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Convertible notes como opção de financiamento da startup

Recentemente li alguns artigos sobre convertible notes. Para aqueles que ainda não tem familiaridade, as convertible notes são títulos de dívida conversíveis em participação societária e, por isso, são muito utilizadas para o investimento anjo nos EUA e no Brasil. Ou seja, uma startup emite uma dívida e o valor dessa dívida, no futuro, poderá ser convertido na correspondente participação societária (equity) da startup emissora da dívida, caso a dívida (debt) não seja paga.

Como o nome já denuncia, os convertible notes são uma estrutura importada do sistema jurídico norte-americano, como ocorre muitas vezes com os institutos jurídicos adotados em nosso país. No entanto, como bem se pode observar na Lei das S.A., nada mais é do que uma ampliação do que seriam as chamadas “debêntures conversíveis em ações”, que são uma espécie de convertible notes. Portanto, a despeito do que possa parecer, não se trata de uma novidade no nosso sistema. No entanto, esta estrutura tem ganhado relevância por conta da forma pela qual vem sendo utilizada e operacionalizada.

Conforme definido pela literatura sobre startups, os investimentos iniciais em startups são geralmente realizados pelos chamados “3Fs”: friends, family and fools. Estes agentes caracterizam-se por serem, geralmente, os primeiros investidores de um empreendedor e, consequentemente, assumem o risco inicial do negócio por acreditarem na ideia apresentada pelo empreendedor. Para tanto, é uma questão de lógica que estes desejem se resguardar.

Este desejo de se resguardar é especialmente verificável nos grupos dos friends e fools, onde podemos encontrar os investidores anjo, aceleradoras, investidores profissionais, dentre outros. Uma forma pela qual estes investidores podem se resguardar é por meio das dívidas conversíveis, mencionadas acima.

Por conta da sempre mencionada questão do bootstrapping, dificilmente uma startup optará por se constituir sob a estrutura de uma sociedade anônima, pois isso criará uma série de obrigações que podem não ser favoráveis ao início dessa empreitada por gerarem um custo maior. Dentre elas podemos citar as taxas mais caras na Junta Comercial para arquivamento de atos societários quando comparado com uma limitada, necessidade de publicação de seus atos constitutivos em jornal, compra e escrituração de livros societários para as deliberações tomadas pelos órgãos societários da companhia (Livros Sociais) e, no caso de empresas com capital social acima de R$ 1.000.000,00 (um milhão de Reais), haverá obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras. Vale a pena lembrar que, em alguns casos, a hipótese de R$ 1.000.000,00 (um milhão de Reais) em capital social não é algo tão distante da realidade se a startup receber um bom investimento.

Por este simples fato será excluída a hipótese de emissão de debêntures conversíveis em ações, uma vez que debêntures só podem ser emitidas por sociedades anônimas. Em linhas gerais, debêntures são títulos de dívida emitidos por uma companhia, as quais devem seguir todos os procedimentos previstos na Lei das S.A. Por conta disso e outras questões a escolha do tipo societário deve ser efetuada de forma refletida – pode impossibilitar algumas atividades e/ou formas de financiamento, gerar custos maiores, dentre outros.

Dessa forma, procederemos com a hipótese da startup ser constituída sob a forma de uma sociedade limitada. Sob este tipo de organização, os títulos de dívida serão conversíveis em quotas. Como espécie de título de dívida disponível para essa estrutura podemos mencionar o contrato de mútuo e, nada impede que outros títulos também sejam conversíveis em quotas. Apenas para oferecer uma explicação simples, um mútuo é um contrato de financiamento por meio do qual o credor entrega para o devedor uma quantia a ser paga em determinado prazo. 

Além dessas hipóteses (mútuo conversível e debêntures conversíveis), é possível prever também a alienação fiduciária de quotas, muito comum no mercado. Neste caso específico, o devedor entrega as quotas da empresa como garantia de uma operação. Ao final do prazo da operação, o credor tem a possibilidade de assumir as quotas alienadas fiduciariamente caso a dívida não seja paga (comumente chamado de “step-in right”, pois neste caso o credor “entra” na empresa).

No caso do mútuo conversível em quotas, que pode ser considerada a estrutura mais simples para efetuar a conversão (a alienação fiduciária, por exemplo, exige registro em cartório), será necessário que ambas as partes se atentem a alguns aspectos. O devedor deverá assinar um contrato por meio do qual o credor disponibiliza determinada quantia e por determinado período ou uma condição (as partes podem firmar um determinado evento que será o gatilho para o exercício da opção de participação societária).

Pode ser interessante para o credor, nesse caso, estipular especificamente para qual finalidade será utilizado o valor (ex.: capital de giro, marketing, aquisição de máquina, dentre outros). Por outro lado, pode ser interessante ao devedor definir a forma pela qual será efetuado o desembolso (em quantas parcelas, valores e o que ocorrerá caso este cronograma não seja respeitado).

Além disso, será necessário, a interesse do credor, que o contrato fixe a forma de correção do valor emprestado – o devedor deverá levar isso em conta na hora de contratar para que consiga visualizar exatamente o valor com o qual está se comprometendo. Mais importante do que todos os pontos levantados acima, será imprescindível às duas partes definir a quantidade de quotas que serão adquiridas em caso de não pagamento da dívida no prazo acordado. Lembre-se: a quantidade de quotas pode influenciar na tomada de decisões da startup. De um lado, para o empreendedor pode ser algo negativo compartilhar a tomada de decisões com o investidor.

Por outro lado, para o investidor pode ser que um investimento não se torne atrativo caso não possua autoridade suficiente para tomar decisões no caso da devedora não cumprir o prazo para pagamento da dívida e ter de ser exercido o step-in right.

No entanto, vale dizer que, em minha opinião, o fato do investidor fazer parte da startup não é algo ruim: o bom investidor é aquele que não vai trazer apenas capital, mas contatos, mentoria e dicas de gestão ao negócio, fato pelo qual o ingresso dele na sociedade pode ser um estímulo para que este tome todas as medidas para que a startup vingue. Todos esses pontos deverão ser considerados pela startup que deseja efetuar este tipo de “financiamento”.

A recente exposição oferecida à dívida conversível no cenário das startups pode ter como razão a opção das aceleradoras e investidores em adotar este modelo por conta da maior familiaridade com esta estrutura. No entanto, isto não significa que outros modelos não possam ser adotados ou, até mesmo, que outros modelos não podem ser preferíveis. Trata-se de uma questão de negociação, oportunidade e estratégia a ser definida entre as partes.