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O impacto do e-commerce nos shopping centers

Nessa última semana, foi divulgada pela imprensa, a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinando que a Lojas Americanas venha a ser despejada do Barra Shopping no Rio de Janeiro em razão da falta de pagamento de aluguel percentual referente às vendas realizadas pelo canal de e-commerce no interior da loja. É uma decisão não transitada em julgado, como dizem os juristas, mas extremamente relevante.

Esta notícia abre espaço para uma discussão muito complexa, profunda e abrangente sobre diversos aspectos fundamentais sobre os negócios de varejo em Shopping Centers.

O varejo é uma atividade empresarial muito dinâmica, diferenciada, complexa e contemporânea, que incorpora as novidades e os avanços tecnológicos com uma velocidade muito grande, conseguindo, até, antecipar tendências enquanto o resto do mercado está começando a aceitá-las como válidas ou importantes.

A evolução do e-commerce é uma dessas tendências, cuja discussão já passou pela compreensão do multi-channel, e atualmente busca entender e aplicar o conceito de omni-channel (veja nosso último artigo sobre as novidades da NRF2014).

No conceito de omni-channel, a atividade comercial do varejo deixa de ser entendida como uma multiplicidade de canais de venda, para passar a ser um sistema de canais de venda interligados entre si, de tal forma que o consumidor não consegue perceber qualquer diferença entre esses canais, cuja percepção consiste na ideia do varejo se mostrar de forma “seamless”, ou seja, sem separação entre os canais de venda.

Assim, aquela segmentação entre lojas físicas ou brick & mortar (B&M) e as lojas de e-commerce, passa a ser um assunto fora de pauta, porque nitidamente superado pela evolução das práticas comerciais do varejo que busca, constantemente, oferecer, responder e atender o mercado consumidor em suas novas necessidades e aspirações, sobretudo influenciado pela demanda decorrente da inclusão digital, do acesso à tecnologia e dos avanços em termos de comunicação e comportamento de compra. Essa é uma realidade que não há como regredir.

Mas, essa nova realidade do omni-channel traz diversas preocupações e discussões dos pontos de vista prático, administrativo, jurídico e operacional que ainda não estão sendo debatidas com tanta intensidade na agenda do mercado de Varejo e Shopping Center, e, por essa razão, a decisão do STJ mencionada acima passa a ser um marco importante para avançarmos na compreensão dos novos desafios e dificuldades que vão despontar em curtíssimo prazo de tempo.

Apesar de ser uma resposta às necessidades do mercado, como já esclarecemos antes, o uso do e-commerce dentro da loja física gera muitas outras consequências que repercutem na relação das lojas com os Shopping Centers, com o Poder Público, com seus consumidores e até mesmo com seu próprio modelo de negócio.

Essas repercussões são variadas, complexas e exigem soluções rápidas.

Primeiro, quando um varejista usa o canal e-commerce dentro da loja física localizada em um Shopping Center, é importante resgatar o conceito de “estabelecimento comercial”, que é o complexo de bens organizado para o exercício de determinada atividade empresarial ou comercial. Ele é a base fundamental para consolidar uma locação comercial num Shopping Center, porque é a partir dele que será explorada a atividade comercial, definido o “tenant mix” (veja nosso artigo sobre tenant mix) e locado o espaço comercial para o lojista ou varejista.

Assim, toda atividade exercida pelo varejista naquele espaço comercial pressupõe ser exercida pelo estabelecimento comercial ali instalado, mas, o e-commerce permite que essa regra seja alterada, porque no e-commerce a atividade comercial propriamente dita, ou seja, a venda ou prestação do serviço não acontece naquele momento ou naquela loja física, mas sim, acontece num tempo futuro e em outro lugar onde esteja instalado seu efetivo estabelecimento comercial.

Isso traz uma repercussão fundamental nas relações com os Shopping Centers, uma vez que no modelo de negócio desses empreendimentos, a receita e/ou faturamento são componentes essenciais para a formação do chamado “aluguel percentual” que é o aluguel baseado na incidência de um determinado percentual sobre o total do faturamento bruto auferido pela locatária naquele mês, cujo conceito encontra justificativa no modelo de negócio de locação dos espaços comerciais em um Shopping Center, que pode ser assim compreendida: quanto mais alto for o faturamento que o lojista consiga auferir no Shopping Center, tanto maior deverá ser o valor atribuído ao aluguel, isso porque, a performance do locatário é solidariamente favorecida por todas as oportunidades, recursos, instalações, facilidades e benefícios que um Shopping Center pode oferecer enquanto verdadeiro centro de compras, serviços, excelência, conveniência, entretenimento, lazer e cultura.

