Logo E-Commerce Brasil

Percepções do NRF 2020 - no que se transformou o varejo?

Por: Alessandro Gil

VP de Enterprise Solutions da Locaweb Company

VP de Enterprise Solutions da Locaweb Company e da Wake (uma empresa Locaweb), Alessandro Gil tem mais de 20 anos de carreira, com extensa experiência em e-commerce e estratégia de expansão de negócios. É formado em Publicidade e Propaganda pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), com MBA em Marketing. Antes de liderar a Wake, passou por empresas como Linx, VTEX, Rakuten Brasil e Ikeda.

Números do NRF 2020 mais do que significativos: mais de 100 anos de História e cerca de 40 mil pessoas. Dessas, quase 2 mil são heróis brasileiros que buscam conteúdo, networking e ferramentas para fazer do varejo no Brasil um mercado melhor. Não parei para contar quantas palestras, mas efetivamente foram muitas, centenas talvez, assim como empresas de tecnologia e serviços expondo em pavilhões que se faziam perder de nossas vistas. Definitivamente, o NRF 2020 Big Show é quase a romaria obrigatória para quem trabalha no varejo, pouco importa se físico ou digital.

Leia também: NRF 2020 – novidades do varejo são comuns às do combate a fraudes

Há anos, já nem sei quantos, visito eventos como esse. E, depois de dias que mesclam o prazer por quem é louco por aprender e o cansaço de quem é inundado por muita informação de todo o tipo e qualidade, sempre me vem a pergunta, eternizada em poema por Carlos Drumond de Andrade: “E agora, José?”.

Acho que após algumas experiências, a resposta vem se tornando mais clara. Contudo, para chegar a ela, faço aqui um breve resumo do contexto que vivi nesses últimos dias. Talvez ao final desse texto compartilhemos da mesma opinião. O primeiro, e talvez mais importante sentimento após três dias de congresso, é que eu cheguei a duvidar se estava em um evento de Varejo ou de Recursos Humanos. O conceito de customer centric deu lugar a algo muito mais abrangente e, certamente, de significado bem maior: o tal do people centric.

Customer centric x People centric

Cada vez mais uma preocupação legítima, acredito, o tema tem tomado a pauta das empresas: criar significado e propósito tem se tornado tão ou mais fundamental que a própria remuneração em si. Além disso, começo a perceber que muitos executivos já começam a externar a mesma preocupação que tenho há algum tempo: a de como a automação precisa “ressignificar” o trabalho, e não necessariamente acabar com ele.

Quem chegou a ler os últimos dois livros de Yuval Harari certamente carrega um pesado incômodo ao pensar em emprego e distribuição de renda para as próximas décadas — especialmente quem “vive” tecnologia todos os dias. De certa forma, é esperançoso saber que líderes como Kevin Johnson, CEO da Starbucks, estão atentos à essa questão. Para ele, a tecnologia veio para liberar as “suas” pessoas a se conectarem mais com seus clientes. Esse é o gancho perfeito para meu próximo high light.

Geeks encontram artesãos

Este ano ficou evidente que os geeks encontraram os artesãos. O advento do uso de dados e a democratização de inúmeras tecnologias que há alguns anos pareciam obras de ficção científica têm proporcionado transformações significativas no varejo. Dados de consumo e interesse têm se tornado realidade para inúmeras empresas, utilizando-se dessas informações para composição de sortimento, VM e ações de marketing e experiência. Nike, Nordstrom, Ikea e até debutantes com Showfields dão claros exemplos de que a personalização de praticamente tudo está fácil e disponível – e as possibilidades transformam totalmente essa nova experiência do varejo.

Em paralelo, algumas indústrias que pareciam muito distantes por nativamente serem de produtos artesanais, como a Natuzzi, por exemplo, adotam tecnologia para repactuarem com seus consumidores uma maneira nova e melhor — por que não? — de venderem seus produtos, literalmente, feitos à mão. Anotem aí: “high-tech handcrafted is the new black”. A transcrição dessa tal personalização e diversidade nas lojas surge por meio da execução impecável na leitura de dados.

O que estava na prancheta, finalmente vira realidade

Fiquei impressionado com a quantidade de antenas e sensores disponíveis nas lojas, muito longe do que encontramos no Brasil ainda. Além disso, lojas da mesma marca assumem personalidades diferentes em uma padronização “despadronizada” — se é que você me entende. E a coleta de informações não pára por aí. Com a desculpa exemplar de experiência aprimorada, as lojas viram verdadeiras extensões da vida dos seus clientes. Ajustes em roupas, reparos de produtos, consultoria, restaurantes e pontos de coleta ou retirada de praticamente tudo, inclusive, aquilo que foi vendido por qualquer outra empresa (leia-se, a própria Amazon): os lojistas estão não só repensando sua relação com clientes, mas também, colocando tudo em prática.

Aquela história de que as lojas físicas se transformariam, e por consequência adotariam a experiência como vetor de sucesso, está se convertendo em realidade. Realidade essa não menos sólida do que a tal omnicanalidade. Varejo americano e omnichannel já pode ser incluída naquela canção…: “avião sem asa, fogueira sem brasa, sou eu assim sem você…” e assim vai. No mercado em que praticamente 50% das vendas do mercado de moda, por exemplo, são fechadas em canais digitais, não poderia ser diferente.

A integração dos canais tem operado verdadeiros milagres pelas grandes marcas de varejo. A Target se reinventou garantindo a última milha muito mais rápida e eficiente. Está conectando as lojas físicas, como dei o exemplo acima da Nordstrom, que tem executado com excelência — das redes tradicionais de varejo de moda é a que menos perdeu valor de mercado nos últimos anos. A Kohl’s, por outro lado, está dando um passo ousado integrando coleta e retorno de ordens feitas pela Amazon. A função Ctrl+Z é totalmente incompatível com a cultura Omnichannel.

E para onde vão todos esses dados?

Óbvio que essa é uma das maiores preocupações mundo afora. E o sucesso de todo o arsenal montado e de todos os processos minuciosamente estudados tem tudo a ver com reputação. No fim do dia, pessoas vão compartilhar seus dados com empresas, porém só com as empresas em que elas confiarem. Sem confiança não há engajamento, sem engajamento tudo vira commodity, e se você virou commodity você está fora do jogo.

No fim das contas, o varejo que parece estar se reinventando é um lugar em que o consumidor por um acaso compra, seja por experiência, seja por consciência. E neste novo jogo vence quem investir em tecnologia, pessoas, processos e inteligência.

Como não havia jamais visto, o varejo americano avançou muito na execução. Enquanto estamos esperando o leapfrog gringo, eles por lá se inspiram no nosso autêntico “mineirês”, executando um “passin” de cada vez, mas sem parar. Afinal, lá o sarrafo está cada vez mais alto e a concorrência cada vez mais acirrada, em um mercado que as empresas se preocupam muito mais com suas próprias operações e clientes, e muito menos com ambiente externo. Mas isso é assunto para outro artigo.


Gostou desse artigo? Não esqueça de avaliá-lo!

Quer fazer parte do time de articulistas do portal, tem alguma sugestão ou crítica? Envie um e-mail para redacao@ecommercebrasil.com.br