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As singularidades do e-commerce no Brasil

Por: Fernando Di Giorgi

é ex-sócio fundador da Uniconsut Sistemas, empresa especializada em back-office para grandes lojas de e-commerce. Fomado em Matemática pela USP, pós-graduado em Administração pela FGV e em Análise Econômica pela FIPE, mestre em Economia pela PUC-SP.

Estamos vivendo uma época de grandes investimentos estrangeiros no Brasil. Devido ao seu explosivo crescimento e rapidez de retorno financeiro, o comércio eletrônico tem sido o alvo predileto dos Fundos Privados. As dificuldades surgem a partir da elaboração do plano de negócios, principalmente quanto aos custos e às despesas. É difícil para um investidor, notadamente estrangeiro, muitos deles meros aventureiros, entender o funcionamento e requisitos operacionais do comércio eletrônico brasileiro.

Este artigo tem o objetivo de apontar as principais diferenciações da venda não-presencial no Brasil face aos padrões norte-americano e europeu.

 

1. Tributação

Para começar a entender a tributação incidente nas transações comerciais é preciso lembrar que o fato gerador de grande parte dos tributos é a movimentação da mercadoria. Este princípio é tipicamente nosso constituindo-se numa das principais causas da complexidade de nossa legislação. Longe de esgotar o assunto, seguem alguns pontos relevantes:

 

ICMS

Trata-se de um tributo sobre o valor agregado cuja legislação é estadual e depende da natureza da transação, do tipo de mercadoria, da relação entre os estados de origem e de destino, do tipo de destinatário, da finalidade da compra etc. Se não faltassem complicações, 19 dos 27 estados resolveram bitributar as vendas do comércio eletrônico. Salvo exceções, as contribuições, PIS e COFINS, seguem lógicas similares.

 

Substituição tributária

Por vezes, para simplificar a fiscalização no âmbito estadual, para algumas categorias, é o comprador quem recolhe o imposto em nome do futuro destinatário usando como pressuposto o lucro que este teria (algo bem arbitrário). Esta regra impõe problemas sérios para o B2B para estorno da tributação antecipada.

 

Sumários fiscais periódicos

Em tempo real, a Secretaria da Fazenda registra cada nota fiscal emitida atribuindo-lhe uma chave de acesso. Esta exigência tem sido dramática para o comércio eletrônico devido à geração da nota fiscal constituir-se numa das últimas atividades do processo contínuo de separação e conferência das mercadorias. Queda na conexão e/ou problemas de performance nos sistemas estatais geram sérios problemas logísticos e administrativos nas grandes lojas virtuais. Mensalmente, cada loja é obrigada a enviar por meio digital à Secretaria da Fazenda as seguintes informações: Sintegra, IN86, Livros de Entrada e Saída, Sped Contábil e Livro de Inventário. Anualmente, deve enviar o Sped Fiscal. Há redundância nestas informações.

 

2. Fornecedores

Há condições imprescindíveis para a cadeia logística reduzir as incertezas de cada um dos seus elos: o cumprimento da data de entrega, pedido perfeito, qualidade assegurada dos produtos etc. Tais compromissos têm sido razoavelmente cumpridos por indústrias maduras (capital intensivo em mercados quase oligopolísticos). Pensando nas categorias habituais no comércio eletrônico brasileiro, frequentemente tais condições não são cumpridas: o controle de estoque dos fornecedores não é confiável, fornecimentos parciais, erros fiscais, categorias sem identificação do SKU em código de barras (por ex. vestuário, calçados, brinquedos) etc.

Este quadro retarda o envio do estoque disponível para o site, além de exigir meticuloso acompanhamento das entregas, conferência da nota fiscal baseada no pedido de compra, validação fiscal da nota (alta especialização), a etiquetagem das unidades sem código de barras, conferência física de cada unidade tendo nota como referência e correção da nota fiscal segundo recebimento físico (efeito fiscal, financeiro e contábil, além da necessária comunicação das correções aos fornecedores).

O recebimento das mercadorias, crítico por definição, torna-se muito mais complexo tendo em vista a cultura empresarial dos fornecedores e a legislação.

 

3. Logística Interna

 

3.1. Operadores Logísticos especializados em e-commerce

Há muito poucos operadores logísticos especializados em comércio eletrônico. Couriers têm sido “forçados” a armazenar, separar e expedir as mercadorias de pequenas lojas, embora estas não sejam suas funções primordiais.

Há muitas razões que explicam a reduzida oferta deste tipo de serviço: não há garantia de permanência dos depositantes num prazo razoável, a qualidade das informações recebidas para a separação não padronizadas (muitas vezes, em discordância com o estoque físico), o baixo volume de transações de cada depositante é insuficiente para diluir os custos de instalação, o recebimento das mercadorias é trabalhoso, gerando custos transacionais elevados e, em geral, pequenos depositantes banalizam os serviços logísticos internos.

 

3.2. Grandes lojas

As grandes lojas verticalizam suas operações, poucas delas fazem uso da mão de obra de terceiros não abrindo mão do gerenciamento. Esta verticalização evidência a precariedade do mercado de serviços logísticos especializados.

 

3.3. Médias e pequenas lojas

As pequenas lojas, em geral, operam seus estoques, sendo que a esmagadora maioria delas trabalham num estágio operacional elementar – não sintonizam o estoque físico disponível com o estoque da loja.

Somente as lojas puramente virtuais médias (volume de vendas acima de 100 pedidos por dia, muita variedade de estoque e ticket mais elevado) procuram operadores logísticos como forma de restringir suas funções, contar com mais segurança, liberar energia para as atividades de compra, venda e atendimento a clientes. Este segmento de mercado é crescente, porém, ainda pequeno.