Quando o lojista explora o canal do e-commerce dentro da loja física e não vincula este faturamento como parte integrante do faturamento daquele estabelecimento comercial, evidentemente, que a base de cálculo que deveria ser considerada para apurar o aluguel percentual fica prejudicada, e passa a ser menor do que o montante que realmente seria devido pelo lojista. E essa desvinculação entre o produto do faturamento do e-commerce em detrimento do total do faturamento obtido nas atividades comerciais exploradas naquela loja física, não só contraria a idéia do exercício da atividade dentro de um estabelecimento comercial, como também contraria as regras, o modelo de negócio e a dinâmica das locações nos Shopping Centers.

Mas não é somente este o ponto importante, também há outros, como por exemplo a própria maneira de realizar a fiscalização e/ou a apuração do faturamento, cuja diligência fica muito prejudicada pela adoção do e-commerce dentro das lojas físicas.

Como a loja é um estabelecimento comercial, devidamente instalado, registrado, licenciado e autorizado a exercer aquela atividade comercial naquele espaço, o Shopping tem condições de exigir a comprovação das vendas e do faturamento por meio da auditoria interna sobre a declaração das vendas, registros contábeis e sobre outros expedientes financeiros.

Porém, nada disso pode ser devidamente fiscalizado ou controlado se o produto da venda, se o faturamento bruto decorrente das vendas do e-commerce não estiver, também, acrescido, considerado e vinculado ao total do faturamento bruto daquele estabelecimento comercial instalado no espaço do Shopping Center. Ou seja, para que o Shopping faça a correta apuração da base de cálculo do aluguel percentual estabelecido na locação é essencial que o faturamento decorrente do e-commerce esteja computado no faturamento total da loja física, sob pena da apuração do valor do aluguel, bem como da própria fiscalização fiquem bastante prejudicadas e comprometidas.

Além disso, e também pelo mesmo motivo, se a atividade comercial pressupõe o estabelecimento comercial, e se o estabelecimento comercial está localizado na loja física dentro de um Shopping Center, quando o lojista explora a atividade comercial por outro canal de vendas como o e-commerce, há, também, outras repercussões de ordem societária, tributária e fiscal que precisam ser avaliadas com bastante cautela e aprofundamento.

Quando a venda é realizada na própria loja física, com a entrega do produto e emissão da nota fiscal e/ou comprovante de venda, o negócio, a venda ou a prestação do serviço se completa perfeitamente, de tal forma que esse fato passa a ter relevância sob o ponto de vista tributário também, porque essa venda ou essa prestação de serviços faz nascer o dever de pagar determinados tributos, como por exemplo, o ISS (Imposto Municipal sobre Serviços), o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação) e o IR (Imposto Federal sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza Renda), para dizer apenas os mais importantes.

Todos esses impostos se baseiam na atividade comercial exercida pelo lojista naquele determinado estabelecimento, cada qual com sua própria especificação, mas, todos eles são genericamente dependentes dos resultados do exercício dessas atividades comerciais.

Então começam as perguntas? Se uma loja física faz uma venda de um determinado produto pelo e-commerce instalado nessa mesma loja, com entrega futura do produto para o cliente, mas esse e-commerce não está vinculado àquele estabelecimento comercial, mas está vinculado à outro estabelecimento, por exemplo, em outro estado, como fica a apuração, a incidência e o recolhimento do ICMS? Ou do ISS quando se tratar de prestação de serviços? Ou do IR quando se tratar da tributação sobre o rendimento daquela empresa, que porventura, seja diferente da empresa instalada na loja do Shopping?

Os problemas e os desafios são imensos, e precisam ser compreendidos de uma forma muito abrangente, profunda e cautelosa.

Como já dissemos antes, o fenômeno do omni-channel é uma reação direta para fazer frente à necessidade e à aspiração do mercado consumidor, e já não consideramos esse modelo de negócio como uma tendência, pois ele já é uma realidade que a grande maioria das empresas de varejo e de outras indústrias, terão que se adaptar, incorporar e aproveitar porque não há qualquer indício de que esse processo de evolução tecnológica venha regredir, pelo contrário, vai prosseguir cada vez mais  de forma sistêmica e orgânica nas atividades comerciais e empresariais.

Entretanto, no que diz respeito às relações entre as lojas e os Shopping Centers, entre as lojas e o poder público, e também entre as lojas e os consumidores, será necessário encontrar uma solução viável, justa e eficiente para que o exercício da atividade comercial continue prosperando, crescendo e gerando valor para as empresas do varejo, para os Shopping Centers e também para o próprio mercado consumidor, de tal forma que todos sejam beneficiados desse novo paradigma tecnológico, mercadológico e econômico que é o e-commerce!