAJANO: – Admiro o José Galló (presidente da Renner). Ele é um executivo empresário, com uma gestão muito parecida com a de uma empresa familiar. Ele está lá há anos, fazendo um trabalho bom em todos os aspectos de crescimento de venda, controle de custos, produtividade e marca. Admiro também o Jeff Bezos, da Amazon, pela sua capacidade de inovar e trazer tecnologia para o varejo. Ele revolucionou o segmento.

Fonte: Revista IstoÉ Dinheiro – SP