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Um brinde às experiências: Diego Fabris, da Wine Locals, conta como harmonizou vinícolas e tecnologia

Por: Amanda Lucio

Jornalista e Repórter do E-Commerce Brasil

Viajar é bom. Viajar para experimentar vinhos é melhor ainda. Essa é a proposta do enoturismo, uma forma de turismo conhecida pela degustação de vinhos em regiões produtoras da bebida – que vem conquistado o coração dos brasileiros nos últimos anos. Conforme a pesquisa do Sebrae (2023), mais de 85% das vinícolas brasileiras deixaram de trabalhar apenas na produção de vinhos e derivados da uva, para abrir suas porteiras aos visitantes e oferecer atividades turísticas para visitantes de todo o país.

Um dos fatores que impulsionam esse aumento é o e-commerce, sua expansão tem sido uma oportunidade para a distribuição e promoção do enoturismo, conectando as vinícolas aos moradores curiosos de cidades distantes. Para falar um pouco sobre essa harmonização, entrevistamos Diego Fabris, CEO e fundador da Wine Locals, plataforma gaúcha de experiências com vinhos fundada em julho de 2020, reunindo marketplace, conteúdo e experiência em um só lugar.

Homem branco usando camisa preta segura taça de vinho branco em fundo colorido
“Hoje, o vinho está virando uma febre e as pessoas estão sabendo o nome das uvas”, comenta Fabris (Imagem: Wine Locals/Reprodução)

E-Commerce Brasil: Como e de onde surgiu a ideia de criar a Wine Locals?

Diego Fabris: Estou nesse mercado de conteúdo enogastronômico há uns 17 anos. Em 2007, criei a plataforma Destemperados, voltada para o branded content e conteúdo patrocinado, que ficou muito forte lá no Sul do Brasil com experiências gastronômicas. Fiquei 11 anos à frente desse projeto com cases inovadores, fizemos uma casa de experiências gastronômicas, tínhamos caderno no Zero Hora, programa de rádio; era uma multiplataforma mesmo.

Falar de “plataforma de conteúdo” e de “experiência gastronômica” era estranho em 2007. A gente parecia uns ETs tirando foto de comida com Cyber-shot para postar no Blogspot, como os anciões faziam, mas o negócio cresceu rápido, se difundiu, e eu me apaixonei. Sempre fui apaixonado por gastronomia, por experiência e viagens. Criamos a Embaixada do Vinho Brasileiro, e eu me aproximei muito das vinícolas e do enoturismo. Sempre gostei da Serra Gaúcha, criei uma conexão muito forte com os produtores e com os chefes. Depois de 10 anos, um dia fui ao SXSW, minha cabeça deu um salto e decidi mudar tudo de novo. Estava inquieto naquela época.

Decidi vender minha parte e sair do negócio, porque eu queria construir algo voltado para o digital, que era o caminho. Queria uma conexão com a tecnologia que na época não tinha; era puramente conteúdo. Eu queria trabalhar com vinho e enoturismo. Apresentei esse projeto para José Renato Hopf, do grupo Roble, que super comprou a ideia e se empolgou com tudo.

E-Commerce Brasil: E como foi a estruturação da plataforma?

Diego Fabris: Tudo começou pela construção do mapa de comportamento do consumidor: fizemos primeiro um de gastronomia, depois turismo e vinho. Lá pelas tantas, fizemos de enoturismo. Sempre fui apaixonado por comportamento do consumidor, desde a época em que me formei em publicidade e trabalhava com tendências.

Para quem trabalha com serviço, o comportamento do consumidor é o insumo que a gente tem. Sempre olhei para isso e me incomodava um pouco como a comunicação estava colocando todo mundo no mesmo balaio. O digital permite fazer essa comunicação segmentada e é o que eu queria trabalhar, então fizemos esse mapa.

Criamos uma metodologia para conseguir mapear as milhares de pessoas que passaram pela nossa plataforma de dados. A gente até brinca que ela é o nosso vinhedo, porque ficamos trabalhando, desenvolvendo e testando um ano antes de lançar. Quando resolvemos lançar, veio a pandemia. Teimosos que somos, lançamos assim mesmo, até para sermos parceiros na retomada do enoturismo, tem milhares de famílias que dependem dele e têm essa ligação com o vinho.

