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O que fazem empresas da América Latina para sobreviver em tempos de crise?

Por: João Guilherme Porto Santos

João Guilherme é sergipano, formado em Engenharia Mecânica-Aeronáutica pelo ITA e parte da primeira turma do programa Digital Commerce Specialist da VTEX, por meio do qual vem se encantando pelos desafios dos negócios na era da transformação digital. Previamente, trabalhou com BI focado em Sales & Marketing e é um entusiasta da dança - foi professor voluntário de forró - e da poesia - declamou poesias autorais em um canal próprio no YouTube chamado João Pé de Poesia.

Não bastasse a crise sanitária pela qual todo o mundo está passando por conta da pandemia de Covid-19 desde o começo de 2020, não foram raros, no decorrer de 2021, os momentos em que ligamos a televisão ou abrimos um site de notícias e nos deparamos com alguma reportagem retratando alguma crise de cunho político, social ou econômico que estava acontecendo em algum país da América Latina. Eventos como as manifestações violentas na Colômbia, a polarização política nas eleições do Peru ou o aumento crônico dos preços dos produtos na Argentina amplificaram problemas que já aconteciam em decorrência da pandemia: fechamento do comércio, déficit no abastecimento, escassez de matéria-prima, dentre outros. Em cenários de crises como essas, os negócios nesses países precisam se adaptar para sobreviver, conciliando suas duas maiores necessidades: a de preservar sua margem – e consequentemente sua existência – e a de se manter competitivo e atento às necessidades de seus clientes.

Pensando na problemática apresentada, surge a seguinte pergunta: como empresas da América Latina estão gerenciando suas operações para lidar com as crises pelas quais seus países estão passando? Para responder a essa pergunta, não vamos nos debruçar sobre os motivos que conduziram cada país à crise que enfrenta – dado que são diversos – e vamos adotar uma maneira simplificada de classificá-las, dividindo-as entre crises crônicas e crises pontuais, de modo a entender as estratégias adotadas pelas empresas para lidar com cada uma delas. Isso será feito, ainda, em dois artigos: este, em que discutiremos o impacto da crise crônica da hiperinflação na Argentina nos negócios; e outro, em que discutiremos como uma crise pontual na Colômbia impactou fortemente algumas empresas em 2021.

Crises crônicas: a Argentina e a hiperinflação

Um país que reflete bem esse cenário é a Argentina. De acordo com a matéria “A crise permanente da Argentina” do El País, desde 1921, o país teve uma inflação média de 105% ao ano e foi forçado a mudar sua moeda cinco vezes. Um problema que, entre momentos de maior tranquilidade e momentos de maior gravidade, persiste há mais de 100 anos e aponta para o caráter extremamente crônico e perene dessa crise.

Jordan Langman, gerente de e-commerce da Simmons na Argentina, cuja matriz nos EUA é uma das três maiores fabricantes americanas de colchões, diz que a questão da inflação no país faz parte do status quo, não se trata de um cenário incomum e está há muito tempo incorporada nas pessoas e na forma como elas gerenciam as empresas. Já há oito anos trabalhando na empresa e inserido no mercado do digital commerce, percebe que existem três estratégias fundamentais para lidar com a hiperinflação vivenciada pelo país.

Criar um relacionamento através de um canal apropriado para cada tipo de cliente

A Simmons Argentina vende em seu site, além dos produtos da empresa norte-americana, produtos de outras duas marcas: Yolo e Belmo. A primeira é uma extensão da Simmons que vende um tipo específico de colchão: ele é mais barato e é transportado em uma caixa por possuir a capacidade de ser dobrado. A segunda é uma marca local que não está relacionada à Simmons e usa uma tecnologia diferente, motivos pelos quais é vendida a um preço reduzido. Vale ressaltar que os produtos das três marcas são produzidos em três fábricas da própria filial da Simmons na Argentina: uma delas é responsável pelo processamento da matéria-prima e as outras duas pela fabricação dos colchões.

