Logo E-Commerce Brasil

Por que investir em UX é pra ontem?

Por: Letice Borges

É Diretora de User Interface da NovaHaus.

O dia era 5 de dezembro de 2001. Forças especiais do exército americano encurralaram os talibãs no arredores de Kandahar, Afeganistão. Mediante autorização, um bombardeiro B-52 jogou sua carga de alta precisão no local indicado, matando três soldados americanos, cinco afegãos aliados e ferindo outros 20. O mais trágico: não houve falha do equipamento. Foi o próprio soldado que ordenou o ataque sobre sua própria posição. Ele era experiente e treinado a usar o GPS, mas acabou sendo vítima de uma interface ruim e de operação complexa, que se provou desastrosa.

Toda tecnologia disruptiva traz inovação e problemas de usabilidade. A pandemia acelerou a transformação digital em vários setores, criando um exército de novos adeptos inexperientes em interfaces de aplicativos. Se quem nasceu pouco depois da invenção do telefone ficava muito intrigado com o funcionamento do rádio, imagine o impacto para quem quer fazer compras online, ter ou dar aulas à distância ou pedir o pão de manhã pelo iFood as primeiras vezes. Parece corriqueiro, mas não é.

Imagem de um mapa de funcionalidades de um aplicativo

O termo UX foi utilizado pela primeira vez nos anos 1990 por Donald Norman, engenheiro elétrico e PHD em psicologia.

Esse público representa um desafio extra para as empresas que tiveram, de uma hora para outra, que se digitalizar. De acordo com dados do movimento Compre&Confie, foram mais de 20 milhões de novos consumidores brasileiros que compraram online pela primeira vez no ano passado, um grande marco para as vendas do e-commerce, que cresceram 41% no país em 2020.

Para facilitar a vida desses novos clientes e mesmo dos mais familiarizados com a tecnologia, as empresas devem se dedicar mais ao User Experience (UX), ou experiência do usuário, no desenvolvimento dos serviços e produtos.

O termo UX foi utilizado pela primeira vez nos anos 1990 por Donald Norman, engenheiro elétrico e PHD em psicologia, considerado o papa dos estudos sobre a usabilidade de softwares e sistemas digitais. Segundo Norman, UX envolve não somente aspectos relacionados ao design, mas toda a experiência que o usuário terá durante a interação com um sistema, software ou produto.

Artigo publicado pela consultoria de Norman e Jakob Nielsen, outra autoridade no assunto, alerta que a Covid-19 mudou a forma como as pessoas vão usar os serviços e produtos digitais. De acordo com o NN Group, maior autoridade do mundo na área de pesquisas de usabilidade, aumentou a relevância das pesquisas para redesenho de produtos e serviços visando aperfeiçoar a experiência dos usuários.

Um conceito utilizado pelos especialistas em UX é o custo de interação, ou seja, a soma dos esforços físicos e mentais para que os clientes atinjam seus objetivos ao utilizar um site, um software ou qualquer produto digital. Portanto, quanto menor o custo de interação melhor será a experiência do usuário em sua jornada para comprar ou utilizar um serviço ou produto.

Existem diversas métricas para analisar a usabilidade digital. Uma das normas internacionais para padronização de qualidade de softwares é a ISO/IEC 9126-4. Esta norma ISO (sigla em inglês para International Organization for Standardization) recomenda que as métricas para usabilidade incluam três dimensões:

  • efetividade: o usuário completou a tarefa proposta; quantos conseguiram concluir e qual o número de erros cometidos por tarefa?
  • eficiência: mede os recursos gastos para completar a tarefa, como o tempo, por exemplo.
  • satisfação: qual o nível de conforto e aceitação pelo usuário durante a execução da tarefa proposta.

São formas de analisar como as pessoas utilizam o produto ou serviço e corrigir eventuais erros. Alguém aqui lembra como se digitava nos celulares pré-iPhone?

Nós, na NovaHaus, utilizamos essas e outras métricas para testar inclusive sites, antes de serem liberados para o público. Consideramos essas pesquisas de usabilidade tão importantes que estamos desenvolvendo um software que aplique essas e outras métricas nas análises de interfaces antes mesmo que elas sejam testadas por humanos.

A função primordial do site não é ser bonito, animado ou reproduzir toda a estrutura complexa da empresa. A facilidade com que o usuário realiza objetivos como carregar, ler e rolar a página vão determinar o custo da interação.

A melhoria da usabilidade traz retornos financeiros também. O investimento em UX aumenta o ROI (sigla em inglês para retorno sobre investimentos) da companhia. E isso pode ser medido e avaliado pela empresa de várias formas. A mais simples possível seria medir as vendas antes e depois da implementação de uma melhoria no design de um site de vendas, por exemplo. Só que os benefícios vão muito além.

Há um exemplo clássico de retorno sobre investimentos em UX que é o da Amazon, que construiu seu sucesso com foco na experiência do usuário em toda a jornada de compra. Em 2013, após críticas de acionistas sobre esses investimentos, o fundador e CEO da Amazon, Jeff Bezos, escreveu uma carta explicando que pensava no longo prazo, que a companhia tinha de investir na experiência do usuário para ganhar a confiança dos consumidores. Segundo ele, no longo prazo os interesses de consumidores e acionistas iriam se alinhar. Hoje a Amazon é uma das empresas que ocupam o seleto clube das que valem mais de US$ 1 trilhão.

De acordo com artigo publicado pela Interaction Design Foundation, o retorno sobre investimentos em UX deve ser pensado em cinco áreas gerais:

  • aumento da receita, com maior fidelização de clientes;
  • satisfação do cliente;
  • menos gastos com suporte e decréscimo nas reclamações;
  • redução dos desperdícios, porque produtos com uma metodologia focada em UX aumentam a eficiência;
  • redução dos custos de fazer errado, ou seja, com as pesquisas junto ao usuário, a empresa descobre o que será o produto mais adequado e desejado pelo consumidor.

Ainda em 2008, Jakob Nielsen fez um estudo de que o retorno sobre investimentos em UX tinha caído ligeiramente nos últimos anos, mas que ainda era “forte”. Segundo o especialista, seis anos antes, uma pesquisa tinha mostrado que o redesenho de um projeto com foco na usabilidade melhorava os indicadores-chave de performance (KPI, na sigla do inglês Key Performance Indicators) em 135%. Já na ocasião do novo estudo, a melhoria média do KPI após o redesenho de um projeto com foco em usabilidade foi de 83%. O NN Group considera que, em média, investir em usabilidade 10% do orçamento de um projeto resulta num retorno duas vezes maior no longo prazo.

O condecorado e desafortunado soldado americano não sabia, mas o design de interações é uma atividade que gera valor. Quanto mais orientado a dados e realizado de forma científica, mais resultados. É hora de abandonar de vez o viés da estética, de achar que a embalagem legal vale mais que o preço e a qualidade da experiência. Um bom serviço busca entregar na mão dos usuários aquilo que eles querem, sem que precisem fazer um MBA para “performar bem”.