A mudança mais drástica dos últimos anos no varejo não ocorreu com os varejistas. A evolução (ou revolução?) aconteceu na forma com que os consumidores estão tomando suas decisões. Entrar numa loja com um smartphone comparando preços e verificando comentários dos produtos está se tornando uma prática comum. Usar as mídias sociais para instantaneamente medir o impacto de uma potencial decisão de compra é um movimento cada vez mais integrante do processo de compra.
De acordo com um estudo da McKinsey, “How retailers can keep up with consumers”, há algumas tendências importantes que estão modificando a forma do varejo operar nos Estados Unidos. Devemos ficar atentos a estes movimentos e entender como eles nos afetam aqui no Brasil.
Nos Estados Unidos vimos a lojinha da esquina dar lugar às grandes lojas de departamento, que perderam espaço para os shopping centers e daí para grandes outlets dos subúrbios. Cada uma destas etapas aconteceu a um ritmo mais rápido do que a anterior e trouxe novas marcas e novas redes ao papel de protagonistas do varejo.
Talvez no Brasil também tenhamos tido um movimento parecido – possivelmente com alguns anos de defasagem. Por exemplo, o supermercado de bairro foi comprado por algum grande grupo há vários anos atrás. No Rio, tivemos Sendas, Casas da Banha, Disco, Três Poderes que desapareceram como marcas. Em São Paulo, os Supermercados Sé. Nos tempos das grandes lojas de departamento tivemos Sears e Mesbla – alguém lembra delas ainda?
Atualmente enxergo o movimento de multiplicação dos shopping centers andando em paralelo ao surgimento e crescimento de outlets, este último especialmente nos arredores das metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro. O crescimento dos shoppings, no entanto, está acontecendo de forma incrivelmente agressiva no interior em cidades de 300 mil a 600 mil habitantes. O Grupo Iguatemi acaba de inaugurar com enorme sucesso o Iguatemi Esplanada em Sorocaba. Nos próximos meses teremos shoppings nas cidades de São José Rio Preto, Ribeirão Preto e São Jose dos Campos. BR Malls está em processo de abrir mais 20 shoppings Brasil afora (em muitas cidades inclusive que hospedarão jogos ou seleções para a Copa 2014).
E o e-commerce? Enquanto que nos Estados Unidos representa 15% do varejo, aqui não representa nem 2%. Quando olhamos os fatores para o movimento americano, vemos que aqui temos um cenário muito favorável para dar um salto fortíssimo nos próximos anos: aumento da penetração de internet, aumento da banda larga, crescimento de mobile e muito investimento na indústria. Se falarmos do uso de mídia social aí é covardia. Brasil é campeão mundial em muitos dos indicadores: abrangência de uso, tempo de uso, importância da comunicação via mídia social, entre outros.
Vamos entender quais forças estão sinalizando para um novo mercado varejista nos próximos anos, começando pelo demográfico. Temos uma geração nova – os millennials – que nasceram e cresceram com acesso a internet, mídia social e mobile. Este grupo de jovens deve ser responsável por 30% de todo o consumo até 2020.
Diante das mudanças econômicas dos últimos anos, temos uma classe média e média-alta revendo seu padrão de consumo – especialmente nos grandes centros. O custo de vida no Rio e em São Paulo atingiu padrões de primeiro mundo – e em muitos casos ultrapassou o de cidades como Londres, Nova Iorque e Tóquio, batendo recordes. Há uma população acima de 55 que encontra-se numa situação mais estável e confortável e estes possuem necessidades de consumo distintas.
Outro fator que as pessoas não se dão conta é que independente de onde estejam, shopping center, loja de departamento ou loja especializada, o consumidor carrega no bolso o maior varejista do mundo. Em uma recente pesquisa com pessoas que compram online, metade dos entrevistados efetuaram buscas no mobile enquanto estavam dentro de uma loja física.
Na Amazon.com 35% do consumo vem de produtos relacionados ou recomendados. No Netflix este número é ainda mais impressionante: 75%. O poder dos algoritmos e da personalização da comunicação é um fator extremamente influente nos Estados Unidos. É sabido que a recomendação de um amigo tem um peso 10 vezes maior que o de um vendedor na hora de decidir. Quem te conhece mais: seu amigo ou o representante de vendas? No Brasil isso também é verdade, mas os casos de varejistas online que fazem o uso de algoritmos preditivos com sucesso ainda é muito limitado. Neste quesito ainda temos muito o que evoluir.
A internet consegue resolver muitos problemas menos um: logística e entrega. No entanto, foram justamente os grandes varejistas online que começaram a desafiar o status quo de como é feita a entrega. Aqui, o frete grátis distorceu o modelo de negócio sustentável. Lá, temos modelos de entrega no mesmo dia: pagando-se mais. Frete grátis apenas para os clientes mais fiéis. Modelos híbridos estão surgindo com sucesso: pick up at store (coleta na loja física), lockers (“caixas postais”) e até o dark store da Tesco na Inglaterra: um supermercado que não tem caixas nem prateleiras, nem funcionários trabalhando nas funções tradicionais de um supermercado: eles apenas entregam as encomendas compradas pelo site dos clientes (uma espécie de drive-through).
O ultimo grande fator de mudança para os varejistas está no fato de que a concorrência está vindo de todos os lados: indústrias e marcas vendendo direto pela internet, varejistas de lugares distantes conseguindo entregar produtos em até 2 dias em qualquer lugar do mundo. A tecnologia traz facilidades e permite que novos modelos de negócio sejam criados cada vez mais rápido: de marketplaces a plataformas sociais de indicação de compras.
E como o varejo pode se preparar para estas mudanças? Prestar atenção – de verdade – nos indicadores que vêm da internet. Usar os dados que estão disponíveis para entender e antecipar a próxima grande mudança. Por exemplo: readequação de estoque por região, identificação de perfis de clientes através dos hábitos de consumo, recomendações e likes, oferecendo descontos e incentivos para clientes especiais: que irão converter.
Com estes dados em mãos, entender onde está o problema da logística: prazo ou custo de entrega? Talvez tenha clientes dispostos a pagar caro para receber o produto no mesmo dia, enquanto outros aceitem receber num prazo mais largo em troca de um custo total mais baixo.
Note que estamos falando em dados, métricas e informações. Possivelmente o primeiro passo para muitos varejistas será organizar estes dados para que possam extrair inteligência de fato dos números. Esta inteligência não vêm só de sistemas de banco de dados, ela vem da capacidade analítica e de leitura dos movimentos do mercado. E esta análise vem de pessoas qualificadas.
Se as mudanças estão nas mãos e atitudes dos consumidores, então já passou da hora do varejo se digitalizar. Sim, porque o cliente de hoje já carrega a maior loja do mundo dentro do seu smartphone. O cliente de amanhã vai querer a melhor loja do mundo no seu bolso.