Quando falamos em usar dados para alavancar os negócios de uma empresa, muitas vezes pode ficar a impressão de que isso é algo que ocorre majoritariamente no reino dos ambientes digitais. Por exemplo: o consumidor vê um anúncio na internet, pesquisa sobre determinado produto ou serviço no Google e realiza a compra numa loja online — e se o produto ou serviço também for digital, toda essa jornada ocorre sem sair do domínio informacional.
De fato, muitas das aplicações dos dados hoje envolvem plataformas digitais, informações sobre navegação e outros rastros e hábitos do usuário na web. Porém, cada vez mais o comportamento dos consumidores no que vou chamar aqui de “mundo físico” (já que “mundo real” não caberia, pois o digital também é bastante real) e as informações geradas ao longo desse caminho se apresentam como insumos importantíssimo para a estratégia de dados das empresas.
Resumindo muito, por um propósito didático, data driven tem a ver com usar dados (informação) para tomar decisões (ação). Essa concepção pode ainda estar muito relacionada com o digital, uma vez que esse meio proporciona oportunidades de coleta, processamento, mensuração e resposta muito maiores e mais precisas do que qualquer meio físico até hoje. Porém, o princípio se mantém, independente do meio ou canal.
Pois bem. Com o avanço da tecnologia e o aparecimento dos smartphones, tablets, wearables e uma enorme variedade de aparelhos conectados (de geladeiras a lâmpadas) dando forma ao que chamamos hoje de Internet of Things (IoT), essa propriedade informacional do mundo digital passa a ter o potencial de ser aplicada também, como uma camada extra de dados, em conjunto com o “mundo físico”, muitas vezes em tempo real. Pense na pulseira que colhe dados sobre o seu corpo enquanto você corre, transformando o seu exercício de todas as manhãs em um catálogo totalmente digitalizado do seu desempenho e da sua saúde.
Assim, quando falamos de usar dados captados nesse “mundo físico” para entender o comportamento do consumidor e tomar decisões que vão impactar direta e instantaneamente a experiência dele em um evento ou uma loja, por exemplo, na verdade estamos atuando na essência do que é e sempre foi ser data driven, só que aproveitando as possibilidades desse casamento com o universo digital. Não muito tempo atrás, agir com base nos dados levava muito tempo — no caso de um evento, por exemplo, qualquer mudança a partir da observação dos dados provavelmente ficaria para uma próxima edição —, enquanto hoje isso pode ser feito até em real time. Além disso, ampliou-se muito a variedade de tipos de informação que pode ser coletada, abrindo muitos caminhos para entender a realidade e agir sobre ela.
A seguir, alguns exemplos práticos:
Um evento pautado em dados
Em 2018, a empresa que lidero foi convidada por uma cervejaria mexicana que detém 63% do mercado local a mostrar como o uso de dados poderia potencializar as vendas e as operações de seu primeiro evento inspirado na Oktoberfest alemã e que tinha o objetivo de impulsionar os produtores mexicanos e valorizar a cerveja nacional. O festival ocorreu entre 29 e 30 de setembro daquele ano no Deportivo Lomas Altas, um grande espaço para eventos na Cidade do México, e contou com atrações musicais no palco, opções gastronômicas, jogos e, claro, vários estandes representando e comercializando as diferentes marcas de cerveja.
