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A rede de distribuição de energia como plataforma de negócios virtuais

Por: Redação E-Commerce Brasil

Equipe de jornalismo E-Commerce Brasil

Por Norberto Torres – sócio-diretor da Uniconsult Sistemas

Em artigo anterior, na edição de fevereiro, foram apresentados modelos de varejo eletrônico, centralizando a discussão sobre a cadeia de negócios no comércio eletrônico. Um dos modelos lá tratados foi denominado Portal de Compras, no qual, em essência, o cliente/comprador mantém um relacionamento direto com o agente intermediário (Portal), que, por sua vez, se integra a vários varejistas eletrônicos, buscando, nestes, a melhor oferta para o cliente. Após a colocação do pedido, o comprador pode continuar a ser atendido pelo agente do Portal, ou, em um modelo alternativo, passar a ser atendido pelo varejista selecionado para a transação.

As novas tecnologias de informação e o comércio virtual abriram oportunidades imensas para empresas de quaisquer portes ampliarem seus negócios, seja no nível local, regional, nacional ou internacional. Um dos valores mais reconhecidos pelos indivíduos é a integração na oferta de serviços, a comodidade que essa oferta centralizada e integrada pode proporcionar.

Assim, é esperado que o mercado de varejo eletrônico se reconfigure de forma muito expressiva, surgindo novos e grandes agentes intermediários agregadores de varejistas eletrônicos (mesmo grandes), retirando, destes, parte de sua margem, passando a deter maior controle nas relações com o mercado.

Esse novo panorama se apresenta ainda de forma sutil, mas certamente vai prosperar e mudar radicalmente a estrutura econômica do varejo eletrônico, exigindo soluções muito mais sofisticadas de interoperabilidade, para viabilizar operações mais complexas com muitos agentes integrados.

O predomínio será, muito provavelmente, de quem tem o contato direto com os clientes e o conhecimento aprofundado do perfil desses clientes. Tal conhecimento pode vir das transações passadas, mas ele só é útil quando um cliente já manteve um razoável histórico de transações com o varejista. É claro que parcerias de dados entre empresas de diversas naturezas, quando possíveis, podem ajudar nesse conhecimento.

Quando se conhece mais a respeito do comportamento do cliente potencial, mesmo que ele não tenha feito compra alguma, é possível ter uma base para ofertas melhor dirigidas.

Quem tem grandes bases de clientes potenciais e com conhecimento de seu comportamento tem uma grande vantagem competitiva, pois pode descobrir, por meio de técnicas de análise estatística sofisticadas, tendências de compras e tipos de necessidades que compras anteriores, somente, não poderiam revelar.

Muitos agentes de grande expressão no mercado mantêm contato direto com milhões de clientes, tais como operadores de cartões de crédito, bancos, seguradoras – entre outros – que têm, em suas mãos, o ativo mais valioso, os clientes. Tais agentes já se movimentaram ou estão se movimentando no sentido de explorarem o rico canal de relacionamento que possuem para levarem ofertas distintas de seus negócios originais.

Eles têm todo interesse em atuar diretamente sobre suas bases de clientes, e, em seu nome e com sua relação direta com tais clientes, intermediar compras deles e, com isso, ampliar enormemente suas receitas, retirando dos grandes varejistas eletrônicos (e mesmo dos menores) essa prerrogativa.

No entanto, há uma base ainda pouco ou nada explorada, com poder ainda maior que os agentes acima citados, que são as empresas operadoras de utilidades: energia, gás, telefonia, TV a cabo, água e saneamento. A atenção deste artigo está centrada nessas plataformas, especialmente as empresas de distribuição de energia elétrica.

A rede de distribuição de energia como plataforma para negócios virtuais
O setor de distribuição de energia elétrica tem à sua disposição um ativo de imenso valor, que é a possibilidade de estabelecer contato direto, através dos meios de transmissão de energia, com milhões de clientes de varejo e com centenas de milhares de clientes maiores.

Além disso, é esperado que, gradualmente, a rede elétrica possa servir como principal meio de telecomunicação residencial (banda larga).

Outros setores têm características semelhantes, e desde há muito vêm orientando seus esforços no sentido de aproveitarem a rede de conexões que controlam, visando, com isso, gerar negócios próprios ou para terceiros. É o que ocorreu, há muito tempo, com os cartões de crédito, e, mais recentemente, com os setores de telecomunicações, de TV por assinatura e de outros tipos de redes de serviços que apresentam o mesmo valor estratégico – uma ampla rede de conexões.

No caso do setor elétrico, o mesmo tipo de valor estratégico existe, com uma relação bastante estreita entre as empresas que operam nesse setor, especialmente as distribuidoras de energia, e seus clientes, até porque energia é um bem de primeira necessidade.

No caso das redes de distribuição de energia, além da energia propriamente dita, muitos outros serviços e informações podem ser disponibilizados, podendo-se converter a rede de distribuição em uma rede altamente capilarizada, na realidade a mais capilarizada de todas as redes, com exceção da rede de águas.

Essa capilaridade pode proporcionar, aos detentores dessas redes ou àquelas empresas que saibam como utilizá-las estrategicamente, imensas oportunidades para novos negócios, além de atender ao mercado com mais serviços, centralizados em uma única rede.

