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Telemarketing, e-mails promocionais e SMS sem permissão estão com os dias contados

A cada ano que passa pode-se ler na mídia especializada sobre o incremento das vendas no e-commerce nacional, sobre a expansão das mídias digitais, sobre o fortalecimento do marketing multicanal e também sobre o aumento do investimento nos canais de diálogo direto com o consumidor.  Que canais são esses? Estamos falando do famoso telemarketing, das ações de mala direta que entopem nossas caixas de correio, das mensagens por e-mail de lojas as quais nunca ouvimos falar ou ainda dos intermináveis SMS recebidos de operadoras e “parceiros” que vem e vão de acordo com o interesse comercial das empresas.

Será que o marketing direto é culpado por esses excessos? É da natureza das empresas tentar sempre atender aos seus clientes buscando a maior rentabilidade possível. No segmento do marketing direto, a dinâmica de comunicação é orquestrada por três partes: As empresas varejistas que produzem, comercializam ou distribuem produtos/serviços, as empresas detentoras de base de dados que armazenam, organizam e comercializam dados pessoais e por fim o consumidor final.

Ao olhar para cada uma das partes envolvidas neste processo de comunicação, parece legítimo que empresas varejistas contatem consumidores os quais já compraram produtos em seu estabelecimento anteriormente ou ainda expressaram desejo em receber suas ofertas. Do lado do consumidor, ele por ser o titular de suas informações pessoais deveria poder determinar de quem gostaria receber informações e através de qual canal. Pois bem, no Brasil o cidadão não tem esse direito, já que não há lei que o proteja dos excessos das empresas.  Cabe se perguntar, portanto, quais empresas desrespeitam o direito a privacidade e devem ser limitadas por lei? Empresas que comercializam dados pessoais sem nenhum tipo de autorização do titular para utilizá-los. O argumento comum dessas empresas é que suas bases de dados são compostas de informações públicas disponíveis na internet como dados da receita federal e de outros órgãos públicos.  É preciso ficar claro que a consulta destas informações é pública mas que entretanto, a coleta, classificação e comercialização destes dados não foram autorizadas pelo titular.

Para efeito de exemplo, imaginemos um servidor público casado com uma mulher dona de casa e três filhos na escola.  No início do ano esse indivíduo tem várias contas para pagar, entre elas IPVA, IPTU e a matrícula dos filhos. Com dificuldades financeiras ele avalia a melhor forma de quitar seus compromissos sem se endividar.  Certo dia pela manhã o telefone da sua casa toca e um agente de telemarketing oferece um crédito pessoal para que pague o IPVA e o IPTU sem se desfazer do carro ou tirar dinheiro da poupança.  O que parece ser uma oferta milagrosa no momento certo na verdade é um complexo esquema de enriquecimento de dados a partir de arquivos públicos para sua posterior comercialização.  Foi dada a autorização pelo titular para que seus dados fossem extraídos dos arquivos públicos? Foi dada a autorização para que ligassem para sua casa oferecendo produtos e serviços?

Há mais de dois anos circula no Ministério da Justiça um projeto de lei (PL) que procura regulamentar utilização e proteger os dados pessoais dos brasileiros. Este PL foi inspirado em um modelo internacional focado nos direitos dos cidadãos, já disseminado há vários anos nos Estados Unidos e União Europeia com sua eficácia comprovada.  Críticos desse modelo argumentam que as regras sugeridas neste documento não são alinhadas com a realidade econômica e cultural do mercado brasileiro. Sugerem que a regra do opt-in como está proposta no texto constituirá um entrave para que empresas do setor possam empreender e manterem-se ativas no mercado. Neste prisma fica uma indagação importante: Como fizeram os europeus e americanos para sobreviver a essa transição? Será que o sugerido não alinhamento com a realidade econômica e cultural brasileira é sobreposição dos direitos de privacidade dos cidadãos pelo interesse econômico das empresas?

Na contramão do PL elaborado pelos técnicos do Ministério da Justiça foi apresentado outro projeto de lei alternativo maculado pelo lobby e que preconiza o modelo de opt-out (lista de bloqueio) para o mercado brasileiro. Ora, me parece uma distorção somente garantir o direito de proteção a um indivíduo caso ele clame por proteção.  Esse modelo aposta no princípio da desinformação uma vez que o cidadão desconhece os seus direitos e a lei acaba por “não pegar”, um costume infeliz do nosso país.

Para quem leu o artigo até aqui pode parecer que o futuro do marketing direto está com os dias contados caso o projeto de lei do Ministério da Justiça venha a ser aprovado pelo congresso nacional.  Todavia a realidade e a experiência estrangeira provam exatamente o contrário.  É claro que a dinâmica não será mais a mesma. Milhões de consumidores deixarão de ser sobre-expostos a campanhas publicitárias invasivas simplesmente porque não autorizaram a comunicação. Outros milhões de consumidores receberão chamadas em suas casas, e-mails promocionais e SMS. Isso porque estão interessados nas empresas que interagem com eles.  As taxas de conversão serão muito superiores às atuais graças ao número reduzido de campanhas que cada indivíduo é exposto.

Já existem no Brasil empresas que pautam sua política de comunicação comercial exclusivamente sob os princípios do opt-in. Para essas empresas a aprovação do PL é bem-vinda. Para as outras que invadem a “privacidade pública” dos brasileiros será dado um prazo de adaptação para se adequarem à nova lei.  Enquanto não há aprovação em Brasília cabe esperar que nosso congressistas não se deixem vencer pelo lobby e valorizem o direito de privacidade do brasileiro.

Para saber mais sobre o projeto de lei de proteção de dados do Ministério da Justiça, anexo o texto original a este artigo.