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Médicos Sem Fronteiras: como ser uma organização humanitária na era do e-commerce

Por: Mariana Anselmo

é formada em Jornalismo pela UFES. Atualmente é editora da Revista E-commerce Brasil e gestora de conteúdo do grupo iMasters. Já passou pela assessoria de impressa, TV e eventos, mas se encontrou na redação.

Provavelmente você já ouviu sobre o Médicos Sem Fronteiras, uma das maiores e mais conhecidas organizações humanitárias, ativa em todo planeta. Com o objetivo de levar ajuda médica aos que precisam, a organização foi criada em 1971, na França, por jovens médicos e jornalistas que atuaram como voluntários no fim dos anos 1960 em Biafra, na Nigéria.

Uma vez que a organização já nasceu independente e é mantida apenas com doações, o MSF sempre buscou sensibilizar o público sobre a sua causa. Para isso, ele precisou se adaptar às mudanças e alcançar seu público-alvo onde quer que ele estivesse, sendo uma das primeiras instituições humanitárias a levar a doação para Internet.

Conversamos com Natalia Franco, gerente de Marketing Direto do Médicos Sem Fronteiras – Brasil, que contou um pouco sobre o processo de inovação no modo de alcançar os doadores, das estratégias de retargeting e falou como o MSF faz para conciliar o público on e offline. 

ECB: Primeiro, gostaria que falasse um pouco da importância da doação da população para o “Médicos Sem Fronteiras”.

As doações privadas são fundamentais para garantir o trabalho e a independência da Organização. O Médicos Sem Fronteiras – MSF atua de forma independente de poderes políticos e econômicos, e isso só é possível porque focamos em doações privadas, principalmente de pessoas físicas. Atualmente, são mais de 5 milhões de doadores no mundo; destes, 160 mil no Brasil. Em 2013, 89% do orçamento de MSF vieram de doações privadas. O fato de nosso financiamento vir de milhões de pessoas reduz também o risco de problemas financeiros numa situação de crise econômica.

ECB: Hoje vocês possibilitam que essa doação seja feita através do online. Como surgiu a necessidade de modernizar esse processo e quando isso aconteceu? A receptividade por parte do público-alvo foi boa?

Acompanhamos uma tendência que foi reflexo do comportamento da sociedade. Ao longo dos anos, a sociedade migrou suas relações de consumo e sociais dos meios analógicos para os digitais, e o MSF não poderia ficar fora disso. Tivemos que nos adequar à necessidade dos doadores, que já realizavam outros tipos de transações financeiras online. Assim, em 2010, lançamos um novo site, já com uma seção para doação online.

Entendemos que a receptividade da possibilidade de doação através do site foi muito boa, pois a cada ano a porcentagem de doações online x offline aumenta. Atualmente, mais de 50% dos novos doadores de MSF se cadastraram pelo formulário de doação online.

ECB: O e-commerce de vocês vende uma forma diferente de serviço, que não retorna para quem o “comprou”. Como trabalhar junto ao público que essa “compra” ainda vale a pena?

A doação não se caracteriza literal e legalmente como um comércio, mas oferece algo em troca, sim: o sentimento positivo de solidariedade, de ajudar o próximo e fazer a diferença. Isso é muito gratificante para quem doa. Entretanto, sabemos que as pessoas não doam esperando algo em troca. O estímulo para doar é chegar a quem precisa através do nosso trabalho humanitário. Aqui não existe a expectativa por produtos ou serviços em benefício próprio, e o público exige de nós transparência com a utilização dos recursos e seriedade no atendimento dos beneficiários.

Para tornar tangível a doação, mostramos como podemos utilizar os recursos doados – por exemplo, com R$ 30, podemos vacinar por mês 37 crianças contra o sarampo ou tratar de duas crianças com desnutrição.

ECB: Existe a possibilidade de a pessoa doar, através do site de vocês, uma única vez, ou é preciso optar pela doação contínua – como se fosse uma “assinatura de serviço”?

Trabalhamos com as duas formas de doação, mas o nosso foco são as doações contínuas mensais. Elas não são uma assinatura, mas essa forma contínua nos possibilita planejar melhor nossas atividades e agir rapidamente numa situação de emergência. As doações mensais via site podem ser feitas por vários meios de pagamento, para facilitar para o doador e incentivar a doação, assim ele não vai deixar de doar porque só pode pagar de uma forma e ela não está disponível no site). O doador pode optar pelo débito automático em conta corrente em diversos bancos, ou via cartão de crédito, das bandeiras Visa, MasterCard, American Express e Diners.

