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Tendências globais de logística que chegam com tudo no Brasil (e outra que nem tanto...)

Por: Stefan Rehm

Fundador da Intelipost, empresa líder de consultoria e tecnologia para gestão de transporte para e-commerces. Trabalhava na Google e IBM antes de gerenciar várias operações de e-commerces no Brasil e no exterior.

Uma forma antiga e eficaz de prever tendências de logística que dominarão o dia a dia dos profissionais no Brasil é conhecer o que países com ambientes e players mais maduros estão fazendo. Apesar das diferenças abissais entre países em desenvolvimento (como o Brasil) e os expoentes em infraestrutura e tecnologia (como Estados Unidos e Alemanha), o caminho das tendências é uma lição tão valiosa quanto disponível. Assim, são um bom indicativo do que esperar para os próximos anos por aqui.

No início do ano, Londres foi palco de um dos maiores eventos de logística do mundo, o E-commerce Delivery. Lá foi possível mapear algumas pautas que você vai ouvir com frequência no ecossistema de e-commerce e logística. Em meio à imensidão de dados apresentados, ficou claro que o desafio está em como (e quando) se posicionar quanto a essas tendências, visto que muitas podem trazem complexidade e custo, mas também a oportunidade de se diferenciar e ter melhores resultados em seu negócio.

Por isso, fiz o exercício de selecionar minhas apostas de tendências que vão dominar o cenário de e-commerce nacional e sugerir um caminho para torná-las uma oportunidade.

1) Logística Reversa – um caminho sem volta

Entende-se por logística reversa o processo de devolução de um produto adquirido pelo consumidor ao vendedor. Por que você deve se preocupar com isso? Primeiramente, porque é lei. Mais precisamente, o artigo Art. 49 do CDC (Código de Defesa do Consumidor).

Ele diz que o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou em domicílio.

A título de contextualização, vamos olhar para os Estados Unidos. Em 2014, aproximadamente 12% dos produtos adquiridos no e-commerce foram devolvidos pelos consumidores. Ainda pior, a Alemanha chega a ter uma taxa de retorno de até 50% para algumas verticais. Isso porque lá é comum que um cliente que tenha dúvida sobre o seu tamanho de sapato, por exemplo, compre três pares e devolva dois, ficando assim com o que lhe servir melhor.
Segundo um estudo conduzido pela Forrester Reseach no Brasil, o percentual de logística reversa foi de aproximados 4% na média em 2014. Porém, a tendência é que esse percentual se aproxime do observado em mercados mais maduros nos próximos anos.

O processo da reversa se materializa geralmente em duas formas: ou o cliente leva o produto a uma agência dos Correios de onde será enviado à loja, ou a loja retira os produtos em seu domicílio. Este último é uma comodidade que pode ser oferecida pela empresa, mas pode trazer custos relevantes. Quem arca com esses custos? Eles foram precificados no frete original de entrega?

Considerando que o gasto médio de um e-commerce com suas entregas pode representar até 10% de sua receita, tal conta tem que ser muito bem feita para preservar as margens praticadas online, cada vez mais estreitas, sem perdas em vendas.

Na Europa, avalia-se que a facilidade da logística reversa aumenta as vendas porque o consumidor se sente mais à vontade de comprar produtos online. Assim, o volume de devoluções cresce e torna esse custo viável. Isso quer dizer que a receita incremental mais do que compensa o custo adicional. Um ciclo virtuoso, porém com diversos desafios. Lembrando que o número de consumidores digitais está crescendo juntamente com o conhecimento e exigência do cliente, então essa é a hora de rever seus processos.

Os mais sensíveis são o processo logístico, o financeiro e o tecnológico, sendo que este último será crucial para automatização e, consequentemente, ganho de escala, produtividade e redução dos altos custos que a reversa apresenta. A boa notícia é que o aumento do volume de reversas vai baratear seu custo, bem como o conhecimento de como conduzir esse processo.

O aumento da reversa também proporcionará a chance de rever regras de negócio. Os custos de reversa podem ser embutidos no preço inicial da venda, mas alguns produtos têm margem tão apertada que o custo da reversa torna sua devolução inviável. Para os e-commerces que utilizam frete terceirizado, vale entender bem o universo das transportadoras. É recomendável já se preocupar com o custo de reversa na próxima negociação dos contratos.
Não espere essa “moda pegar” para organizar sua empresa. A dica aqui é falar sobre isso com sua transportadora ou seu TMS para estar inteirado sobre o andamento de novidades.

2) Entrega em pontos de retirada – a ponta que faltava ao Omnichanel nacional

A entrega em áreas reservadas para recebimento e armazenamento de mercadorias é um fenômeno muito comum em países desenvolvidos e virá com força para o Brasil. Trata-se da possibilidade de o cliente retirar o pacote de um local pré-determinado, por exemplo, lockers, postos de gasolina ou hotéis.

