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China aumenta controle da web e prepara nova lei de cibersegurança

Por: Eduardo Mustafa

Graduado em 'Comunicação Social - Jornalismo' com experiência em negócios, comunicação, marketing e comércio eletrônico e pós-graduado em 'Jornalismo Esportivo e Gestão de Negócios'. Foi editor do portal E-Commerce Brasil, do Grupo iMasters (2015 /2016), e atualmente é executivo sênior de contas na Gume

Primeiro foi o Muro de Berlim. Agora, há o Grande Firewall da China — não uma barreira física, impedindo pessoas de sair, mas uma virtual, barrando a entrada no país de informações prejudiciais ao Partido Comunista. Assim como um caiu, o outro será, eventualmente, desmantelado, pois informações, como as pessoas, não podem ser retidas para sempre. Ou, pelo menos, esta é a crença.

Mas tente dizer isso a Pequim. Longe de derrubar o maior sistema de censura do mundo, a China, na verdade, está se movendo cada vez mais confiante na direção oposta, reforçando as bases jurídicas da muralha, fechando brechas e aumentando o controle da web. Defendendo não mais um histórico de censura, a China está confiantemente alardeando sua visão de “soberania na internet” como um modelo para o mundo e está se mexendo para torná-lo uma realidade jurídica em casa. Ao mesmo tempo — confundindo os céticos ocidentais — a internet está, no entanto, prosperando na China, com quase 700 milhões de usuários, colocando quase um em cada quatro da população online do mundo por trás da Grande Firewall.

A China é líder mundial em e-commerce, com o dobro do volume de vendas no varejo digital em comparação com os Estados Unidos e responsável por 40% do total global, de acordo com a empresa de pesquisa de negócios digitais eMarketer. No ano passado, o país também ostentava quatro das dez maiores empresas de internet no mundo, classificadas por capitalização de mercado, segundo o site de dados Statista, incluindo a gigante do e-commerce Alibaba, a empresa de mídias sociais e jogos Tencent e o buscador especializado Baidu.

— Este caminho é a escolha da História e a escolha do povo, e nós percorreremos este caminho cada vez mais firmes e cheios de confiança — afirmou o czar da internet da China, Lu Wei, em janeiro.

Wei explicou que, após duas décadas de desenvolvimento da internet sob a firme liderança do Partido Comunista, o país havia atingido o equilíbrio correto entre “liberdade e ordem” e entre “abertura e autonomia”. A nação, ainda segundo Wei, está trilhando um caminho de “cibergovernança com características chinesas”.

O que a China chama de “Escudo Dourado” é um mecanismo gigante de censura e vigilância que bloqueia dezenas de milhares de sites considerados hostis à narrativa e controle do Partido Comunista, incluindo Facebook, YouTube, Twitter e até mesmo Instagram. Em abril, o governo dos EUA classificou-o oficialmente como uma barreira ao comércio, salientando que oito dos 25 sites mais acessados em nível global estão bloqueados na China. A Câmara Americana de Comércio na China diz que quatro em cada cinco das suas empresas associadas relatam impacto negativo sobre seus negócios pela censura na internet chinesa.

No entanto, não vai se voltar atrás. Ainda este ano, a China deverá aprovar uma nova lei sobre cibersegurança que irá codificar, organizar e fortalecer seu controle sobre a internet. E estão sendo introduzidas novas regras que restringem empresas estrangeiras de publicação de conteúdo online, e propostas regras mais rígidas aos sites para registrar nomes de domínio.

As mudanças não são, como alguns inicialmente temiam, um movimento para cortar o acesso ao mundo exterior e estabelecer uma intranet chinesa, mas sim uma tentativa de estender o controle legal e a supervisão sobre o que é publicado online no país. Na verdade, a Grande Firewall da China é muito mais sofisticada e com multicamadas do que um simples interruptor liga-desliga: é a tentativa de construir uma ponte entre duas das contradições mais fundamentais do país — ter uma economia intrinsecamente ligada ao mundo exterior, mas uma cultura política fechada aos tais “valores ocidentais”, como a liberdade de expressão e a democracia.

A internet chegou à China em janeiro de 1996, e o país começou sistematicamente a bloquear alguns sites estrangeiros em agosto de 1996 (o apelido Grande Firewall foi cunhado pela revista “Wired”, em 1997). Mas o sistema, tal como está agora, apenas começou a ser desenvolvido e implementado no início de 2000. O Google foi o primeiro a ser bloqueado, durante nove dias, em setembro de 2002. O YouTube foi bloqueado após distúrbios no Tibete, em 2008, e o Facebook e o Twitter, na sequência, após distúrbios em Xinjiang, em 2009.

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Em dezembro, Pequim propagandeou sua visão na Conferência Mundial da Internet, na histórica cidade de Wuzhen, a segunda reunião anual, com a participação de líderes de Rússia, Paquistão e várias outras nações que não têm pontuação alta em rankings globais de liberdade na internet. Embora tenha falhado em convencer o Ocidente, os mais recentes movimentos da China para legalizar e reforçar sua barreira digital é trazer a ideia da “soberania na internet” um passo mais perto da realidade.

— Uma das coisas que o governo chinês está tentando fazer é mudar gradualmente os fatos — ressalta o professor de Direito e Governança Rogier Creemers, da Universidade de Leiden, da Holanda, destacando que a China usa o mesmo tipo da maioria dos sistemas de censura. — Se não pode chegar a um acordo no âmbito internacional sobre a “soberania na internet”, irá apenas apresentar o projeto como um fato consumado.

Ao mesmo tempo, segundo Creemers, as revelações de Edward Snowden sobre a vigilância em escala global conduzida através da internet por agências de Inteligência dos EUA têm sido o principal trunfo para a China, minando qualquer pretensão de que alguém estava realmente jogando segundo as regras ou quaisquer reivindicações ocidentais acerca de superioridade moral.

Fonte: O Globo