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Por que tantos bons e-commerces estão sofrendo na pandemia

Por: Samuel Gonsales

É especialista em omnichannel, sistema de gestão (ERP) e e-commerce, acumulando mais de 23 anos de experiência. Diretor de Relacionamento no E-Commerce Brasil e Diretor de Operações na ABComm, é Autor do livro: "Sistemas ERP na Omniera" (Ed. E-Commerce Brasil) e Co-Autor do livro: "Vendas + Operações no e-commerce" (Ed. MCT). Foi vencedor dos prêmios E-Commerce Brasil 2015 como Melhor Profissional de e-Commerce, prêmio ABComm 2017 como Melhor Profissional de e-commerce e Prêmio Digitalks 2019, desta vez como destaque do Mercado Digital. Também é palestrante em eventos de e-commerce e TI.

Os números relativos ao crescimento do e-commerce durante a pandemia da Covid-19 impressionam a todos. Seja no Brasil ou no mundo, as análises mostram que em determinadas localidades o e-commerce cresceu perto dos 50% nos meses de abril a julho/2020. Muitos lojistas, aliás, se acostumaram a dizer que estão vivendo uma Black Friday por dia durante esse período.

Essa mudança no comportamento de consumo foi entendida como algo natural para a expressa maioria dos indivíduos. Isso porque grande parte das lojas físicas ficou completamente fechada por mais de 100 dias, e os consumidores também passaram a preferir o isolamento social para diminuir suas chances de contágio.

Os reflexos da pandemia no e-commerce

A ABComm — Associação Brasileira de Comércio Eletrônico — divulgou que entre o início de março e final de abril/2020 foram criadas mais de 100 mil novas lojas online no Brasil. Isso dá um pouco da magnitude das mudanças, pois dezenas de milhares de empresas e empreendedores que relutavam quanto a criar um e-commerce tiveram que se adaptar rapidamente dadas as mudanças impostas pela Covid-19.

No relatório DEI (Digital Economy Index) da Adobe, só nos Estados Unidos o comércio eletrônico faturou entre março e junho de 2020 US$ 77 bilhões a mais do que o esperado. No Reino Unido, o Escritório de Estatísticas Nacionais informou em 19 de junho que as vendas online representaram 33,40% de todas as vendas realizadas no país. Trata-se de um novo recorde mundial, já que em anos anteriores o eMarketer falava na China com cerca de 20% das vendas do varejo sendo realizadas online, enquanto Estados Unidos estava na casa dos 12%.

Agora, será que todos os reflexos da pandemia para o e-commerce são realmente positivos? Infelizmente, não! E alguns dos reflexos são bem preocupantes, especialmente no longo prazo.

Aqui no Brasil, por exemplo, tivemos cinco situações bem preocupantes, que passo a listar:

1 – Planejamento pra quê?

Quando a maioria das lojas online se viu diante de uma Black Friday por dia, o foco dos negócios se tornou a venda. Mas, como digo há mais de 20 anos, há um ciclo oriundo da venda que precisa ser bem observado: quando você vende mais, precisa planejar o reabastecimento corretamente; precisa dimensionar direito o efeito das entregas (satisfação ou insatisfação); e precisa preparar o pós-vendas (reclamações, trocas e devoluções).

Porém, vivendo uma Black Friday por dia, a maioria das empresas abriu mão desse planejamento. Agora, após quatro meses de muitos resultados de vendas excepcionais, muitas estão amargando os problemas de rupturas de estoques e alto índice de insatisfação de seus consumidores. Por óbvio esse não é retrato de todos os e-commerces — há aqueles que estavam bem preparados. Ainda assim, muitas boas lojas online já sofrem por falta de planejamento consistente e contínuo.

2 – Quem precisa gerenciar custos e despesas em pleno momento de mudanças?

O segundo ponto que está sendo fortemente negligenciado por algumas empresas é a gestão de custos e despesas. Dado que estamos vivendo dias completamente diferentes, em que os cuidados sanitários são maiores, o aumento das vendas pode mascarar outros problemas relacionados a custos e despesas. Como por exemplo:

  • o aumento do custo operacional – sanitização, aquisição de máscaras e outros itens que passaram a ser necessários. E em muitos casos, diminuição das horas úteis dos funcionários da operação para que haja a correta higienização dos postos de trabalho.
  • aumento do custo com funcionários – houve o aumento de número de funcionários para atender às demandas. Porém, também teve um aumento de pessoal para melhor dividir as equipe e evitar o contágio.

