Existe um padrão cultural e que, sinceramente funciona para muitas coisas, que diz o seguinte: tudo tem dois lados. Pensando num título criativo, coloquei o atendimento dentro dessa condição de ambivalência, de dois pesos e duas medidas.
Certamente, podemos organizar uma linha racional, daquelas bem simples, onde repartimos uma folha de sulfite e intitulamos um lado com o nome “cliente” e o outro com “atendente”. Obviamente conseguiremos descrever situações, condições, e circunstâncias que criem “opostos”, ou gere julgamentos que nos façam pensar em “dois lados”.
Imagine um exemplo simples, no qual o “cliente” tem um problema para resolver e o “atendente” um emprego para se “manter”. Ambas são verdades simples de imaginarmos e também são necessidades reais das duas partes. E até do ponto de vista mais simplista da coisa, são duas pessoas diferentes interagindo sobre o mesmo assunto. Podemos pensar no “prejuízo do cliente”, na “impaciência” do atendente. Na “resiliência” do cliente, na “agilidade” do atendente. São muitas as perspectivas se olharmos a situação como tendo dois lados.
O ponto de provocação aqui não está no como traduzir o que acontece num atendimento hoje, ou talvez como ele será no futuro. Se estaremos cercados dos bots extremamente inteligentes e empáticos, com jornadas narradas em vozes de locutores com experiência em filmes de cinema. A reflexão, inclusive a minha, olha para as origens. De onde viemos e porque viemos até aqui com essa sensação de que os atendimentos são um lugar, na maioria das vezes, onde não queremos estar ou permanecer ali por muito tempo?
O que é, de fato, atendimento?
Atendimento vem do verbo atender. Atender, por sua vez, passa por duas aplicações: a primeira delas significa dar atenção, ouvir. Simples! Não estamos falando de uma teoria magnífica que exija além das capacidades humanas. Pelo contrário: isso é o que temos exigido dos robôs, os processamentos de linguagem natural que estão conseguindo trazer esse “tom” (talvez poderia até chamar de “dom”) humano para as relações homem/máquina.
Mas essa habilidade humana de ouvir e dar atenção está muito vinculada aos próprios interesses, então acabamos tendo um “estranhamento” entre as funções dentro de um atendimento. Presencialmente talvez fique um pouco velada essa situação. Por exemplo, quem nunca deixou de olhar a vitrine ao ver um vendedor se aproximando para uma abordagem? Acontece. Frente a frente, você responde “estou só dando uma olhadinha” e seu sorriso disfarça o quanto está sem graça com aquela abordagem. Já que, para os atendimentos que não são presenciais, acontece de tudo. Você nem sabe onde estão os olhos da outra pessoa. Os olhos do cliente podem estar revirados até as sobrancelhas, e os do atendente com aquele ar de deboche, sabe qual, né?
Então, nos locais onde a única ferramenta que poderia gerar a empatia — pois essa é uma consequência da atenção e do ouvir —, fazemos exatamente o contrário. Ou seja, poderíamos usar essa habilidade como um recurso realmente extraordinário e, enfim, chegar à segunda explicação da palavra atendente, que diz: responder. Traduzindo: “corresponder às expectativas, resolver o que precisa”. Resumindo, nos sentimos livres para sermos aquelas pessoas que ninguém está vendo.
Quantas vezes não me peguei em atendimentos em que me empoderei como cliente e disse: “Quero falar com seu superior agora”. Da mesma forma já vivenciei situações de tomar água com açúcar, manter a calma antes de interagir com o atendente… E mesmo assim tive que abandonar o meu problema, porque ele não entendeu. E quando pensamos dessa forma, entendemos que não existem dois lados para a origem de um verdadeiro atendimento. Dar atenção é um papel mútuo, independente do interesse. Ouvir é a única saída para entendermos o que está acontecendo e o que precisamos fazer para responder às necessidades.
O papel das novas soluções, tecnologias e inovações
Há um movimento muito nítido acontecendo em todas as áreas de atendimento que potencializam a inclusão dos bots, inteligência artificial e cognição, que são evidentes por toda parte. Esse movimento é muito benéfico aos clientes, partindo do ponto de que essas soluções literalmente dispendem menos tempo (muito valioso atualmente) para resolução dos seus problemas ou necessidades. De pensar que é possível apertar um botão e essa simples atitude rodar uma engrenagem na qual a resolução do seu problema será atendida é realmente algo extraordinário. Esse investimento é sim muito importante para os dias de hoje, momento em que ter cabeças muito inteligentes desenvolvendo isso faz tudo ser mais simples.
As marcas têm se empenhado muito em trazer essa liberdade para o cliente. Deixá-lo à vontade para escolher quando, como e por onde quer falar. Finalmente, estamos usufruindo dos benefícios das soluções de omnichannel e isso é maravilhoso para todos: clientes, marcas e mercado.
E funciona. Realmente muita coisa funciona. A verdade é que temos necessidades para tudo. Temos os assuntos que precisam ser resolvidos por pessoas. E temos também os temas que literalmente exigem dos clientes somente dois, três toques no smartphone. O ponto aqui é: um atendimento humano, feito de maneira educada, coesa e especial, deve ser tão eficiente quanto um atendimento digital. Vai do gosto e do tempo do cliente.
A importância da humanização
É totalmente possível aplicarmos tecnologias funcionais para os muitos e-commerces existentes. Soluções de triagem, respostas rápidas e até mesmo alguns assuntos mais complexos — o que dita grande parte da regra são as jornadas de sustentação dos assuntos tratados em qualquer tipo de atendimento. Se temos fluxos e processos bem resolvidos, o caminho é indiferente.
Normalmente, é aqui que percebemos as fraquezas. Ainda existem muitos processos que não são fluidos, o que faz qualquer automação se transformar em caminhos “inseguros” de serem percorridos. A atenção que devemos dar ao que será literalmente “encapado” por qualquer atendimento tem que funcionar. Embora a tecnologia possa oferecer muito, recentemente li sobre uma pesquisa que questionava “quais opções devem estar no primeiro menu do SAC?”. As respostas foram, em 96% dos casos, “falar com o atendente”. Então o atendimento humano ainda tem MUITO para oferecer.
A humanização precisa ser decretada, ainda que seja para construirmos robôs juntos dentro de uma organização. O atendimento está em tudo. Desde o desenho de um escopo de um processo, ao atendente e cliente, lá na ponta, no lugar onde somente eles e as gravações sabem o que acontece. Um lugar onde o atendente não é obrigado a acertar tudo, mas ele pode ter mais uma chance caso erre. Afinal, ele realmente deu atenção, ouviu, mas falhou em alguma fase. E os clientes também devem fazer sua parte, que é no final das contas a mesma parte do atendente: dar atenção, ouvir e responder. Só temos um lado.