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O espírito do tempo, o e-commerce e a economia criativa: desafios e oportunidades

Em “O poder da identidade”, Castells reúne ideias e análises de 25 anos de estudos sobre movimentos sociais e processos políticos de várias regiões do mundo, discutidas à luz da teoria da Era da Informação. Castells examina as duas grandes tendências conflitantes que moldam a sociedade da informação: a globalização e a identidade. Estuda a sociedade em rede, no âmbito da revolução tecnológica e informacional e da nova economia, onde ressalta o surgimento de uma onda poderosa de identidade coletiva que desafia a globalização e o cosmopolitismo em função da singularidade cultural e autocontrole individual. A Economia Criativa, que tem na sua essência a identidade e a cultura, nos desafia a pensar diferente.

Hoje, pode-se facilmente ter acesso às tecnologias de produção que permitem tratamento profissional de texto, imagens fixas e em movimento, som e multimídia com curvas de aprendizagem impressionantemente rápidas e a preços muito baratos – algo que, há não mais que duas décadas, teria sido simplesmente impensável. Assim, vivenciamos uma explosão do tamanho dos mercados culturais, do número de produtores, de modo que se torna cada vez mais difícil distinguir entre produtores culturais e consumidores – os papéis são trocados a todo o momento.

Um bom exemplo dessas mudanças é o perfil do Instagram “Receitasem15s”. Nele, de forma intuitiva, um jovem, que não é chef nem cursou gastronomia, gerou uma inovadora ideia de apresentar em 15 segundos receitas simples que podem ser facilmente reproduzidas.

A cultura está cada vez menos dependente de tempos e lugares específicos. Estamos cada vez mais imersos numa a-territorialidade e a-temporalidade da cultura, com mais atividades culturais em rede, híbridas entre o físico e o digital, com tempos e espaços flexíveis.

Estamos conectados, subimos, baixamos e distribuímos informações e arte. Isso implica que os projetos culturais podem interagir com o público em qualquer lugar e em momentos diferentes, e que podem ser mais facilmente encontrados por qualquer pessoa.

Mas o que são os bens e serviços culturais e criativos, de que contexto de mercado falamos? Normalmente, não se compra um livro pela quantidade de papel ou tinta, ou um o bilhete de cinema para alugar a cadeira. Compra-se uma espécie de direito de uso ou experiência de proposição de valor, capaz de acessar o conteúdo que é intangível. É a dimensão mágica de valor cultural e criativo proposta na experiência que ocorre durante o show no palco, em um filme, no prazer dos alimentos, em um tour cultural ou na visita a um museu. Essa dualidade entre o material e o imaterial é o que determina o valor de um bem ou serviço criativo em um determinado contexto de mercado complexo. A complexidade é que não se adquire a obra em si, mas a representação da ideia, de um conteúdo em um objeto, a experiência ou a lembrança de uma vivência.

A cultura e a arte gerada e consumida domesticamente é infinitamente maior do que a vista e acessada nos espaços tradicionais públicos. No mix de espaços híbridos, temos uma cultura expandida. Não podemos pensar a atividade cultural unicamente ancorada em um espaço (museu, galeria, rua, cidade) ou em um programa fechado. Os espaços se multiplicam, as atividades podem ser levadas em qualquer lugar, com a participação em tempo real e integral.

Galerias de arte virtuais e os museus onipresentes em celulares divulgam a arte digitalmente. Não há necessidade de tecnologias complexas para trazer cultura para a sociedade. É preciso criatividade e uma boa rede de pessoas interessadas. São outras formas de geração de cultura, outras maneiras de participar, em novas estruturas espaciais, onde intermediários físicos e hierárquicos se reduzem. A inteligência coletiva é o que constrói esse fluxo contínuo e ubíquo da cultura.

Os principais benefícios do E-Commerce para a Economia Criativa seriam na (a?) criação de plataformas, contêineres e diretrizes para o fluxo de informações dispersas, que já estão na rede, mas que são “tensionadas” pelos mais diversos buracos, gaps digitais. As ferramentas tecnológicas e os canais de comercialização podem ajudar a gerar contextos apropriados para que essa criatividade líquida e pós-moderna se materialize de forma robusta.

Pensando nisso, foi criado o Estrombo, www.estrombo.com.br, primeiro projeto de economia criativa apoiado pelo BID no mundo, que visa a servir de modelo para implementação de ações semelhantes em outros países latino-americanos. Uma rede com o objetivo de capacitar, formalizar e apoiar pessoas e empreendimentos do ramo musical para atuarem em novos modelos de negócios e novos canais de distribuição baseados na Internet e nas novas tecnologias.

Para obter o máximo benefício, devemos abrir nossas mentes para modelos de negócio baseados na lógica da abundância, na colaboração genuína e circulação de ideias, conhecimentos e recursos, ter pessoas nas equipes que saibam os seus usos e aplicações. É esse o espírito do tempo. As tecnologias estão mudando os papéis de todos os participantes nos ecossistemas de valor: a produção, distribuição e comercialização de bens e serviços culturais com foco criativo está cada vez menos centrada em grandes empresas e mais descentralizada em milhares de pequenas empresas, graças às interações agora possíveis.

É um processo de maturidade, no qual esses mecanismos digitais podem e devem desenvolver a capacidade de interpretação, no papel de um tradutor, atuando como elemento de transporte entre fronteiras, como plataformas de catálise e de sublimação, estimulando o surgimento de jovens redes culturais virtuais.

Jovens talentos enredados podem propiciar uma “Destilação Cultural” que os alemães chamam Zeitgeist, ou tendência geral de pensamento e de sentimento, onde quantidade gera qualidade e que se desdobra, segundo Richards, R., em uma “Criatividade Significativa”, a que efetiva a mudança.

Os consumidores dos bens e serviços da Economia Criativa pelo Comércio Eletrônico não são meros consumidores de novas tecnologias, mas verdadeiros líderes em processos de mudança em seus territórios, instituições e grupos. O valor cultural pode, no meio digital, constituir importante alavanca a ser usada para o reequilíbrio das oportunidades a um universo de empreendedores de micro e pequeno porte, artistas e agentes culturais.

O Brasil tem todas as condições para ampliar essa inovadora “janela de oportunidades” que aponta o E-Commerce para a Economia Criativa. Possui toda uma série de arquiteturas culturais e de atividades criativas que estão disseminadas pelos principais núcleos urbanos e rurais, mas falta ainda estabelecer conectividade de qualidade de forma mais orgânica, reposicionando assim o país no mercado mundial da Economia Criativa.