ECB: Como vocês trabalham e incentivam o processo de recompra junto às pessoas?

Como nosso objetivo prioritário são as doações mensais, utilizamos estratégias de captação de recursos que já trazem esse tipo de doador. Ao se cadastrar para uma doação mensal, o débito acontece automaticamente a cada mês na conta ou no cartão do doador, sem a necessidade de estimularmos uma “recompra”. Nesse caso, as ações são muito mais de fidelização para que o doador permaneça doando.

As ações de recompra, que poderiam se caracterizar como remarketing, são mais dedicadas aos doadores que optam por fazer apenas uma doação e não assumir o compromisso de doação mensal. Essas ações são feitas prioritariamente através de meios não digitais (offline), como malas diretas e telemarketing. Em meio online, estamos testando uma ação de remarketing por meio do Google, para pessoas que visitam o nosso site ou a página de doação e não se tornam doadores. No entanto, ainda não temos resultados precisos.

ECB: Qual a importância de um canal de vendas online para o projeto MSF?

Viabilizar as doações online foi fundamental para o MSF, pois, através do formulário de doação no site, conseguimos reduzir nossos custos administrativos de impressão de formulários em papel ou manutenção de atendentes de call center para efetuar os cadastros de doadores. Fora isso, a opção online é uma alternativa simples e rápida para quem quer doar e que atende à necessidade dos doadores.

O canal online é mais fácil de operacionalizar, pois não há necessidade de treinamento específico das pessoas que farão interface com o doador. E ele também permite chegarmos aonde pessoalmente, ou fisicamente, seria muito dispendioso estar, quebramos as barreiras geográficas e tornamos viável a doação para população de todo Brasil. Entretanto, mantivemos os canais offline, pois existem pessoas que preferem um contato pessoal ou não têm hábitos online.

ECB: Em quais canais o MSF atua? Como integrar todos eles?

Para conquistar novos doadores, utilizamos diversos meios, sempre focando no ROI (retorno sobre o investimento). Além de online e TV, fazemos malas diretas, telemarketing e diálogo direto (equipes que captam doadores nas ruas).

Todas as ações se auxiliam mutuamente. Como são ações de marketing direto, conseguimos mensurar cada uma delas separadamente, mas sabemos da influência que exercem na conversão umas das outras.

Como atuamos em muitas frentes (e muitas ocorrem simultaneamente), é importante que elas “falem a mesma língua” para que o possível doador perceba que todas são ações do MSF. Além disso, como algumas têm mais espaço para conteúdo do que outras, às vezes, o que não conseguimos aprofundar na TV, podemos explicar no site ou na mala direta. Então, um doador pode ver o comercial na TV e não se convencer, mas ficar curioso. E, ao entrar no site, ele terá diversas informações que o levam a confiar no valor daquela doação. Quando estamos com uma campanha de TV no ar, conseguimos perceber uma melhora na conversão de doadores nas ações online, por exemplo.

ECB: Quais dicas o MSF deixa para as instituições que querem entrar no meio virtual para potencializarem as doações?

Recomendo que as organizações fiquem atentas à facilidade de toda ferramenta de doação online. Não estamos comercializando produtos, mas estamos otimizando para o meio virtual a possibilidade de contribuir com uma causa. Por isso, se o usuário não encontrar como doar com facilidade (o botão de doação deve estar destacado no site) ou se a ferramenta apresentar erros, dificilmente ele vai doar.

A simplicidade deve estar presente desde o momento que ele busca o formulário de doação dentro do site da organização até a melhor usabilidade dentro do formulário, que deve ser o mais prático possível e intuitivo para o doador. Ele deve ser fácil de preencher e curto, solicitando apenas as informações realmente necessárias. A questão da segurança da informação também é muito importante. As organizações precisam oferecer sites seguros para evitar problemas, e os doadores precisam ser informados claramente de que existe segurança.

Além disso, as organizações precisam mensurar as ações para poder avaliar se o investimento vale a pena. Afinal, o que funciona para uns pode não funcionar para outros. Tudo depende do perfil dos doadores de cada organização.