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Aspectos legais e jurisprudenciais acerca da responsabilidade tributária do sócio pelo débito da pessoa jurídica

Diante da altíssima carga tributária e do agravamento da instabilidade econômica e política que atualmente assola o país, muitas empresas encontram-se em dificuldade de adimplir suas obrigações tributárias, principalmente com relação ao pagamento do tributo devido em suas operações.

O Fisco, por sua vez, cada vez mais aparelhado e feroz na cobrança de seu crédito, muita das vezes atropelando garantias fundamentais asseguradas ao contribuinte, lança mão da via executiva fiscal sem pestanejar.

A grande questão, para não se dizer ilegalidade, encontra-se quando da inscrição do débito em dívida ativa e a lavratura do respectivo título executivo extrajudicial (Certidão de Dívida Ativa – CDA), ocasião em que é inserido o nome dos sócios da pessoa jurídica como corresponsáveis pelo suposto débito devido por ela, sem averiguar a real responsabilidade tributária destes. A par disso, ambos são executados judicialmente com riscos iminentes de terem seus bens expropriados.

Contudo, os sócios/administradores da sociedade devedora nem sempre podem ser responsabilizados por tais débitos. Isto deve ser uma regra, cuja exceção se dá em algumas hipóteses descritas em lei, a qual veremos nesse artigo.

A Constituição Federal em seus arts. 5º, LIV e LV, estabelece que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, bem como “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Já na esfera administrativa tal garantia fundamental muitas vezes não é respeitada. É sabido que, quando uma empresa tem contra si lavrado um auto de infração, somente esta é intimada a se defender da exação. Mas, ao final do procedimento, sendo confirmada a autuação e constituído definitivamente o crédito tributário, os sócios da empresa também são inscritos em dívida ativa, como responsáveis tributários pelo débito.

Veja que foi mitigado o direito de defesa do sócio na esfera administrativa, pois a ele não foi oportunizado a participar da fase litigiosa do processo administrativo fiscal, mas sua responsabilidade foi decidida unilateralmente sem qualquer justificativa legal, tendo seu nome inscrito sorrateiramente em dívida ativa e constando no respectivo título executivo, como se sujeito passivo fosse.

A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 608426, de relatoria do então ministro Joaquin Barbosa, assentou que “os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se plenamente à constituição do crédito tributário em desfavor de qualquer espécie de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc.)”.

A doutrina também defende esse ponto. Para Hugo de Brito Machado, “não se pode imputar ao diretor, administrador ou sócio-gerente a prática de ato contrário à lei societária ou ao contrato social sem ofertar-lhe oportunidade de defesa, nem tampouco sem a prévia instauração de processo administrativo específico para esse fim.”

O fato de a jurisprudência e doutrina defenderem e assegurarem o direito à ampla defesa e ao devido processo legal, especialmente com relação aos sócios, além de ser uma cláusula constitucional, é que a responsabilidade desses decorre de lei e deve preencher alguns requisitos que, de antemão deveriam ser comprovados pelo Fisco, já que é o agente acusador da infração tributária.

Chegada a via executiva, constando todos no polo passivo (pessoa jurídica e física), o ônus de provar a não responsabilidade tributária é invertido, conforme jurisprudência remansosa do Superior Tribunal de Justiça, exigindo-se dos sócios a incumbência de demonstrar que não são responsáveis por tal débito da empresa, tendo na maioria das vezes que manejar sua defesa por via processual autônoma, seja por intermédio dos embargos à execução ou ação anulatória.

A E. Corte Superior leva em consideração o fato de o título executivo (CDA) gozar da presunção de certeza e liquidez, o qual somente poderá se ilidida pelo sujeito passivo, que deverá produzir provas inequívocas refutando a validade do título.

O dispêndio para se ver livre da exação é elevado, eis que para obter uma decisão em sede de tutela antecipada, é necessário que haja a garantia do débito em uma das formas aceitas pela legislação (depósito em dinheiro, carta de fiança, seguro garantia e etc.).

Sendo que muitas das vezes o sócio executado sequer possui condições de garantir a dívida que não lhe pertence, dado o elevado valor, já que acrescida de juros, multa, além da correção monetária, tendo que aguardar até o desfecho final da ação ordinária, tipicamente morosa, como é notório, para se ver livre da exação.

Pois bem, o Código Tributário Nacional, no Capítulo V, Seção III, que trata da responsabilidade de terceiro, dispõe em seu art. 135, inciso III, que “são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.

Segundo se extrai da norma, há uma limitação à responsabilidade tributária do sócio, que esbarra na comprovação da ocorrência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, hipóteses dentre as quais não se inclui mero inadimplemento da obrigação tributária pela pessoa jurídica (pagamento do tributo), conforme enunciado da Súmula 430 do STJ.

A priori, deve-se destacar que diante do princípio da autonomia patrimonial o patrimônio da sociedade também não se confunde com o patrimônio dos sócios e vice-versa, possuindo direitos e obrigações distintos.