Serviços como transmissão de dados, acesso à Internet, conexões de computadores em redes virtuais privadas, sistemas de e-services (por exemplo, integração da lista de demandas dos clientes com as ofertas existentes e sua compatibilização), sistemas de gerenciamento automático de dispositivos residenciais (“e-home” – a casa eletrônica), entre tantos outros podem ser colocados à disposição dos clientes existentes naturalmente “pendurados” na rede elétrica. Dependendo da localização de cada ponto de distribuição interna de energia, serviços customizados poderão estar disponibilizados.

As redes inteligentes de distribuição de energia (smart grids)

Uma Rede Inteligente de Distribuição de Energia, simplificadamente denominada de Smart Grid, é entendida como sendo uma base que integra agentes, consumidores, distribuidoras e sociedade em geral, por meio de uma estrutura de serviço que busca benefícios técnicos, econômicos e sociais, fazendo uso da rede elétrica, de sistemas de informação e abrigando geração distribuída, inclusive veículos elétricos.

A oportunidade potencial das redes de distribuição de energia elétrica como canal de comércio eletrônico
As redes inteligentes representam não só uma evolução tecnológica da distribuição de energia elétrica, mas também um vetor para a integração social, a universalização de serviços de energia e de telecomunicação, bem como uma fonte de oportunidades de investimentos e empreendimentos nos setores secundário e terciário.

Continuamente, são descobertas novas aplicações para redes inteligentes, e, na medida em que a rede elétrica possa ser entendida como uma rede de interoperação de dispositivos de múltiplas naturezas, poderão servir a finalidades ainda não imaginadas, ou mesmo substituírem outras redes em processos já operacionais, mas com vantagens de maior capilaridade, tais como, por exemplo, em comércio eletrônico, especialmente o comércio automatizado, em que dispositivos acionam demandas automaticamente.

Por exemplo, no caso de ume empresa de distribuição de energia, com a implantação de redes inteligentes, será possível saber os horários em que as pessoas estão em casa, horários e durações de banhos, períodos de maior presença em casa, entre outras informações que decorrem da simples observação da energia demandada. Tais informações, associadas a outras relevantes, podem trazer muitos subsídios sobre o perfil de clientes.

A necessidade de integração e interoperação, bem como a multiplicidade de serviços que as redes inteligentes podem proporcionar, sugere que novos tipos de organizações surgirão no setor de energia, focalizadas essencialmente na agregação de valor pela integração.

Todas as transformações esperadas com as redes inteligentes implicam em uma nova visão do que seja uma empresa distribuidora de energia, que, historicamente de um agente proprietário das instalações de distribuição, passa a ser um agente integrador de todo tipo de agente interveniente na rede, desde grandes e pequenos geradores, até grandes e pequenos consumidores, que podem ser também geradores (prosumers).

A própria distribuidora de energia pode ampliar e mudar seu papel para ser um agente de integração que se utiliza do domínio que tem de toda a rede, mais ainda quando as redes de energia se tornarem cada vez mais inteligentes e com mais dispositivos interconectados.
O cliente potencial presente em uma rede de energia elétrica poder ser um cliente residencial, um cliente empresarial, ou qualquer dispositivo conectado à rede inteligente – por exemplo, uma geladeira “colocando pedidos” diretamente junto a supermercados virtuais.

O uso da rede inteligente como base para interconexões de comércio eletrônico tradicional, sendo a rede uma plataforma para grandes portais de comércio eletrônico, segue uma tendência de cada vez mais valorizar os agentes que, como as distribuidoras de energia, fazem interface direta e conhecem profundamente o comportamento dos consumidores. É natural que empresas distribuidoras de energia queiram agregar valor ao fato de terem uma base de informações rica sobre uma vasta base de clientes potenciais para quaisquer produtos.

Além disso, em muitos sentidos, o mercado de energia tenderá a ter funcionalidades semelhantes às do comércio eletrônico, podendo-se antever aplicações como:

• Transação com energia para usuários (residenciais, comerciais e industriais) para gerenciamento de recursos de energia (compra, uso, venda, transferência de direitos, troca de direitos etc.).
• Premiação de usuários e acumulação de pontos para trocas por outros benefícios.
• Operações com energia em marketplaces complexos com cross-sell de mercadorias e serviços.

Principais obstáculos

O maior obstáculo atual não é tecnológico, mas associado aos aspectos regulatórios impostos ao setor.

Pelo menos por enquanto, as empresas do setor não podem aumentar suas margens com negócios que saiam de sua função básica, que é a distribuição de energia. Se desenvolverem negócios complementares, as margens geradas por tais negócios serão incorporadas às margens totais com limites controlados pelos agentes reguladores (no Brasil, a Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica).

Mas a rede de energia é um ativo de elevadíssima capilaridade que, certamente, precisará ser considerada como um meio para novos desenvolvimentos de negócios, e os aspectos regulatórios precisarão se adaptar a essa realidade.

Por outro lado, há, também, que se considerar que as capacitações gerenciais necessárias à operação de comércio eletrônico são diferentes daquelas existentes nas distribuidoras de energia, e os sistemas de informações necessários também são bastante diferentes dos atualmente em uso nas distribuidoras.

Conclusão

Considerando a importância da rede de distribuição de energia, especialmente com a implantação das redes inteligentes (smart grids), é de se esperar que o setor (distribuição de energia) esteja cada vez mais sob o foco dos grandes operadores de varejo eletrônico, para, por meio de parcerias estratégicas, explorarem a enorme capilaridade dessas redes, bem como a intimidade que elas possibilitam manter com os clientes consumidores (de energia) e uma análise mais aprofundada de seu comportamento e perfil.

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Artigo publicado na Revista E-Commerce Brasil, edição 08.
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