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Quem leva a corrida dos SuperApps no Brasil?

Por: Marcelo Linhares

É CEO e fundador da Onfly, travel tech focada em otimizar a gestão e a redução de custos com viagens corporativas. É também membro do conselho da Selia, entusiasta de tecnologia, startups, digital e varejo e já foi executivo responsável por omnichannel de uma grande rede de varejo de moda.

Se você hibernou em modo off-line nos últimos 12 meses, e resolveu se reconectar hoje, além da Covid-19, você terá outras surpresas:

O Rappi, que você achava que entregava comida e fazia supermercado, agora vende Hotel e passagem aérea e concorre com Booking e com CVC.

O Banco Inter, que tinha uma conta digital, agora vende passagens aéreas, eletrodomésticos e até permite abastecer em alguns postos, concorrendo com Decolar e AbasteceAí. Ah! E também dá cashback, aquele serviço que o Meliuz trouxe para o Brasil há alguns anos e que agora todo mundo está fazendo.

A Magazine Luiza comprou um aplicativo de delivery que concorre com o Ifood, e você já pode fazer supermercados no aplicativo do Magalu, além de cashback com a sua incrível conta do Magalu Pay.

E o Whatsapp, aquele aplicativo que você usa para se distrair nos grupos da família, para falar com seus colegas de trabalho e drenar sua produtividade, já anunciou que em breve vai aceitar pagamentos.

Sim, tudo isto aconteceu em apenas 12 meses.

Agora complicou, as empresas que você achava que eram parceiras, viraram concorrentes, e está todo mundo brigando pela atenção exclusiva do seu smartphone.

É definitivamente a próxima corrida do ouro: A corrida dos SuperApps.

O que são os SuperApps?

O conceito é bem simples, são aplicativos que oferecem um incrível sortimento de produtos e serviços em um mesmo lugar. A grande inspiração é o Wechat da China, que tem desde troca de mensagens, passando por pagamento de contas, joguinhos e até pedidos de táxi.

Para entender o gigantismo do Wechat, ele já ultrapassou a marca de um bilhão de usuários, e é a grande inspiração para todos os players brazucas que querem ter seu “superapp”.

Produtos e serviços que os SuperApps brazucas estão apostando

Em geral, os produtos e serviços que os super apps buscam são altamente transacionais e de boa recorrência, como grocery, turismo e deliverys.

Ainda tem serviços financeiros e seguros, que fazem muito sentido pelas altas margens, e os serviços essenciais, como recarga de bilhete único de transporte público, que ajuda o usuário a usar com frequência o aplicativo.

No caso da Magalu, até botão para denunciar violência doméstica tem. É tipo assim, você fala para o agressor que vai fazer uma compra no Magalu e faz a denúncia. Incrível, né? Veja a ação da empresa sobre a nova feature.

Curioso para mim, olhando para a China e a história do Wechat, é que ninguém tenha se arriscado a colocar troca de mensagens dentro do aplicativo.

Imagina, você trocando mensagens com seus amigos pelo RappiChat ou pelo MagaluChat e ganhando 1 centavo de cashback por cada mensagem trocada (sim, é uma piada).

Vai funcionar no Brasil?

Tenho resquícios de bipolaridade, quando o assunto é superapps no Brasil. Ás vezes, acordo de manhã e acho que, com seus 10% de cashback, o Banco Inter vai ser relevante no varejo. À noite, deito e tenho certeza que esta estratégia vai virar pó.

Pode funcionar incrivelmente bem, da mesma forma que pode ser uma jabuticaba chinesa, criada especificamente naquele ecossistema onde há forte ingerência do governo nas empresas. Desconheço outro case de superapp no ocidente.

Muitíssimo a propósito, tem uma vantagem quando há este duplo palpite, qualquer coisa que acontecer no futuro, poderei falar que acertei, nada diferente do que dezenas de gurus e economistas fazem normalmente, especulando sobre o futuro dos negócios e do câmbio 😉

Mas note, as duas posições são embasadas de bons argumentos, veja:

Palpite que os superapps vão ganhar espaço e ser relevantes

A principal aposta para o sucesso dos superapps está no gigantesco volume de dados dos usuários, e na inteligência de cross-selling com múltiplas oportunidades de receitas.

Pense que o Rappi pode por exemplo, ao distribuir um hotel com preço quase que de custo, sem ganhar absolutamente nada nesta transação, desde que o usuário pague com Rappi Pay, ou simplesmente seja um assinante do Rappi Prime, neste caso, o ganho está no serviço financeiro com o pagamento. A venda do hotel é apenas uma desculpa para ele transacionar algo, o Booking jamais seria capaz de fazer isto, visto que a única receita que ele tem é de intermediação do hotel.