Não sei se foi sorte ou talento, mas o enoturismo foi uma das coisas que mais cresceram no Brasil. Acho que a única coisa “boa” da pandemia foi o boom do vinho, que cresceu 40% no consumo. Também não era um turismo de aglomeração, era de natureza, da coisa do vinho, quase terapêutico: bebendo para esquecer tudo. Apostamos na criação de uma plataforma que é modelo único de negócio, ter no mesmo lugar uma série de soluções que nenhuma empresa oferece juntas. Uma plataforma de experiências com vinho? Não existe outra. Tem a dor e a beleza de inovar.

Investimos bastante em comunicação, em conteúdo, num modelo que os parceiros não precisavam pagar nada. A gente só ganhava pelo que vendia. Eu quis justamente começar a Wine Locals pelo que não tinha antes, que era a parte de venda para o consumidor final. Antes eu tinha uma plataforma promocional, o modelo de negócio era baseado no patrocínio, mas eu não tinha a última milha, não tinha o dado do consumidor. Fomos criando na época por isso, depois colocamos outras coisas que eu já tinha: a parte de branded content.

Um braço importante é a produção de conteúdo de alto nível, a gente tem web séries, guia pocket, guia digital, um trabalho de rede social que viraliza bastante e a parte de ser um “porta-voz” para as marcas se relacionarem com esse mundo do vinho. Nos últimos anos, tem acontecido com o vinho algo muito parecido com o boom que deu 15 anos atrás na gastronomia.

E-Commerce Brasil: Quais foram os principais desafios de começar na pandemia, já que vocês oferecem experiências e os lugares estavam fechados?

Diego Fabris: As pessoas estavam precisando escapar da loucura, elas estavam trancadas. A necessidade de natureza e um pouco de álcool era iminente. Nesse período, muitas vinícolas que trabalhavam de ‘porteira aberta’ (as que não trabalhavam com reserva), começaram a ter reservas. Viramos uma solução óbvia e de graça: a pessoa ia e a gente ganhava uma comissão sobre a venda. Era muito fácil fechar negócios, foi aí que a gente começou e cresceu.

O maior desafio foi fazer isso com um investimento relativamente baixo em comunicação no nível de qualidade que a gente queria. Temos uma equipe robusta de conteúdo, era uma coisa de aprender a vender experiência no digital. Vimos que não era e-commerce de vinhos; era outro nicho, pois precisava agendar um horário.

A lógica das ferramentas de e-commerce e tecnologia que a gente precisava eram de eventos, não de venda de vinhos. Acho que o maior desafio foi conseguir entender o que precisava para adaptar nossa plataforma de vendas. O consumidor também não está acostumado a comprar a experiência; ele está acostumado a reservar um restaurante ou hotel. Mas comprar uma experiência antes é uma jornada é diferente. Essas foram as coisas mais complexas no começo para a experiência que a gente tinha na área.

Paisagem de vinícola com mesa de madeira ao centro
(Imagem: Wine Locals/Reprodução)

E-Commerce Brasil: Qual é o papel do conteúdo na estratégia da Wine Locals?

Diego Fabris: Conectamos três áreas dentro do negócio: marketplace, conteúdo e brand experience, que seria essa parte de eventos. O conteúdo é o conector delas, trabalhamos numa falta de investimento e tivemos que transformar isso numa virtude de conseguir fazer com que parceiros ajudassem a bancar nosso crescimento.

Usamos muito esse investimento que as marcas faziam: criávamos um projeto de branded content, um conteúdo que viralizava muito e a nossa marca ia junto. Foi um pouco dessa estratégia que a gente teve. De fato, se olharmos para o tamanho que o negócio virou frente ao pouco que investimos no nosso institucional, acabamos crescendo com os parceiros.

E-Commerce Brasil: Como funciona o sistema de vendas da plataforma?

Diego Fabris: Temos o marketplace e o serviço de concierges sete dias por semana fazendo venda consultiva pelo WhatsApp, o que foi uma evolução do negócio. Porque vimos que há um tipo de experiência que se vende online, mas quando começamos a entrar em outros mercados, especialmente o internacional, percebemos que as pessoas também queriam transporte e hotel.

Acho que, um ano depois do lançamento, começamos nosso time de concierges com essa lógica, também para atender agências e clientes com o ticket médio mais alto. Hoje, 30% do nosso faturamento vem dessas vendas.

O time de concierges tem no portfólio experiências que o consumidor confia. Ele quer conhecer em algum lugar, mas não sabe muito bem para onde vai, muitas vezes nem sabe que precisa de um serviço. A pessoa precisa do transporte, depois incluímos a parte de hospedagem, que é uma jornada mais recente e que também vem crescendo.