Como todas as compras dentro do evento seriam no sistema cashless (sem dinheiro ou cartão de crédito e débito), por meio de uma pulseira com a tecnologia RFID (identificação por radiofrequência), estabelecemos que essa seria nossa principal fonte de dados. Ao pegar sua pulseira pela primeira vez, o visitante a ativaria a partir de um código enviado para o seu celular, fazendo assim o opt-in e ao mesmo tempo abrindo aquele canal (celular) para comunicações da organização do evento
Já que cada transação usando a pulseira era registrada, nós éramos capazes de saber qual marca de cerveja estava sendo mais ou menos consumida, curvas de tendência desse consumo, quem estava sozinho e quem estava acompanhado da família (pelo tipo e quantidade de itens consumidos), perfil do consumidor (se bebia mais cervejas artesanais, por exemplo), a localização do visitante (por inferência, com base nos locais de transação) e diversos outros indicadores que nos permitiam agir rapidamente com promoções, mensagens personalizadas indicando produtos e outros comunicados, tudo customizado e dirigido de acordo com os dados e recebido pelo visitante direto no celular, ou até mesmo com ações de organização no próprio local (mudar uma sinalização ou deslocar mais staff para determinada tarefa, por exemplo). Além disso, tínhamos acesso em tempo real também aos dados da organização, como estoque dos produtos à venda, podendo, assim, tomar decisões ainda mais assertivas e de acordo com os objetivos da empresa.
Somando os resultados de todas as ações provocadas pela observação dos dados, geramos um aumento de 12% no total de vendas do evento. Ao entender o comportamento do consumidor em tempo real e em nível individual, fomos capazes de entregar conteúdos, promoções e sugestões pertinentes para os visitantes, gerando, naturalmente, mais condições e oportunidades para que ele fizesse suas compras e interagisse com o evento. E além do ganho real, financeiro, o Grupo Modelo ficou, em primeira mão, com um riquíssimo mapa do comportamento e das preferências de seus consumidores para ser utilizado em oportunidades futuras, sem contar ainda o canal de comunicação aberto com os milhares de visitantes que estiveram no Deportivo Lomas Altas naqueles dois dias.
Futebol em números
O Liverpool FC, time de futebol inglês, tem se destacado na temporada atual com a ajuda da análise de dados. O Fenway Sports Group, dono do clube, já tem um longo histórico no uso de dados, a equipe de data science do clube tem entre seus membros um astrofísico e um doutor em filosofia e o diretor da divisão de pesquisas do time tem um doutorado em física teórica. Ele acredita em avaliar os jogadores e tendências usando os números de forma sofisticada para entender melhor o controle do campo (pitch control).
Na imagem acima, um exemplo de visualização de pitch control, o jogador com um círculo amarelo tem a posse da bola e, essencialmente, seu time tem acesso às áreas do campo em azul, enquanto as áreas em vermelho são predominantemente controladas pelos adversários. Nesse caso, o jogador tem maior probabilidade de sucesso se passar a bola para um companheiro que esteja na área azul.
Combinando diferentes dados, o Liverpool ainda consegue compreender como cada ação no campo impacta a probabilidade de um gol ser marcado. Na imagem abaixo, o time vermelho é o Liverpool e as áreas em vermelho são os lugares a que eles conseguem chegar antes dos jogadores em azul. Tudo isso é transformado em uma probabilidade de gol e esse valor, 1,3%, é a probabilidade de um gol ser marcado com a bola nesta posição nos próximos 15 segundos. Esse montante de informações é bastante complexo, mas depois de filtrado e usado dentro do clube, os resultados podem proporcionar uma vantagem sobre os adversários que ainda não desenvolveram essa percepção.
Outros exemplos
Nos últimos anos vêm se multiplicando as oportunidades para aplicar dados em eventos ou em espaços “físicos” nos quais os consumidores interagem presencialmente. Para outros exemplos de como as marcas estão aproveitando essas oportunidades (e quais tipos de dados, sensores e ativações elas estão usando), recomendo os artigos sobre o tema publicados pela Endless Events, Social Tables, Event Architecture e Connect Corporate Meetings.
Ali você vai encontrar, entre outros, detalhes sobre como a Pepsi usou sensores em uma pulseira para que os próprios sinais corporais dos visitantes de um evento gerassem respostas em tempo real nas atrações; Ou então sobre como a Cisco usou sensores de velocidade e localização nos ônibus que estavam transportando os 18 mil participantes de seu evento para monitorar a demanda por veículos adicionais. E se você estiver buscando alternativas para PDV, sigo à disposição.