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A Shopee não acabou com o frete grátis e eu posso provar!

Por: Raul Prado

Mineiro de 29 anos, fundou a Lojas Mineiras aos 16, quando ainda morava num vilarejo rural de uma pequena cidade do sul de Minas. Formado em Ciência da Computação pelo Mackenzie e Universidade de Coimbra, com MBA de Gestão Empresarial pela FGV e de Gestão de Pessoas pela Anhembi Morumbi. Vende em vários marketplaces e posta mais de 300.000 pedidos por ano. Foi premiado em 2015 pelo Mercado Livre por boas práticas de venda e em 2018 recebeu o Prêmio Internacional Histórias que Inspiram. Desde então, ajuda outros vendedores, compartilhando o conhecimento que adquiriu através da Uai Consultoria. Ama cachorros e bolos e escreve sobre marketplaces, empreendedorismo e varejo.

Se você está ligado no mundo do e-commerce, provavelmente se deparou nas últimas semanas com alguma notícia apocalíptica do tipo: “após fim do frete grátis, Shopee anuncia demissão em massa”. Chega a parecer maldade ou até obra da concorrência, porque nenhuma das duas coisas de fato ocorreu. O frete grátis não acabou, e demitir 50 pessoas tendo mais de cem vagas abertas também não é uma demissão em massa, na minha humilde opinião.

Começando do começo – e por mais retórico que possa parecer -, mas é preciso explicar o passo a passo que levou ao que eu considero um dos maiores erros estratégicos cometidos por um grande marketplace recentemente.

A Shopee chegou com tudo no país, oferecendo comissão zero para os lojistas e frete grátis para os compradores. Ganhou mercado. Em estudos recentes, já aparece ao lado de empresas brasileiras que estão há décadas por aqui… Inclusive mudou a forma de comunicação de todas as empresas de e-commerce nacional.

Marketing e Shopping Day

Desde a chegada da Shopee no Brasil, em 2020, foi implantada a ideia do “Shopping Day”, forma como a empresa chama as datas em que o dia e o mês são representados pelo mesmo número, ou seja, 01/01, 02/02, 03/03, e por aí vai…

O maior investimento de marketing da empresa fica concentrado nessas datas. Convenhamos, uma forma criativa de lançar uma nova data comercial, não é mesmo? Nesse dia, costuma haver muitos cupons de frete grátis, além de vários cupons de desconto.

Daí vem a forma como a Shopee mudou o mercado brasileiro: desde os seus primeiros comerciais na TV, que anunciavam “milhões de reais em cupons de desconto”, os demais marketplaces brasileiros passaram a promover campanhas especiais para a data (sem citá-las diretamente), mas com uma pegada no marketing muito parecida: oferecer milhões de reais em cupons de descontos.

A briga de milhões que fala, né? (Não pude evitar a modinha do momento…)

Nova data comercial

Explicado o cenário, vamos ao motivo deste artigo de hoje: a Shopee criou com maestria uma nova data comercial que incomoda toda a concorrência e que, ao mesmo tempo, gera muita expectativa para os compradores. Isso é fato. Mas também é fato que a Shopee, pela forma como se lançou no país, gera a impressão de ser uma grande 25 de março online, onde as réplicas e os produtos importados reinam.

E. claro, ser “baratinho” é um pré-requisito. E daí não é preciso muito esforço para entender que esse modelo não é sustentável a longo prazo e a própria Shopee é a maior interessada em mudar isso: aumentar o seu ticket médio, mostrar que também é um local para comprar produtos originais, de marca, aqueles produtos que exigem uma confiança maior por parte dos compradores…

Aqui podemos fazer um comparativo com o Mercado Livre e como ele luta até hoje para apagar o passado de “camelódromo digital”. Para apagar essa visão, o Mercado Livre criou o conceito de LOJA OFICIAL, onde grandes marcas passaram a ter um espaço dedicado no site e, a cada ano, investe em logística e em posicionamento de marca. Tudo isso deu resultado. Afinal de contas, chegamos a ver até 50% das vendas online acontecendo nesse canal…

A Shopee está seguindo exatamente os mesmos passos do seu concorrente argentino. E para isso criou o conceito de Loja Oficial que já é sucesso no amarelinho.

Como podemos ver no print, a seção “Shopee Oficial” tem destaque na home do aplicativo e do site, e exibe grandes marcas como Nestlé, Nivea, Motorola…

Toda essa exposição tem como único objetivo mostrar para os compradores que as grandes marcas e os produtos originais estão no site. E para reforçar isso, a Shopee reservou um dos seus “Shopping Day” somente para essas Lojas Oficiais. E eu estou falando do 06/06, que foi o assunto mais comentado do Twitter na ocasião e que gerou uma enxurrada de matérias jornalísticas questionando se a Shopee estaria desacelerando por aqui, quebrando, falindo e agora, mais recentemente, demitindo em massa…

Desaceleração no Brasil?

O que aconteceu no mês passado é que a Shopee transferiu os esforços de marketing do 06/06 para o dia 12, o que não faz absolutamente nenhum sentido. Primeiro, porque o comprador não vai entender que depois do 01/01, 02/02, 03/03, 04/04, 05/05 vem o… 12/06. Segundo, porque a campanha era de Dia dos Namorados e não faz sentido algum ela acontecer no próprio dia do evento (e o dia 6 seria perfeito pra isso, não?). E, por fim, que o domingo naturalmente é um dia de pouca conversão nas vendas.

Aqui está o grande erro estratégico: o consumidor já está acostumado com as datas de ofertas, os “Shopping Day”, e daí, do nada, dedicar uma dessas datas para as pouco mais de 200 Lojas Oficiais que existem gerou a sensação de que não havia mais cupons de frete grátis no site. Foi muita expectativa para pouca Loja Oficial, e nada além disso.

Alguém na Shopee teve a brilhante ideia de transformar o 06/06 em 12/06 para dedicar a data mais esperada do mês para as Lojas Oficiais, não explicou para ninguém que o 06/06 seria no dia 12 e o resultado foi que ninguém vendeu o esperado, nem no dia 6, muito menos no dia 12. Um mês para a Shopee esquecer.

Contudo, a virada de página ocorreu agora no 07/07, com o aniversário da Shopee, frete grátis sem valor mínimo de compra e a participação de todos os vendedores – “oficiais” ou não – na campanha. Ufa, e lá estavam os cupons de frete grátis nos esperando para serem usados em todos os produtos do site.

O resumo da história é que a Shopee quer, como dizem na minha terra, “passar o carro na frente dos bois”, ou seja, deseja mostrar que é mais do que um camelódromo digital e que possui produtos de grandes marcas e originais. Entretanto, o Mercado Livre está aí para provar que isso não é uma tarefa fácil, que essa virada de chave não vai ocorrer de um dia para o outro, e que mexer em time que está ganhando pode ser um grande tiro no pé, e o 06/06 provou isso.

Agora, é aguardar para descobrir se aprenderam a lição e eu, particularmente, estou ansioso para descobrir também como eles vão gerir essa mudança de percepção que criaram nos seus consumidores. Será que a Shopee vai se consolidar também na venda de produtos com ticket médio mais elevado? A Shopee vai conseguir ultrapassar todos os concorrentes e brigar com o Mercado Livre? O 06/06 do ano que vem será apenas com Lojas Oficiais novamente? Qual sua opinião sobre tudo isso?

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