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Modificações estruturais no e-commerce - Parte 1

Por: Fernando Di Giorgi

é ex-sócio fundador da Uniconsut Sistemas, empresa especializada em back-office para grandes lojas de e-commerce. Fomado em Matemática pela USP, pós-graduado em Administração pela FGV e em Análise Econômica pela FIPE, mestre em Economia pela PUC-SP.

Há 15 anos, era preciso convencer as grandes redes de lojas físicas sobre a viabilidade do comércio eletrônico e que suas exigências funcionais impediam que ele fosse tratado como um apêndice da rede com amplo aproveitamento de funções corporativas.

Demorou anos para que tais ideias se tornassem óbvias. Agora, estamos presenciando questionamentos que abalam o modelo até então inovador: a incorporação de serviços a terceiros, a internalização do desenvolvimento de sistemas, a viabilidade da extensão da variedade de oferta, a modificação da cadeia de distribuição com a venda direta da indústria ao consumidor, os efeitos da convergência de esforços primordialmente orientados para o faturamento, o complacente convívio com baixa rotação de estoque e pressão sobre o caixa, os altos gastos compulsórios com propaganda, etc.

Tais questões demonstram o extraordinário dinamismo do canal diretamente impulsionado pelos avanços da tecnologia e que se confronta com estruturas e princípios de gestão que, há poucos anos, eram de vanguarda. O propósito do artigo é contribuir para o debate sobre os temas acima descritos.

1.0 Não há escassez de capital para comércio eletrônico

O grande varejo eletrônico continua a receber investimentos, embora estes estejam atualmente escassos na economia. Uma boa notícia para quem trabalha no setor. Ao que parece, os conselhos de administração das grandes lojas estão convencidos da necessidade de aumentar e manter a participação de mercado, a despeito de estarem operando com margens muito baixas, algumas até com resultados negativos, situação paradoxal, afinal, o capital foge de aplicações que não geram excedentes.

Destaco três razões básicas para justificar essa crença, apesar das circunstâncias: as altas taxas de crescimento do mercado, o aumento do poder de compra e a incerteza quanto ao futuro modelo de varejo.

1.1  O crescimento do mercado e a incerteza sobre o omni-channel

O crescimento do mercado ocorre em decorrência da perda do varejo físico, dado que o consumo é limitado pela renda. Esse fenômeno condena as redes de lojas físicas a entrarem no comércio eletrônico, aproveitando-se do poderio econômico, do poder de compra e da confiança na marca, muito embora tenham contra si as tradições competitivas específicas do varejo físico como empecilho às possibilidades criativas disponíveis pela tecnologia. Em suma, investir no e-commerce impede a fuga de consumidores das lojas físicas e possibilita ganhar consumidores dos concorrentes.

1.2  O poder de compra 

A ampliação da variedade da oferta tende a aumentar o faturamento, forçando as grandes lojas virtuais a terem mix diferente das lojas físicas. Isso tem sido inevitável e teve sérias consequências organizacionais e de custo – é bom lembrar que a rejeição dessa necessidade pelo conselho de uma grande rede de lojas físicas em 2004 levou ao fracasso de seu comércio eletrônico.

As categorias comuns, se não aumentaram, mantiveram seu poder de compra; porém, as categorias recém-introduzidas tinham obstáculos: o desconhecimento do mercado fornecedor e consumidor, o baixo volume de compra e o investimento inicial em estoque. Para exemplificar, a introdução do vestuário numa grande loja virtual exigiu um adiantamento de capital de dezenas de milhões de reais.

1.3 Path dependence

Outro fator importante advém da natureza do comércio eletrônico: ele é profundamente dependente da tecnologia da informação e das comunicações. Como o ritmo de desenvolvimento dessas tecnologias é muito acelerado, as grandes lojas são obrigadas a investir pesada e continuamente em TI a fim de inovarem e/ou acompanharem as inovações das concorrentes.

Disso decorrem importantes desdobramentos: como não há mais desenvolvedores especializados e independentes de software para o segmento1, as grandes lojas têm que projetar, desenvolver e implementar sistemas com seus próprias recursos, sejam eles recém-incorporados ou não. Com isso, os custos com TI explodiram.

1.4 Aquisições

Pouco tempo atrás, assistimos a um festival de fusões de lojas físicas; agora, um festival de aquisições de produtores de softwares pelas grandes lojas e um caso isolado de compra de uma empresa de transporte de encomendas.

Um primeiro argumento explicativo dessas aquisições é a dificuldade que todas as empresas possuem em ter mais de um talento ao mesmo tempo, pois a alta especialização é, naturalmente, exclusivista. A tradição organizacional do varejo é taylorista e seu nível de complexidade operacional é menor do que na produção. Como o conselho e a diretoria executivas ainda são compostos por remanescentes do varejo tradicional (não caracterizado por atividades baseadas em conhecimento tecnológico de vanguarda), há muita dificuldade em serem bem-sucedidos na gestão de departamentos criativos como TI e publicidade digital – a Amazon é uma exceção por ser originariamente uma loja puramente virtual e ser dirigida por um homem formado em Ciência da Computação.

Há um segundo argumento explicativo para investir em aquisições: a decisão de diversificar os serviços para a obtenção de novas fontes de receita, como veremos adiante.

Publicado originalmente em: https://www.ecommercebrasil.com.br/revista/?edition_id=28