O relacionamento com o cliente final de uma extensa cadeia de valor faz do varejo uma das atividades empreendedoras mais desafiadoras. Lidar diretamente com uma ampla gama de pessoas, com diferentes perfis e expectativas e exige grande dedicação e organização.
As lojas físicas, ou brinck-and-mortar em inglês, foram soberanas por séculos como único canal de negócios do varejo. Alguns agrupamentos notáveis de lojas ainda permanecem nesse modelo até os dias de hoje, como é o caso do Grand Bazar de Istambul, que data de 1461, e do Khan El-Khalili, da cidade do Cairo, inaugurado em 1832. Somente em meados do século IX começam a surgir os primeiros canais complementares às lojas, como a venda por catálogo, quando a Tiffany & Company, uma das precursoras, distribuiu seu primeiro volume em 1845.
Alguns historiadores atribuem a primeira operação de telemarketing a um pasteleiro de Berlim que utilizava um cadastro de 180 clientes para estimular suas vendas, em 1876. Uma década após, em 1886, surge a Avon com sua pioneira operação de vendas diretas. Já a primeira vending machine data de 1883 na Inglaterra, que, ainda de maneira rudimentar, conseguia vender envelopes, cartões postais e papel de carta na principal estação de trem de Londres, sem a necessidade da presença de um ser humano.
Após esse período de grande diversificação de canais, apenas no final do século XX, ou seja, cem anos depois, surge um novo e revolucionário canal de vendas: o comércio eletrônico. Crescendo anualmente na casa dos dois dígitos, em pouco tempo o e-commerce ganhou importância e com ele também os inevitáveis conflitos entre canais, o que jogou uma luz sobre a necessidade de se entender e administrar melhor os diversos canais de venda uma empresa. Surgia então o varejo multicanal.
Desde muito tempo, os clientes sempre navegaram entre os canais disponíveis, mas os varejistas, até então satisfeitos com seus resultados, não se preocupavam em estudar como esse comportamento poderia afetar seus negócios.
Porém, pouco tempo depois, já no início do século XXI, o lançamento e a rápida adoção dos smartphones e tablets pelos consumidores transforma novamente o ambiente de negócios do varejo. Além dos canais já existentes, o próprio cliente munido de seu dispositivo móvel tornou-se um canal, podendo inclusive consultar opções de compra diferentes, estando ele no interior das lojas físicas, comportamento este batizado de showrooming.
Nesse momento, com clientes mais empoderados do que nunca, finalmente surge o conceito de omni-channel, que pode ser traduzido como todos os canais, ou até mesmo como “eu” canal. Num mundo omni-channel, em que os clientes navegam livremente entre os canais, o varejista que mais se aproximar de uma abordagem seamless, ou seja, de percepção única e sem barreiras, sai na frente.
Por essa razão, varejistas online experimentam cada vez mais o mundo real, inicialmente utilizando lojas temporárias ou pop-up, como é o caso da Pro Idee, varejo especializado em produtos inovadores, e do The Gilt Group, uma espécie de outlet virtual de grandes marcas que inicialmente operava somente na internet, mas que se rendeu ao varejo físico, realizando grandes bazares nas principais cidades norte-americanas.
Outras, como Net-a-Porter, um comércio eletrônico de moda high-end, inova ainda mais oferecendo a experiência de realidade aumentada, combinando vitrines pop-up com aplicativos em dispositivos móveis em cidades como Paris, Nova York, Londres, Munique e Sidney. Nessas ações efêmeras, é possível ver, através de tablets e smartphones, desfiles virtuais, diversas sugestões de looks com as roupas expostas, além da oportunidade de comprar peças exclusivas, ganhar cupons de descontos e concorrer a prêmios.
Inovando no sentido inverso, a consagrada e tradicional varejista Kate Spade, em parceria com o E-bay, também lançou vitrines pop-up que funcionaram apenas durante o verão nova-iorquino. Nelas era possível comprar através de uma tela touch screen, e receber os produtos em casa ou em qualquer endereço da cidade em até uma hora.
Já a Indochino, varejo de moda masculina sob medida, criou um modelo de showroom itinerante, em que seus clientes passam por uma experiência de compra pessoal semelhante à oferecida na web. Mesmo indo para o mundo físico, eles não abandonaram o modelo de vendas online: os ternos e as camisas continuam sendo feitos sob medida e enviados para a casa dos consumidores.
Na mesma linha, a Bonobos, que também atua no setor de moda masculina, criou o modelo Shop Guide, um espaço em que os clientes agendam um horário para atendimento personalizado, mas que também mantém o modelo de vendas pela web. Nesse local, o cliente tem contato com todos os produtos da coleção, escolhe tecidos e modelos, mas faz seu pedido online para depois recebê-lo em casa.
Em outra iniciativa arrojada, a mesma Bonobos entrou de vez no varejo de tijolos, ao fechar parceria para comercializar seus produtos em corners na Nordstrom, tradicional loja de departamentos americana.
Entretanto, o caso mais emblemático de varejista online que partiu definitivamente para operação de lojas físicas e permanentes é o da Warby Parker. A jovem e muito bem sucedida varejista de óculos decidiu abrir em 2013 sua primeira loja física no badalado bairro do Soho, em Nova York. Surpreendendo a todos, as vendas por metro quadrado dessa flagship rapidamente alcançaram a segunda posição no concorrido mercado nova-iorquino, passando na frente de empresas centenárias como a Tiffany’s, perdendo apenas para a Apple Store.
Em período de efervescência como os dias atuais, diferentes estratégias omni-channel vêm sendo adotadas visando a aproximar o mundo virtual (click) do mundo real (brick), para proporcionar a melhor experiência de compra e, com isso, conquistar corações e mentes dos consumidores.
O sucesso das iniciativas do varejo online no mundo real reforça que estímulos sensoriais e sociais ainda são fundamentais na construção de negócios duradouros e, por que não, centenários como o Grand Bazar.