Além desses citados também teve outros aumentos que a maioria das empresas não teve sequer tempo para repassar aos produtos vendidos. Portanto, podem estar vendendo com margens menores do que acreditam e só vão ter certeza disso dentro de alguns meses — quando esses novos custos e despesas trouxer à tona um fluxo de caixa problemático.

3 – O negócio é olhar para o hoje, certo?

Errado, completamente errado! Muitas empresas sofreram com forte retração nos primeiros 15-20 dias da quarentena. Logo em seguida começaram a viver a tal “Black Friday” fora de época, quando começaram a fazer caixa… Isso se tornou um alívio para essas empresas, mas também pode ser um risco gigante. Afinal, muitas delas:

  • entraram na onda de baixar cada vez mais os preços na insanidade do Buy Box, sem avaliar se realmente o que sobra cobre as necessidades e deixa algum lucro para o negócio;
  • criaram novas campanhas e estratégias que estão levando uma parte importante do caixa;
  • muito poucas estão de olho no futuro que as espera, que pode ser mais sombrio e duvidoso do que elas acreditam. Afinal, não é possível seguir por muito tempo sem ter uma visão real de para onde estão indo.

4 – Atendimento melhor? Quem precisa disso em tempos de pandemia?

A pandemia e o aumento das demandas no e-commerce colocaram à prova o atendimento que as empresas prestam aos seus consumidores. Num momento em que poderiam encantar os consumidores, muitas empresas estão negligenciando esse ponto fundamental do negócio. E isso, no longo prazo, pode gerar problemas profundos na organização.

Páginas mais fluidas durante a compra. Checkout rápido e transparente. Melhorias no atendimento e pós-venda ativo, acompanhando as entregas e a satisfação dos consumidores… São alguns pontos já indispensáveis (e essenciais) na experiência de compra do consumidor online. Qualquer negócio que se preze já investe nestes pontos para se dar bem no médio e longo prazo. Entretanto, ainda tem muita gente pecando nesse quesito. Vai desde entregas mal feitas (atrasadas, com problemas), até simplesmente demorar de 15 a 20 dias para dar uma resposta aos consumidores com problemas.

5 – Sempre vendi esse mix de produtos, mudar pra que?

Eis aí o quinto vilão que está fazendo sofrer bons e-commerces durante essa pandemia. Em um momento de profundas mudanças no comportamento dos consumidores, muitos hábitos realmente mudaram. Na categoria de moda e vestuário, por exemplo, houve uma crescente nos itens mais confortáveis, como pijamas e moletons.

Durante o Fórum E-Commerce Brasil 2020 – Global Edition, inclusive, um dos painéis falou sobre moda luxo. O fundador de uma conceituada marca de moda masculina afirmou que durante a pandemia cresceu a venda de camisas no e-commerce, embora seu carro chefe — que é a linha de ternos e costumes — não esteja vendendo.

Em julho desse ano, durante uma entrevista, o diretor de um dos grandes marketplaces brasileiros informou o aumento de diversos itens para casa. Entre eles estava a panificadora (aquela maquininha pra fazer pão em casa) como um dos mais vendidos… Esse mesmo marketplace, na Black Friday 2019, teve no item papel higiênico seu maior volume de vendas.

Esse tipo de adaptação do mix de produtos, seja para vender mais pijamas, moletom, panificadoras ou papel higiênico, precisa ser bem analisado pelas empresas. Afinal, na velocidade em que os consumidores vem mudando seus hábitos de consumo, se reinventar rapidamente passou a ser o grande trunfo de todos os negócios digitais.

Em um momento tão especial para o e-commerce, no Brasil e no mundo, é fundamental que empresas, executivos e empreendedores reflitam sobre a forma como estão conduzindo os negócios. Tudo para que possamos ter um segmento cada vez mais consistente, mais profissional, mais lucrativo e perene.