De acordo com um estudo da Metapack, na Alemanha, essa modalidade de entrega já havia sido usada por 41% dos clientes de e-commerces em 2015. Nos Países Baixos, esse número é superior a 45%, e em ambos existe tendência de crescimento.

Neste ano, houve uma movimentação grande de empresas do segmento chegando ao Brasil, como a Easypost e Inpost. Além disso, existe um projeto da Total Express com os postos Ipiranga para permitir retiradas de produtos nos postos, o que torna a vida do consumidor que não pode estar em casa para receber o produto adquirido muito mais fácil. E essa não é uma ideia nova: há 3 anos os Correios fizeram uma operação piloto em Curitiba com vários lockers distribuídos na cidade. O plano era de criar uma rede inicial de 22 lockers em várias cidades, mas o projeto que não avançou por problemas internos.

Vejo essa modalidade de entrega com grande potencial, porque é extremamente positiva para todos os envolvidos. Primeiro, os consumidores terão acesso à conveniência de retirar o produto quando quiserem, num lugar que pode ser próximo à sua rotina cotidiana sem a necessidade de estar presente em sua residência na hora da entrega.

Segundo, as transportadoras abrirão sorrisos ao perceberem que a complexidade de entrega é muito baixa e, com isso, seu custo será diluído também. Terceiro, o e-commerce, que hoje briga com altos custos relacionados à logística, terá uma opção de entrega mais barata. Além disso, diminuirá suas ocorrências mais comuns, as relacionadas à ausência do destinatário, que hoje representam cerca de 5% dos problemas de entrega, o que será refletido em uma redução de seus custos de atendimento e eventuais reclamações de cliente.

Tudo isso leva a crer que a adoção desse tipo de entrega será inevitável. Vale preparar sua empresa. Porém, junto com uma nova opção de entrega, teremos dois principais desafios:

Segurança do cliente e do local de retirada – A integridade do cliente que vai ao local retirar o produto tem que ser levada em consideração. Portanto, a escolha de um local seguro mostra-se importante e crucial para que a população use a nova modalidade de entrega.

Visto que os locais de retirada serão o cerne de bens eventualmente valiosos, a segurança do patrimônio precisará ser redobrada, fora que o local deve ser muito bem escolhido.

Complexidade tecnológica – Para unificar os envolvidos nessa entrega, a tecnologia tem que entrar em cena. Tanto a transportadora quanto o consumidor precisam ser munidos de soluções para fazer a entrega e a retirada do produto no local, bem como a loja deve estar alinhada e indicar corretamente onde é o lugar certo de entrega.

3. Entrega por drones – o porquê de isso não pegar por aqui

Falei das tendências que acredito que vão invadir o País e devem ser tropicalizadas para darem certo. Mas existe uma na qual não aposto, apesar de inúmeras perguntas e cobertura nas mídias. Estou falando da entrega via drones.

Em julho deste ano, a americana Flirtey realizou a primeira entrega via drone autorizada pela Associação de Aviação Federal dos Estados Unidos, órgão equivalente à ANAC no Brasil. Ela mandou medicamentos para uma clínica na zona rural do estado da Virginia e o fato foi bastante noticiado no país, especialmente por conter uma provocação à gigante Amazon: “Flirtey bate a Amazon ao promover a primeira demonstração de entregas com drones no EUA”, afirmou a companhia.

Considerando que mais de 90% das entregas do Brasil são feitas em zonas urbanas, muitos aspectos têm que ser levados em consideração.

Pensando apenas na grande São Paulo, que concentra 25% do PIB do País e 14% de toda população do Brasil, o espaço aéreo já é um desafio em si. A cidade tem a maior frota de helicópteros do mundo, fora os voos comerciais e particulares que circulam diariamente pelo céu. A coexistência dessas aeronaves com os drones teria que ser muito bem organizada, e a pergunta que não quer calar é: por quem? E qual o custo disso? E o tempo para a organização desse processo?

Além disso, o preço médio de um drone é de US$ 3 mil, fato que o torna muito desejável e suscetível a roubos.
E, partindo para o plano prático, o drone consegue apenas “deixar” um item num lugar. Ele não o “entrega” ao porteiro, recepcionista, cliente ou quem quer que seja. Pensando em conglomerados urbanos, edifícios com clientes em vários andares diferentes, isso se torna um desafio também.

Falando da parte jurídica do assunto, atualmente a ANAC proíbe o uso de drones e, no início do ano, a Aeronáutica proibiu o uso deles em áreas públicas. Além da organização do tráfego aéreo, essa restrição tinha como objetivo aumentar a segurança durante a Olimpíada.

Por essas e outras, a meu ver, essa modalidade de entrega não deve acontecer tão cedo no Brasil. Tirando alguns casos em que ela pode facilitar entregas em áreas remotas, vejo-as como uma exceção na escolha do varejista.

Artigo publicado originalmente na Revista E-Commerce Brasil