 

4. Logística Externa

 

4.1. Abrangência territorial e estado da rede viária

Todos sabem que não há fronteiras territoriais no comércio eletrônico. Assim, um habitante de Fortaleza pode, em poucos cliques e com garantida de devolução, comprar uma geladeira de uma loja cujo centro de distribuição situa-se em São Paulo. Poucos percebem que a distância a ser percorrida pela geladeira é superior à distância entre Nova York e Los Angeles. Se a isso acrescentarmos a necessidade de rastreamento (controle de cada trecho do trajeto), o estado das estradas ou aeroportos dá para ter ideia dos custos logísticos brasileiros. O Brasil é um continente dotado de precária rede viária.

 

4.2. Transportadoras

As transportadoras de carga leve tiveram sua origem nas empresas que transportavam documentos. Este fato explica muito a crise de 2010. Elas nasceram descapitalizadas, organizaram-se ao mesmo tempo em que cresciam, constituindo-se num dos elos mais fracos da cadeia de valor (fraqueza nas negociações e receio de retaliação por parte do embarcador).

O castigo deste desequilíbrio em toda cadeia veio a prazo: com o tempo, o crescimento da capacidade instalada de transporte não pode acompanhar o crescimento da demanda do comércio eletrônico. O resultado foi o trágico gargalo em 2010.

Houve grande evolução na pontualidade de entrega e redução de sinistros, porém, tais índices ainda estão oscilantes e as informações tardias obrigando o embarcador a contar com severo controle.

Embora tardiamente, o mercado tem corrigido esta imperfeição: grandes grupos econômicos compraram as transportadoras especializadas no comércio eletrônico garantindo investimentos para adequar a capacidade à carga. Todavia, isto não ficará impune para o varejo, haverá recuperação de margem com duras negociações à frente.

 

5. Lei do Consumidor

As garantias mais usadas pelos consumidores brasileiros em suas compras não presenciais são: sete dias para devolução imotivada, trinta dias para devolução por defeitos técnicos, o frete da reversa fica por conta de quem vende, preço independe do meio de pagamento, privacidade e exclusividade no uso do cartão, corresponsabilidade do site nas compras coletivas etc.

Uma particularidade que exige grande esforço logístico e computacional é a prudência em creditar o cliente solicitante de uma devolução somente após o recebimento da mercadoria devolvida. O cliente se irrita com esta demora.

 

6. Visão do e-commerce

Uma das piores consequências da vida fácil devido ao rápido crescimento do comércio eletrônico foi a excessiva ênfase na aquisição de clientes. As principais consequências têm sido: a) com honrosas exceções, o pensamento dominante entre os dirigentes tem sido vender de “qualquer jeito” tendo olhos somente para a fase estritamente virtual da venda, grandemente estimulada pela indústria de software – uma distorção similar ao mundo dos derivativos b) foram jogados para segundo plano a retenção dos clientes e a logística (a fase física da venda); c) não se acumulou pensamento teórico sobre a inteligência deste mercado, a despeito de todo aparato técnico disponível.

Lamentavelmente, somente após o desastre do Natal de 2010 o segmento tomou consciência da necessidade integrar o plano de investimentos (marketing, TI e logística), respeitando restrições fora de seu alcance.

Se os próprios empresários brasileiros desconheceram por anos as restrições do mercado em que têm operado, dá para imaginar o que se espera de um investidor estrangeiro simplesmente transpondo seus casos de sucesso para o Brasil.

 

7. A cultura

Qual seria a explicação do Brasil contar com um sistema financeiro seguro a ponto de o Banco Central ser objeto de estudo pelos países desenvolvidos? Na verdade, foram tantos anos de inflação, de pacotes econômicos frustrados, de falcatruas de agentes econômicos, que fomos obrigados a nos impor normas extremamente prudentes e contarmos com instrumentos capazes de punição – nossa “esperteza” exigiu um controle sistêmico centralizado e rígido. Em contraponto, em mercados maduros, os “espertos” são punidos pelo o próprio mercado através da perda dos pedidos sem que haja necessidade de tanto controle.

Os comentários acima ilustram uma necessidade presente em qualquer atividade social brasileira: o caro, por vezes abusivo (burocracia), porém necessário controle operacional.

 

8. Conclusões

  • Destoando da morosidade da justiça brasileira, a lei do consumidor conta com canais eficientes para acolher queixas dos consumidores;
  • A legislação tributária brasileira é complexa e especialmente usada em dois subprocessos críticos da logística interna: recebimento e expedição;
  • As transportadoras especializadas em comércio eletrônico estão aprofundando sua profissionalização;
  • Não tem sido possível a prática extensiva do cross-docking em razão da insegurança nos processos administrativos dos fornecedores – contar com estoque de terceiros só se for em consignação;
  • Os gestores das lojas virtuais foram forçados a deixar de focar apenas o site, e passaram a gerir a empresa (harmonizar o funcionamento integral do sistema);
  • Torna-se cada vez mais claro que a máquina de vendas on-line somente funciona se todas as suas engrenagens (fornecedores, transportadoras, operadoras de cartão, logística interna e obrigações fiscais) estiverem completamente articuladas e sincronizadas, ou seja, controladas por um único sistema;
  • No Brasil, a palavra chave é vigilância, não se pode confiar cegamente com o alto desempenho dos agentes internos e externos que participam do processo integrado de comercialização (da captura do pedido pelo site até a entrega ao consumidor incluindo a reversa);

Há necessidade de rastrear integralmente o ciclo de vida do pedido, estabelecer e controlar o cumprimento de tempos padrões para cada atividade, alertar em caso de irregularidade, contar com procedimentos alternativos preestabelecidos e gerar automaticamente as tarefas em casos não cobertos logicamente.