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Vamos parar de brincar de e-commerce

Quando fui convidado para fazer um artigo para esta revista, imaginei buscar um assunto que pudesse levar a algum raciocínio sobre o cenário do varejo eletrônico atual, e a primeira frase que me veio à mente foi a que coloquei no título.

É claro que aqui você não verá nenhuma verdade absoluta, apenas uma visão de um profissional com 46 anos de idade que trabalha desde os 16, empreende em negócios online e e-commerce desde o século passado e que está à frente de uma operação de comércio eletrônico no segmento de perfumes e cosméticos importados, sendo uma das top 5 desse nicho.

O primeiro ponto que queria trazer é que a conta fecha sim para o comércio eletronico, mas não é para todo mundo. Como qualquer negócio, uma loja virtual precisa de tempo para encontrar o melhor processo de sua operação, e não basta essa loja fazer parte de um grande grupo de varejo para já vir pronta para o sucesso, simplesmente porque não existe um modelo pasteurizado de negócio para o varejo virtual e principalmente porque – de novo como qualquer negócio – ela precisa de pessoas certas, treinadas e motivadas.

Ainda em se tratando da conta final, ela não fecha, mesmo quando se trata de lojas online que estão com fundos de investimentos por trás, com o único objetivo de ganhar share de mercado e tentar serem vendidas para um grande grupo em um curto espaço de tempo. Mas a brincadeira que estamos vendo, de empreender em uma loja virtual, a meu ver, vai acabar provocando um problema sério nesse mercado. Siga o meu raciocínio para ver se faz algum sentido.

Uma das principais características de um comércio eletrônico é a velocidade, inerente ao próprio meio da Internet, que dependendo do prisma serve para o bem ou para o lado negro da força.

Para o bem, posso citar a capacidade que as lojas virtuais têm de avaliar uma estratégia e uma ação tática em pouco tempo, tendo a capacidade e a flexibilidade de corrigir erros e acertar melhor. Para o mal, a principal característica que vejo que essa velocidade provoca é a ansiedade do empreendedor que acabou de entrar no varejo virtual – ou está se preparando para tal – em ver resultados, mas não é culpa dele.

Provavelmente esse empreendedor ouviu ou leu sobre a mentira de que uma operação de e-commerce é mais barata do que um negócio do varejo físico. Além disso, ele seguiu a seguinte receita: contratar uma plataforma com mensalidade “de acordo com o seu tamanho”, depois encontrar um gateway que “faz tudo”, uma agência especializada em investimento em buscadores e comparadores que promete “sucesso absoluto”, fazer contrato com operador logístico e de entrega “especializados” e, por fim, mas não menos importante, contratar um gerente de e-commerce formado em um curso de uma semana. Com tudo isso, ele – o empreendedor – sente-se confortável em sonhar alto, até porque para todo o lado lê-se sobre o crescimento anual acima de 20% do varejo eletrônico, frente aos módicos 2% do varejo conhecido como tradicional.

Somamos a isso à enxurrada de propostas de facilidades que ele escuta das centenas de empresas fornecedoras de produtos e serviços para o e-commerce, todas prometendo e apresentando resultados positivos de vendas para seus clientes.

E, ainda, o nosso empreendedor vê novas lojas sendo lançadas a toda hora, vai visitar alguma delas e vê uma pequena sala com meia dúzia de jovens nerds e cheios de energia com seus MacBooks brilhando, falando de números altos e conceitos modernos, quase uma física quântica futurista.

Para completar, ele conversa com outros empreendedores e descobre que um tal fundo de investimento aportou centenas de milhares de dólares para uma loja não se preocupar com nada, conquistar clientes e faturar.

Conclusão: ele fica ansioso por abrir seu negócio de comércio eletrônico, entende que precisa correr contra o tempo para recuperar o que deixou de ganhar durante todo esse tempo em que esteve fora desse segmento, e “larga o dedo” no investimento. E voltamos para o parágrafo que começa com “Provavelmente esse empreendedor…”.

Resultado: a cada dia, novas operações de lojas virtuais entram no ar e tudo fica mais caro no comércio eletrônico. A primeira percepção é o custo crescente de mídia, principalmente do CPC, porque a maioria das agências não tem foco no resultado de vendas de seu cliente, e sim no resultado de visitas e pageviews, e dessa forma inflaciona os valores do clique.

Outro ponto que segue inflacionando é o salário dos profissionais. A quantidade de cursos que promete transformar os profissionais em gerentes de e-commerce cresce de forma proporcional com a procura, e as empresas contratam os “formados” a peso de ouro (afinal, eles informam no CV que são gerentes de e-commerce) e apostam todas as fichas que eles trarão resultado, e o que se vê é aumento de custo.

E a ansiedade cresce, porque os varejistas só conseguem ver a cor vermelha na última linha da planilha de custos de sua empresa de varejo virtual, ou seja, prejuízo. Lembre que essa empresa é daquele empreendedor ansioso por fazer resultado…

Espero que eu esteja completamente errado, mas a sensação que tenho é que estamos efetivamente inflando uma bolha. Certamente estamos muito mais maduros em relação à época da bolha das “pontocom” e provavelmente não haverá uma quebradeira geral como a daquele tempo. Mas vejo que provavelmente haverá uma mudança radical, quando todas as lojas que estão acostumadas a crescer o faturamento sem lucro, além daquelas do empreendedor ansioso que quer ver resultado positivo a curto prazo e só enxerga prejuízo, terem que de uma hora para outra cortar custos para começarem a ver a cor verde na última linha do DRE.

Mas calma… ainda dá tempo.

Em primeiro lugar, refaça (ou faça) sua planilha de planejamento, avaliando todos os pontos – literalmente todos – de custos e investimentos de sua operação online. Se possível, contrate um bom consultor financeiro com foco no varejo para te dar condições de enxergar melhor seus números.

Reveja as margens de seu negócio, quais produtos possuem melhor margem de contribuição, quais categorias precisam de maior atenção para girar o estoque, qual o melhor ticket médio para oferecer o frete grátis, avalie os resultados por cada canal de tráfego, ou seja, estude os números de sua loja. Em vez de contratar um “gerente de ecommerce sabe tudo”, invista na formação e no plano de carreira de sua equipe, se possível oferecendo benefícios pelo crescimento de sua empresa. Se está em uma operação com investidor por trás, espero que ele seja bem legal contigo… E, por último, defina se sua empresa foi feita para durar, olhe para os seus funcionários e perceba se está sendo justo com eles e, principalmente, olhe para o mundo e pense se vai deixar algum legado.

É óbvio, como disse lá no início, que isto aqui não é nenhuma verdade absoluta. Pode até entender como um desabafo, pois tudo que relatei aqui tenho visto e ouvido nas conversas com empresários e gestores de e-commerce. Mas o objetivo deste texto é alertar a todos que uma operação de comércio eletrônico não é brincadeira de startup. Uma loja virtual, como qualquer negócio, precisa ser gerida por pessoas sérias e com um mínimo de bom senso, pois a responsabilidade é alta.

Na operação que dirijo, são 50 profissionais (e suas famílias) dependentes do resultado positivo, por isso não posso brincar de errar. E graças a Deus somos uma operação sem fundo de investidor e lucrativa. Aliás, esse é o nosso primeiro item da lista de valores, ou seja, sermos lucrativos.

Portanto, vamos parar de brincar de e-commerce.

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Artigo publicado originalmente na Revista E-Commerce Brasil: http://www.ecommercebrasil.com.br/revista/?edition_id=22&folhear=true