Nas sábias palavras de Fábio Ulhôa, em “razão do princípio da autonomia patrimonial, ou seja, da personalização da sociedade empresária, os sócios não respondem, em regra, pelas obrigações desta. Se a pessoa jurídica é solvente, quer dizer, possui bens em seu patrimônio suficientes para integral cumprimento de todas suas obrigações, o ativo do patrimônio particular de cada sócio é, absolutamente, inatingível por dívida social. ”

Desta forma, como são pessoas de natureza distintivas, a regra é que o sócio não pode ter seu patrimônio atingido por dívida tributária da pessoa jurídica, o que somente poderá ocorrer em determinadas hipóteses descritas em lei.

Segundo o Juiz Federal Leandro Paulsen, ao citar a i. Ministra Regina Helena Costa, “o art. 135, CTN, contempla normas de exceção, pois a regra é a responsabilidade da pessoa jurídica, e não das pessoas físicas dela gestoras. Trata-se de responsabilidade exclusiva de terceiros que agem dolosamente, e que, por isso, substituem o contribuinte na obrigação, nos casos em que tiverem praticado atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (Costa, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. Saraiva, 2009, p. 205)”.

As hipóteses elencadas no art. 135 do CTN, aptas a justificar a responsabilização dos sócios, podem ser encontradas no art. 50 do Código Civil, cuja pertinência leva a sua integração com a norma tributária, destacando, por exemplo, abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, bem como atos intencionais que extrapolam os limites sociais.

Essas, inclusive, são as hipóteses admitidas pela jurisprudência dominante do STJ, incluindo-se a dissolução irregular da empresa, conforme se vê do aresto abaixo, julgado pela sistemática dos Recursos Repetitivos (art. 543-C do CPC):
REDIRECIONAMENTO. REQUISITOS DO ART. 135 DO CTN NÃO CONFIGURADOS. REEXAME DE PROVA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.

1. Esta Corte Superior firmou o entendimento, no REsp 1.101.728/SP, julgado pela sistemática do art. 543-C do CPC, no sentido de que o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da empresa somente é cabível quando comprovado que ele agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa.

2. No caso concreto, o Tribunal de origem consignou de forma expressa que não há, nos autos, nenhuma demonstração de que os sócios agiram com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, razão pela qual não há como subsistir a responsabilidade deles pelos débitos da empresa.
(…)

4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1343022/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2013, DJe 02/04/2013).

No caso do redirecionamento da execução fiscal, ocasião em que a Fazenda Pública ajuíza a demanda apenas contra a empresa, mas no decorrer do processo é requerido a inclusão dos sócios no polo passivo, deve esta comprovar justificadamente a ocorrência de algumas das causas apontadas no art. 135 do CTN.

Especificamente, no que tange a responsabilidade do sócio centrada na dissolução irregular da pessoa jurídica executada, a Corte Superior tem entendido que poderá ser imputado como responsável aquele sócio que exercia a gerência por ocasião da dissolução irregular da sociedade contribuinte.

Para se presumir tal fato, tem-se admitido uma simples certidão do Oficial de Justiça juntada aos autos, atestando o encerramento irregular das atividades e a consequente ausência de reserva de bens suficientes para o pagamento dos credores, a teor da Súmula do 435-STJ.

Não obstante, esse entendimento poderá ser alterado, eis que a Corte Superior quando do julgamento do Recurso Especial de nº REsp 1564340, também submetido na forma do art. 543-C, do CPC, decidirá contra quem poderá ser redirecionada a execução fiscal em caso de dissolução irregular de empresa, se contra o responsável à época do fato gerador ou à época do encerramento irregular das atividades empresariais.

Portanto, o sócio da pessoa jurídica somente poderá ter seu patrimônio atingido por dívida tributária desta, na hipótese comprovada de atos com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou ainda, na hipótese de dissolução irregular da sociedade.

Sabendo que a maioria das execuções fiscais são referentes ao inadimplemento do tributo pela pessoa jurídica, não há falar em responsabilidade do sócio pelas dívidas, eis que tal fato não configura as hipóteses autorizadas por lei (art. 135, III, do CTN).

Conclusão

Diante do cenário atual perfilhado pelos Tribunais Superiores, podemos apontar as seguintes conclusões:

Há inconstitucionalidade na inclusão dos sócios na Certidão de Dívida Ativa como responsável tributário, quando este não for intimado a participar do processo administrativo fiscal oriundo da autuação fiscal lavrada exclusivamente contra a pessoa jurídica, com fundamento nos Princípios da Ampla Defesa e Contraditório e do Devido Processo Legal;

No bojo da execução fiscal, constando o nome do sócio na CDA, incumbe a este a comprovação de que não praticou nenhuma das infrações contidas no comando do art. 135, III, do CTN, sabendo que o inadimplemento do tributo, por si só não caracterizar infração à lei, não enseja a responsabilização do sócio;

Na hipótese da dissolução irregular da empresa, a responsabilidade na pessoa do sócio, será possível caso este tenha exercido a gerência por ocasião do encerramento irregular da empresa. Contudo, este entendimento poderá ser mudado pelo STJ, quando do julgamento do REsp 1564340, submetido a sistemática dos recursos repetitivos.

Portanto, cabem aos sócios buscarem no Judiciário o resguardo de seus direitos, ante tais práticas ilegais perpetradas pelos Fiscos (Federal, Estadual e Municipal).