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Direito de arrependimento: uma análise sobre produtos e serviços virtuais

Falar sobre o direito e as leis que regem um Estado não é tarefa fácil. Inicialmente devemos ter em mente que regra e norma não se confundem, pois, regra é o texto escrito da lei, enquanto a norma é o produto da sua aplicação, ou seja, a decisão judicial ou a própria interpretação.

O processo de formação da norma, em síntese, exige do aplicador/interprete (em regra o juiz) a análise fática, histórica e contextual da regra, sendo que é no exercício desta técnica que ocorre na prática a subsunção, ou seja, o encontro entre as regras previamente estabelecidas e o acontecimento fático.

A discussão no que tange a interpretação do direito consumerista sempre foi consagrada por calorosos debates entorno das Garantias Fundamentais que a Constituição de 1988 decretou e que foram cristalizadas no Código das Relações de Consumo.

Foi neste seio que nasceu o polêmico direito de arrependimento, criado para proteger o consumidor de eventual arbitrariedade, da propaganda agressiva, e que por sua vez sempre foi alvo de severas críticas por tornar insegura muitas transações comerciais eletrônicas.

Sabe-se que a possibilidade de devolver o produto sem qualquer justificativa assusta qualquer comerciante, não pelo simples fato de devolver o produto, mas pelo fato de que esta possibilidade pode ensejar situações diversas, sobretudo pela cultura comercial cibernética pouco desenvolvida do consumidor brasileiro, o que poderia ser explicado por diversas teses do ponto de vista social.

Mas deixando de lado a questão sociológica do processo de desenvolvimento do consumidor brasileiro no e-commerce, o que se pretende aqui é analisar outra face do direito, qual seja, se o direito de arrependimento comporta exceção em alguns casos. Verificar se há, alguma hipótese de compra pela internet que não se aplica a regra, seja porque não é sua finalidade proteger aquela espécie de compra ou se, por algum outro critério, este direito não seja aplicável.

A fim de alcançar solução à indagação proposta, inicialmente devemos verificar se a aplicação do direito de arrependimento permite a adoção de critério distinto daquele previsto. Caso a resposta seja positiva, aí sim passar análise das exceções. Caso não admita outro critério, verificar a intransigência da regra perante o sistema de Justiça brasileiro.

O artigo 49 da Lei 8.078/90, que prevê o direito de arrependimento, adota como critério para devolução da compra tão somente o local da celebração, ou seja, se o contrato for celebrado pela internet (no caso do e-commerce), gozará o cliente, independente de qualquer outro fator, do direito de arrependimento.

Portanto, o único critério adotado pela regra é o local da compra, sem fazer menção a qualquer outro.

Fato é que este artigo não se presta a fazer uma longa análise sobre a possibilidade de adotar ou não outros critérios para resolver demandas que digam respeito ao direito de arrependimento, pelo simples fato de que este exercício demandaria um trabalho bastante aprofundado o que não é sua finalidade, que é expor de modo objetivo a questão principal, qual seja, a possibilidade de haver exceções na aplicação da regra.

Nesse passo, afirmo que a omissão ou supressão de critérios para a criação de uma lei pode ensejar a existência de diversos equívocos legislativos – e nossa legislação disso bem entende – e consequentes arbitrariedades e injustiças.

Para seguir nesta analise, devemos admitir que o mais adequado seria adotar outros critérios para a boa aplicação do direito de arrependimento. Para aferir esta afirmação, faz-se pertinente uma análise prática de alguns produtos e serviços que possivelmente não estariam encobertos pela aplicação do direito de arrependimento.

A título de ilustração, um exemplo bastante pitoresco é o caso da compra de vidas no game Candy Crush, que trata-se literalmente de uma compra fora de estabelecimento comercial, de modo a se enquadrar perfeitamente dentro do critério atual previsto, portanto, sujeito ao direito de arrependimento.

Entretanto, existe uma peculiaridade neste caso, qual seja: quando o jogador entra no jogo, ele recebe vidas iniciais, idênticas àquelas que podem ser compradas.

Outro exemplo que se enquadra dentro deste caso, é a aquisição de software, pois é comum que o fornecedor ofereça um período de teste, sem vincular o usuário à compra da chave de acesso permanente.

Os exemplos são simples, e poderia fornecer tantos outros, mas estes são suficientes para demonstrar o ponto importante que deve ser analisado, que é o seguinte: o consumidor teve contato prévio com o produto ou serviço.

Portanto, defendo que quando é possível disponibilizar o contato prévio com os bens e serviços virtuais, não deveria recair sobre eles o direito de arrependimento, pelo fato de que o contato prévio elide o risco que a norma visava proteger, sobretudo porque o consumidor pode verificar se deseja adquirir ou não com maior riqueza de detalhes.

Veja que muitas vezes disponibilizar o produto ou serviço previamente representa uma condição mais favorável do que a própria norma, uma vez que sequer foi concretizada compra e se quer há prazo para pensar se quer adquirir ou não.

O objeto da análise da aplicação do direito de arrependimento não pode ser somente a compra virtual, e sim, deve ser incluído outros requisitos, como o produto e suas características, sob pena de violar uma máxima de ordem jurídica, consubstanciada na justiça dos casos concretos.

Portanto, com fundamento em razões lógicas, este articulista compreende que a adoção de outros critérios para a resolução de questões ligadas ao direito de arrependimento é uma medida de justiça que se impõe, sob pena de admitir grandes abusos, tanto pelo protecionismo excessivo do Estado, como também pela má-fé de consumidores mal intencionados.