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Omnichannel: trocas e devoluções por lojas que não efetuaram a venda

Por: Marcio Cots

é Sócio do escritório COTS Advogados, escritório especializado em Direito Digital e E-Commerce.

Conceber uma estratégia omnichannel de sucesso potencializa a visibilidade do negócio ou da marca, pois os consumidores passam a perceber o valor de uma empresa que se preocupa em proporcionar uma boa experiência de compra para o usuário.

As empresas, assim, passam a oferecer inúmeras possibilidades de relacionamento com seu consumidor e, ainda, uma tecnologia para trazer mais praticidade à vida das pessoas e promover um relacionamento comercial além da simples venda.

Dessa forma, empresas e marcas passam a investir cada vez mais no conceito de omnichannel, para se destacar da concorrência e oferecer aos seus consumidores novas formas de experiências de compras.

Um dos maiores problemas das estratégias de omnichannel envolve questões de trocas e devoluções em lojas diferentes daquelas em que a compra foi realizada. A questão se agrava mais ainda quando a marca possui não apenas lojas próprias, mas se utiliza de programas de franquias.

Isso porque, para muitos consumidores, as operações de logísticas reversas – que, em um primeiro momento, significam segurança jurídica e fiscal para as empresas – nem sempre são simpáticas ou de fácil operacionalização para os clientes.

Assim, no conceito de estratégia omnichannel, a possibilidade de se utilizarem as unidades físicas da marca para oferecer um canal de troca mais assertivo com o consumidor esbarra na legislação do ICMS.

ICMS no omnichannel

Sempre lembramos que o ICMS é o sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), de 1934. Ele foi instituído pela reforma tributária da Emenda Constitucional nº 18/65 e regulado pelo Decreto-lei nº 406/68 e o Convênio ICMS nº 66/88. Posteriormente, veio a receber tratamento constitucional pelo art. 155, § 2º, I ao XII, da Constituição Federal de 1988 e regulado pela Lei Complementar n. 87/96.

O breve resumo histórico condensado no parágrafo anterior já demonstra que as linhas da hipótese de incidência do ICMS foram instituídas em um momento em que sequer se imaginava o avanço tecnológico e, principalmente, o intercâmbio de ideias, produtos e serviços que a Internet traria ao mundo. Em síntese, o ICMS é o imposto sobre as vendas da quitanda próxima à casa de seus avós, na década de 1970.

Por outro lado, trata-se o ICMS de imposto não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias, com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo estado ou por outro, como definido no art. 19 da Lei Complementar n° 87/96.

Assim, de uma maneira geral, quando ocorre uma venda de mercadoria, a possibilidade de crédito na entrada de produtos no estabelecimento condiciona-se à cobrança do imposto na operação que origina essa entrada.

Ora, não se haveria de falar em crédito do imposto se nada foi suportado pelo destinatário da mercadoria.

Detalhando trocas e devoluções

Cumpre esclarecer, ainda, que na hipótese de devolução em virtude de garantia (defeito de fabricação), o item substituto deve ser da mesma espécie do substituído. No caso de troca, a mercadoria substituta pode ser da mesma ou de outra espécie, desde que de valor idêntico ou superior à substituída. E, na hipótese de desfazimento da venda, o estabelecimento de origem não pode reaproveitar o crédito.

Na entrada de mercadoria a título de devolução por pessoa natural, em que não existe imposto cobrado, o crédito se torna possível em virtude de disposição legal nos exatos termos da lei. A legislação paulista, por exemplo, menciona que o estabelecimento que receber, em virtude de garantia ou troca, mercadoria devolvida por produtor ou por qualquer pessoa natural ou jurídica não-contribuinte ou não obrigada à emissão de documento fiscal poderá creditar-se do imposto debitado por ocasião da saída da mercadoria.

Isso desde que haja prova cabal da devolução e o retorno desta se verifique dentro do prazo de 45 dias, contados da data de saída da mercadoria, tratando-se de devolução para troca ou dentro do prazo determinado no documento respectivo, tratando-se de devolução em virtude de garantia (1).

Atente-se que a legislação estabelece o “imposto debitado por ocasião da saída da mercadoria”, ou seja, refere-se aos casos de troca de mercadoria nos quais a venda e a devolução ocorrem na mesma loja, não existindo, na legislação, dispositivo que possibilite o crédito do imposto quando a “devolução” de mercadoria ocorrer em estabelecimento diverso daquele que efetuou sua venda.

Princípio da Autonomia dos Estabelecimentos

A regra geral é o lançamento e escrituração de débitos e créditos por estabelecimento (Princípio da Autonomia dos Estabelecimentos). Portanto, a possibilidade de creditar o ICMS na entrada da mercadoria refere-se aos casos de troca de produto em que a venda e a devolução ocorrem na mesma loja.

Assim, a possibilidade de deixar o consumidor escolher o local que mais lhe convém para troca e devoluções nas estratégias omnichannel se torna bastante reduzida pela legislação do ICMS. Eis que a legislação, em termos gerais, privilegia o procedimento apenas no estabelecimento em que a venda ocorreu.

Dessa forma, caso outro estabelecimento da marca receba a mercadoria em troca ou devolução, não poderá efetuar o crédito da entrada dessa mercadoria no seu estabelecimento, para fins de apuração do ICMS quando o item sair do estabelecimento.

Não obstante, há a possibilidade de se solicitar que os órgãos competentes da fiscalização estadual analisem e decidam sobre a concessão de Regime Especial que possibilite, na devolução de mercadorias, o aproveitamento como crédito do imposto debitado por outra loja dentro de determinada unidade federativa.

Ressalte-se, novamente, que, mesmo com a concessão do referido Regime Especial, a validade do mecanismo aprovado pela fiscalidade se restringe apenas à unidade federativa em que foi solicitado.

Portanto, a legislação do ICMS dificulta a elaboração de estratégias de omnichannel, limitando-as aos mecanismos de ship from store e pick-up-in-store, ou compras online, que são facilitados pela tecnologia.

Algumas marcas já se utilizam de procedimentos em que as lojas de franqueados são utilizadas apenas como pontos de coletas, remunerando o lojista pelos serviços através de benefícios nos planos de franquia. Mas esses modelos “alternativos” precisam ser rigorosamente analisados sob o ponto de vista de riscos fiscais e operacionais.

(1) Artigo 452 do RICMS/2000