Este tipo de “cross-selling” transversal que os SuperApps podem oferecer, abrindo mão da margem de alguns serviços, em troca de uma vantagem financeira no “combo”, pode ser uma baita vantagem para os superapps.

É a mesma vantagem que a Amazon Prime tem em relação aos outros programas de fidelidade no varejo por exemplo, pois além do frete grátis, ela entrega entretenimento com uma oferta de streaming de vídeo, de música e livros.

É uma oferta de valor quase que imbatível em relação aos concorrentes do varejo, que oferecem “apenas” frete grátis. Ou seja, ao invés de pagar R$ 21,99 por mês para o Netflix e pagar R$ 99,99 por ano para o Submarino, eu pago $ 9,99 por mês e levo tudo na Amazon. Outra vantagem, é a inteligência de cruzar dados e entregar ofertas assertivas.

Voltando a analisar o Rappi Travel, a Rappi tem dados geolocalizados do usuário, sabe pra onde ele vai, o que ele compra de comida e o que consome no supermercado, além dos horários e o seu deslocamento diário. Logo, ele tem uma capacidade muito maior de entregar uma oferta de um hotel, do que o Booking, por exemplo, que não tem todos os dados da jornada do usuário.

Palpite que os superapps vão virar pó…

Quando foi lançado o Rappi Travel, calhou de eu ter que comprar um hotel para meus sogros lá em Aparecida do Norte. Achei que iria nadar no desconto, aproveitando os 20% de cashback, e me surpreendi com nenhuma oferta de hotel na queridíssima cidade católica.

Como comparação, no Booking havia 151 propriedades disponíveis, entre hotel, pousadas e quartos para alugar.

Vai demorar pelo menos uns 10 anos para a Rappi ter o inventário de sortimento que o Booking tem, e isto pode fazer com que ninguém considere o Rappi para fazer suas viagens.

No mercado de OTAs, inventário é ouro.

Da mesma forma, não parece fazer muito sentido comprar algo dentro do app do Banco Inter, pois por mais que haja investimento e incentivo em cashback, eles nunca vão ser tão eficientes na experiência do consumidor quanto o Mercado Livre ou o próprio Submarino.

Aplicativos verticalizados em geral entregam experiências melhores, pois possuem competências específicas de cada vertical.

É desnecessário falar que entregar delivery de comida é totalmente diferente de fazer uma transferência bancária, ou mesmo reservar um hotel e uma passagem aérea.

Quem está liderando no Brasil

Me arrisquei a palpitar sobre quem está liderando esta corrida no Brasil. Pelo menos em termos de sortimento de serviços, a Rappi é o superapp mais bem posicionado.

Mas por outro lado, a Rappi não tem profundidade alguma, ou seja, não lidera nenhuma vertical; em termos de conta digital, o Banco Inter é a grande referência; em Shopping, a Magalu e B2W estão no topo; em delivery, o Ifood ainda é líder de mercado; e em Travel, o Booking e a Decolar continuam imbatíveis em hotelaria e aéreo, respectivamente.

Em número de usuários, a Magazine Luiza é a que possui melhor penetração, com 30 milhões de usuários, seis vezes o número de usuários do Banco Inter e isto dá uma incrível vantagem para a gigante francana na disputa.

Mas veja, existe um “engajamento” bem diferente entre um usuário “correntista” de um banco e um usuário que em algum momento cadastrou o e-mail para fazer uma compra na Magazine Luiza ou no Submarino.

Conclusão

Só tenho uma certeza quando se trata do futuro dos superapps no Brasil: muita grana vai ser queimada nesta corrida.

A Rappi anunciou uma rodada recente de U$ 300 Mi (sim, dólares).

A Magalu anunciou que tem R$ 5 Bi em caixa para fazer aquisições, e o CEO Fred Trajano já falou para os analistas não duvidarem do que eles podem comprar. Só este ano já houve algumas aquisições, incluindo aplicativo de comida, soluções de PDV para o varejo e a última, uma escola de e-commerce.

Banco Inter fez uma nova captação de R$ 900 Mi e está com R$ 1,2 Bi para fazer M&A.

E ainda tem Mercado Livre e PagSeguro com caixas gordos e prontos para fortalecer sua oferta de serviços e produtos em seu ecossistema.

Em disputa, o monopólio da atenção e do dinheiro dos usuários.

Está dada a largada!