Logo E-Commerce Brasil

O PLP 32/2021 e o fim das pequenas empresas no e-commerce

Por: Felipe Souto

Comerciante on-line na Maxibel, loja especializada em Móveis para Estética e Salão de Beleza, na região de Florianópolis (SC).

Em agosto deste ano, foi aprovado o Projeto de Lei Complementar (PLP) 32/2021, que regulamenta a Emenda Constitucional (EC) 87/2015. Resumidamente, as empresas terão que pagar a diferença entre a alíquota interestadual (estado de origem) e a alíquota interna de ICMS do estado de destino, nas vendas interestaduais destinadas a clientes não contribuintes de tal imposto. Esta taxação é conhecida como DIFAL e afetaria especialmente as vendas por e-commerce. Esta lei, atualmente, está na Câmara dos Deputados, aguardando aprovação em caráter emergencial.

A princípio, é um projeto que se destina a promover justiça tributária, referente a uniformidade da cobrança do ICMS. Por exemplo, uma empresa catarinense que venda para um cliente no Ceará pagará a mesma alíquota de ICMS que uma empresa cearense que venda a um consumidor dentro do próprio Ceará.

Porém, isto é válido em casos em que as empresas optem pela apuração normal de impostos, ou seja, lucro real ou lucro presumido. Estas empresas têm um sistema de recolhimento de ICMS distinto, podendo se aproveitar de créditos de ICMS de seus fornecedores ou obter benefícios fiscais no estado de origem.

Este PLP, porém, omite perigosamente como se dará com as empresas optantes pelo Simples Nacional, que, segundo levantamento anterior à pandemia da covid-19, correspondiam a 78% das empresas que atuavam no e-commerce. Esta porcentagem deve ser ainda maior, face a quantidade de pequenas empresas que tiveram que migrar para o e-commerce para manter suas portas abertas após tal pandemia.

Se aprovado o PLP como está, há o risco real de aplicação da lei contra pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional, obrigando-as a pagar o DIFAL em vendas que façam para seus clientes de outros estados. Em termos práticos, isso pode significar que uma pequena empresa chegue a pagar até 300% a mais de impostos em uma venda.*

Neste caso, não se cumpriria o objetivo da lei. Considerando uma empresa catarinense, optante pelo Simples Nacional, vendendo para um cliente no Ceará: ela pagará muito mais impostos do qualquer empresa cearense, mesmo as optantes pelo Simples Nacional, que esteja vendendo dentro do Ceará. Logo, seria inviável a operação de uma pequena empresa no e-commerce.

Ou seja, com uma carga tributária absurda dessas, a aprovação deste PLP condenará milhares de pequenas e médias empresas ao encerramento de atividades. Estas empresas geram empregos, pagam impostos e consomem produtos auxiliares (embalagens, fretes, softwares, etc.). Os efeitos negativos vão se irradiar para as economias das regiões onde estes e-commerces estão localizados.

Iludem-se os que acham que apenas as pequenas empresas dos estados “vendedores”, predominantemente do Sul e Sudeste, sairão prejudicadas. Uma lei desta sendo aplicada aos optantes pelo Simples Nacional condenará pequenos empreendedores do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, atualmente estados predominantemente “compradores” do e-commerce, a praticamente estarem alijados do mercado nacional, sem qualquer possibilidade futura de equiparação com os e-commerces dos demais estados do Brasil.

Para os que talvez acreditem que isso seria um exagero de nossa parte, é importante frisar que esse absurdo já foi colocado em prática. A EC 87/2015, aprovada em abril de 2015, igualmente omite o caso das empresas optantes pelo Simples Nacional. De forma ardilosa, a maioria das Secretarias de Fazenda, em setembro daquele ano, aprovaram, via CONSEFAZ, o Convênio 93/2015, como forma de regulamentar a EC aprovada. 

Os Secretários de Fazenda dos estados (especialmente os do Norte e Nordeste) não titubearam em incluir os optantes do Simples Nacional nos efeitos de tal convênio, conforme pode-se verificar na cláusula nona deste vergonhoso documento. Entre o dia 01/01/2016 e o dia 17/02/2016, quando o STF suspendeu liminarmente esta cláusula, as pequenas empresas viveram um inferno, sendo obrigadas a pagar uma guia de DIFAL para cada venda efetivada a consumidores de outro estado. 

Um dos símbolos deste período foi o depoimento do empresário Silvano Spiess, de Blumenau, que mantinha uma loja de cervejas artesanais fabricadas exclusivamente em Santa Catarina, conhecida como “O Caneco”. Este emocionante depoimento está registrado em: https://www.youtube.com/watch?v=pHM7CWedbNE . Infelizmente este e vários outros e-commerces operados por pequenas empresas não resistiram e acabaram fechando as portas naquele período.

Se, em 2015, os Secretários de Fazenda não pensaram duas vezes antes de aplicar os efeitos da EC aos optantes pelo Simples Nacional, até usando-se de um convênio espúrio para tanto, por que deveríamos acreditar que não fariam o mesmo agora, com o peso de uma lei virtualmente aprovada no Congresso Nacional, e omissa em relação ao caso destas empresas?

Infelizmente, os senadores passivamente já aprovaram este PLP, sem se importar com os milhares de empresários optantes pelo Simples Nacional. Agora, a questão está nas mãos da Câmara dos Deputados. Sendo assim, faz-se necessária a adição no PLP 32/2021 de um dispositivo que explicitamente exclua as empresas optantes pelo Simples Nacional dos efeitos desta lei. Caso contrário, diversas, inovadoras e talentosas empresas serão varridas do mapa do e-commerce brasileiro.

*Considerando uma pequena empresa catarinense que vende produtos importados a um consumidor cujo estado destino tem 19% de alíquota interna de ICMS.

Leia também: Open banking: nova fase com investimentos e operações de câmbio começa na 4ª