Começamos a ter exclusividade de venda em muitas vinícolas. Inclusive, as agências compram de nós porque as vinícolas começaram a falar: ‘vendo tudo na Wine Locals’. Mandam nosso link e resolvem tudo. Tinha agências já estavam consolidadas e viraram nossas clientes.

E-Commerce Brasil: E a curadoria é feita como? Tem como garantir a confiabilidade e qualidade delas?

Diego Fabris: Temos uma premissa de vivência das experiências, pelo menos uma pessoa do nosso time é dedicada a isso. Às vezes não no primeiro momento, mas sempre tentamos fazer essa vivência para confirmar aquilo que está ali. Quando abrimos uma região, fazemos uma expansão geográfica por terroirs e fazemos esse mapeamento. Muitas vezes o conteúdo vem primeiro, como no Uruguai, por exemplo, fizemos uma web série para mapear o país de ponta a ponta. Nessa série, fomos conhecendo alguns parceiros, que depois a gente fechou e foi botando a plataforma. Acho que precisamos ter esse olhar.

É diferente da Serra Gaúcha, como a gente nasceu ali, ela era nossa casa e a gente conhecia tudo. Mas os outros terroirs a gente teve que explorar. Tivemos que ter cuidado, no começo a gente estava colocando qualquer vinícola que chegava, mesmo sendo de um estado ou região que não era muito forte, mas queríamos vender tudo. Só que não adianta, precisa ter um pouco de consistência na região, fazer curadoria para poder expandir.

Taças de vinho distribuídas sobre uma mesa de madeira
(Imagem: Wine Locals/Reprodução)

E-Commerce Brasil: Como vocês avaliam a importância da atuação online da Wine Locals no desenvolvimento do enoturismo no Brasil? Acreditam que a plataforma pode ser uma agente transformadora nesse setor?

Diego Fabris: Não somos especialistas para ensinar: somos entusiastas apaixonados por vinho que compartilham o que vivem. Isso acaba dando luz também a novas vinícolas, novos terroirs e experiências. Tem pessoas que ficam muito surpresas ao saber que, a duas horas de São Paulo capital, pode ter um nível de experiência que, há três ou quatro anos, precisavam ir para Mendonza.

Ao mesmo tempo, não perdemos essa vontade de mostrar, por exemplo, o Rio Grande do Sul e a Serra Gaúcha, que têm um nível de experiência e produtos, como o espumante, que não deixam nada a desejar. O Brasil tem essa característica, por não ser um mercado de vinho mundialmente famoso, ele precisa ser puxado muito mais pela experiência. Então, o nível de experiência que entregamos no Brasil, nós que viajamos bastante para fora, vemos que tem coisas melhores do que as encontramos às vezes no Chile. É surpreendente a quantidade de coisas bacanas que existem em Pinto Bandeira, Vale dos Vinhedos e em outros lugares assim.

E-Commerce Brasil: Quais são os planos da Wine Locals? Recentemente vocês expandiram para o Uruguai, pretendem seguir para outros países?

Diego Fabris: Fizemos uma captação em 2022 e vendemos uma parte do negócio para o grupo Víssimo (Evino e Grand Cru), justamente para abrir novos mercados e ter capacidade de investimento neles, como Chile e Argentina. Em termos de enoturismo, os mercados que mais queremos trabalhar e apostar são o sul de Minas e São Paulo, mais do que Mendonza e Chile.

Achamos que existe espaço para novos terroirs, então estamos apostando bastante nisso. A Serra Catarinense e outras regiões do Rio Grande do Sul, são locais onde queremos muito trabalhar esses novos terroirs brasileiros. Estamos trabalhando no lançamento do guia dessas regiões, então temos uma visão de futuro para cada área do negócio. No enoturismo, é isso. Na parte de conteúdo e marketing, é usar a inteligência artificial para qualificar e otimizar nossa recomendação e curadoria.

Na parte de eventos, queremos consolidar os eventos proprietários e ativações, como a Cave Secreta e o Wine Boat. Vamos levar o Wine Boat para Punta Del Este no réveillon, e a nossa Cave Secreta estará em vários eventos.

Com a evolução desse mercado, a tendência é que, nos próximos anos, alguns sommeliers fiquem tão conhecidos quanto alguns chefs, transformando-se nas “próximas celebridades”. O protagonismo das plataformas no movimento acena para a democratização do turismo enogastronômico e expansão das suas possibilidades, ao mesmo tempo em que atende às demandas e interesses dos amantes do vinho e dos viajantes em geral.