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A experiência do consumidor digital na era da concorrência verticalizada

Por: Maria Flávia Souza

Diretora da Unidade de Negócios de Auto & Saúde em Take Blip. A executiva tem mais de 20 anos de experiência em Marketing e Vendas em indústrias de tecnologia, telecomunicações, varejo e construção. Formada em Publicidade e Propaganda, com MBA em Comportamento do Consumidor pela ESPM, cursou diversas especializações como programas de liderança e desenvolvimento de negócios pela Fundação Dom Cabral. Já passou por empresas como Tivit, ThoughtWorks, Sandvine, Nextel e BASF.

O momento que vivemos representa um divisor de águas em muitos sentidos – do filosófico ao tecnológico, passando pelo comportamental, onde nada é permanente ou tão certo que não possa mudar. Por tudo isso, acho importante falarmos sobre as expectativas do consumidor e a concorrência verticalizada.

A forma como aprendemos a nos posicionar no mercado, concentrando toda a atenção na concorrência direta, vai ficando cada vez mais incompatível com o mundo digital. E faz todo o sentido. Se o consumidor tem uma experiência digital fluida no aplicativo da Netflix, ele vai querer ter experiências, no mínimo, satisfatórias, independentemente do serviço que ele acessar no seu smartphone.

Essa medida de expectativa tende a aumentar quanto maior for a vivência desse consumidor no ambiente digital, o que aconteceu nesses tempos de pandemia – 71% dos entrevistados na pesquisa da ConQuist Consultoria passaram a preferir as compras online após a crise sanitária. Algo a considerarmos também é que 96,8% acham o atendimento algo muito ou extremamente importante ao comprarem um produto ou adquirirem um serviço.

A partir do momento em que eu tenho uma experiência boa em uma operadora de telefonia celular, onde acesso uma segunda via todo mês sem ter de falar com ninguém, por exemplo, me acostumo com esse tipo de experiência. Na minha cabeça, crio a expectativa de pegar a segunda via de qualquer conta sem falar com ninguém, em uma experiência digital rápida.

Ao entrar no aplicativo de uma loja e não conseguir obter rapidamente o boleto que preciso, sentirei frustração. Ainda que o segmento nada tenha a ver com telefonia, farei a associação, consciente ou inconscientemente. O fato é que os consumidores têm um setting mínimo de expectativas ao entrar no digital.

Não faltam exemplos. Digamos que eu preciso de uma segunda via para fazer um financiamento de carro. Se não conseguir digitalmente, a experiência já é ruim. Pode ser que todas as empresas fabricantes de carros, que vendem por financiamento, estejam no mesmo nível. Se os mercados se balizarem com seus competidores diretos, eles não perderão muito em um primeiro momento por falta de escolha do consumidor. Mas, se um dia houver oportunidade de substituir aquele segmento, ele vai embora sem piscar.

Para você entender exatamente o que quero dizer, vou ilustrar com uma necessidade que a pandemia gerou. As viagens de negócios foram suspensas no período de maior isolamento social. Ninguém diria que Google Meet e Zoom seriam concorrentes das companhias aéreas, mas um segmento está substituindo o outro. Claro que viajar para estreitar o relacionamento continuará sendo importante, mas não mais a única forma de reunir. Eu diria que, se a empresa de viagem está pensando em oferecer uma experiência fraca ao consumidor, independentemente de ser digital ou física, melhor repensar e criar novas experiências. Isso é concorrência vertical. Em outras palavras, se os segmentos só olharem entre si, vão acabar perdendo muito cliente.

Se eu quiser dar uma boa experiência ao meu cliente, não vou olhar para o competidor direto, e sim para quem está fazendo melhor. Se agendar um serviço com uma ligação virou coisa do passado, pois hoje agendamos tudo digitalmente, seja para fazer a manutenção do carro ou a tosa do cachorro, o consumidor vai querer fazer de maneira digital. E não é porque todos os pet shops ou todas as montadoras não oferecem essa experiência que ele não tem essa expectativa.

Colocar o cliente como centro da transformação digital, interagir com ele e entender o que ele quer ter como experiência é muito importante. Um levantamento da OpenText mostra que 73% dos consumidores têm mais disposição de voltar a comprar da mesma marca quando sentem que são tratados de forma individualizada, e 75% compram apenas de marcas que demonstram entender suas preferências, como se comunicar com eles por meio de seus canais favoritos ou fazer negócios sob medida. Aliás, 99% dos brasileiros têm WhatsApp no seu smartphone e 98% abrem todos os dias, por que não atendê-los também por aí?

Portanto, já não dá mais para oferecer uma experiência ruim. Lembre-se de que o consumidor de um carro ou de uma loja de roupas também consome streaming.

A tecnologia está cada vez mais próxima de qualquer pessoa. Isso é um caminho sem volta e vai tornando os consumidores mais imediatistas e independentes, com mais necessidade de autosserviço, de preferência, frictionless. E uma empresa que acha que a tecnologia só está disponível para grandes empresas está errada: hoje, existem ferramentas cada vez mais simples à disposição de qualquer um que não seja um especialista. Qualquer um pode começar um atendimento simples pelo WhatsApp, Instagram ou outra rede social. No futuro, com o advento do low-code (ou no-code), isso vai aumentar mais ainda. Mas deixo esse assunto para um próximo artigo.

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