Por se tratarem de três marcas com propósitos, produtos e posicionamentos de precificação diferentes, é possível assumir que terão também públicos diferentes e, consequentemente, deve-se usar uma comunicação apropriada para cada um deles. Além desse fator, a Simmons, sendo uma empresa internacional, possui orientações bastante específicas no que diz respeito à estética e ao uso da marca em seu próprio site. Desse modo, a fim de criar um relacionamento mais estreito com públicos diferentes daqueles que consomem os colchões da Simmons, optaram por criar canais alternativos para fazer a comunicação com outros clientes. Foram desenvolvidos, dessa maneira, dois sites distintos: o site da Belmo, para se comunicar com o cliente que não está disposto a arcar com um custo muito alto na compra de um colchão, e outro site para a Yolo, para se comunicar com aquele que, além de querer um preço mais barato, também deseja mais praticidade e a possibilidade de usar o colchão em lugares diferentes.

Por meio dessa estratégia, a comunicação com cada público-alvo se tornou mais efetiva e o orçamento para as campanhas de marketing mais eficiente.

Revisão constante de preços

Em momentos inflacionários, os preços dos produtos mudam com uma frequência muito grande. Como a matéria-prima é uma commodity e sofre bastante influência do valor do dólar, uma desvalorização da moeda argentina faz com que o preço do produto final possa mudar de um dia para o outro. Dessa maneira, faz-se necessário fazer constantes revisões e alterações nos preços. Nesse ponto, a tecnologia tem um papel fundamental na eficiência dos processos da companhia. Jordan aponta que esse processo era feito à mão para cada produto e que a implementação da utilização de APIs para a atualização de preços foi muito importante para garantir que o time possa estar focado nas atividades que realmente geram valor para a companhia.

Por meio desse processo, o varejista garante que seu produto está sendo vendido a uma margem aceitável e que não irá trazer prejuízos para a empresa.

Gestão e manutenção de produtos em estoque

Como explicado anteriormente, um produto que hoje custa 100 mil pesos argentinos pode amanhã custar 150 mil pesos argentinos. Se esse produto já estava em estoque no momento do aumento do reajuste, o varejista ganha em cima desse valor, dado que o lucro obtido pelo fato de o produto estar em estoque é superior ao custo associado à manutenção desse produto em estoque, como alega o Diário de Curitiba, quando diz que “em período de inflação estratosférica estima-se que, quanto maior o estoque, maior o dinheiro acumulado”.

Essa é, inclusive, uma das razões pelas quais a Simmons Argentina tem cinco centros de distribuição espalhados pelo país. Além de fornecer uma capilaridade para a sua operação, que conta com cerca de 80 lojas físicas, é importante para que sempre possa haver grande quantidade de produtos em estoque.

Maximiliano Buongiorno é gerente de e-commerce da unidade de negócio da Farmaonline, do grupo argentino Suizo Argentina, e também pontua a importância de fazer uma boa gestão do estoque em um país de economia hiperinflacionária. A drogaria online possui em seu catálogo mais de 16 mil produtos de cosméticos, muitos dos quais são importados de empresas de outros países, como a Loreal. O que acontece, no entanto, é que, em momentos de hiperinflação, produtos importados de todo tipo são bloqueados nos portos da Argentina para evitar a saída de dólares do país, em uma tentativa de sustentar o valor do peso. A implicação imediata disso é a existência de um stockout, em que alguns produtos que, a priori, deveriam ter sua importação autorizada em dez dias chegam a ficar nos portos por um período que pode chegar a até quatro meses, como mencionado em reportagem do Exame.

Nesse sentido, Maximiliano ressalta a relevância de ter estoque armazenado em seus armazéns e centros de distribuição, usando estratégias como a compra antecipada, com uma cobertura bem maior do que aquela considerando o tempo de ressuprimento usual do fornecedor, considerando possíveis problemas com a entrada de produtos importados no país por conta do controle cambial.

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