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É a vez da indústria no varejo

Por: Mariana Anselmo

é formada em Jornalismo pela UFES. Atualmente é editora da Revista E-commerce Brasil e gestora de conteúdo do grupo iMasters. Já passou pela assessoria de impressa, TV e eventos, mas se encontrou na redação.

O e-commerce, com suas infinitas possibilidades, revolucionou o varejo. Através dele, o pequeno pode alcançar todo o território nacional, o grande pode chegar até as menores cidadezinhas e inclusive a outro país. Ele transformou o setor em um grande shopping, onde todas as lojas estão a um clique de distância. Mas engana-se quem acha que o único afetado por todas essas mudanças foi o varejo.

O e-commerce vem revolucionando também a indústria. Ela, que antes dependia exclusivamente de distribuidores, revendedores e franquias, enxerga agora um novo leque de opções para suas operações, afinal, o consumidor final está mais perto do que nunca. Mas será que é tão fácil, ou simples, ingressar em um novo ramo? E o mais importante: o mercado consegue absorver essa frente de atuação? Para Patrícia Amaro, diretora LatAm de e-commerce da Unilever, existe e vai existir sempre espaço para todos.

“Fazendo um paralelo com os meios de comunicação, a Internet e as redes sociais não excluíram nenhum formato anterior. Houve, sim, uma reorganização do mercado com cada veículo ocupando um papel na vida da audiência. Hoje, uma pessoa acorda e acessa as redes sociais em seu celular. Liga a TV ao tomar café da manhã, ouve o rádio no caminho do trabalho e acessa o portal de notícias de seu notebook no trabalho. Ou seja, surgiram novos formatos e cada um ocupou um lugar diferente na rotina do consumidor. Acredito que é o mesmo processo com as mudanças no varejo. Novos formatos surgem e obrigam os tradicionais a rever seus modelos de negócio”.

E assim vem acontecendo! Muitas indústrias já estão operando como varejista, oferecendo ao consumidor a possibilidade de comprar seus produtos diretamente da marca. Roupas, calçados e eletrônicos que antes eram encontrados em lojas multimarcas ou grandes players (seja on ou offline), já podem ser comprados em e-commerces próprios, criando um vínculo direto com o consumidor.

O que parece uma estratégia natural, e até óbvia, requer muito cuidado, afinal, ela pode afetar diretamente a relação indústria x distribuidor (revendedor ou franquiado), que ainda é muito importante para o desempenho da indústria no Brasil. Pois como bem lembrou Alexandre Brunchport, gerente de telesales e e-commerce da Würth do Brasil Peças de Fixação, “a indústria não tem o expertise do varejo e quase a totalidade da sua venda depende do sistema de distribuição tradicional”.

Mas existem formas de minimizar o impacto que uma loja virtual própria pode trazer aos distribuidores da marca. Estratégias essas que, na verdade, podem fazer com que os demais canais promovam o e-commerce e que todas as frentes de venda sejam aliadas e não concorrentes. Uma delas, e que muitas empresas vêm adotando, é a de comissionar o representante mais próximo ao CEP do comprador.

Assim, o cliente compra na loja própria da marca, que se responsabiliza por todo o processo de venda, entrega e faz o pós-venda, mas a comissão vai para o lojista mais próximo do cliente. Ao perceber que o e-commerce não acaba com seu negócio e ainda pode render lucro sem que ele ao menos realize a venda, o representante se torna um aliado, incentivando também a compra por aquele canal.

Outra forma parecida de envolver o distribuidor no e-commerce da marca é trabalhando no formato B2B2C (business-to-business-to-consumer), também chamado de e-commerce descentralizado. Nele, a indústria transfere a compra realizada no site para o representante mais próximo ao CEP do comprador. Diferentemente da estratégia anterior, nesta o representante fica responsável por todo o processo.

A indústria realiza as vendas em seu site e entrega a receita (transação financeira creditada online na conta/CNPJ do distribuidor) e o pedido pronto para que ele possa finalizá-lo. Assim, o representante fica responsável pela armazenagem dos produtos, picking, packing, faturamento e entrega dos pedidos. Esse modelo também evita conflito entre a indústria e a rede de distribuidores, pois a política comercial é igual para todos os representantes.

Oferecer condições e opções únicas em sua loja é outra forma de não concorrer diretamente com a sua rede. Por exemplo, criar kits especiais de produtos que o grande varejista não oferece ou um sistema de pontos e vantagens. Por vender o produto de uma forma diferente da oferecida pelo varejo, a indústria minimiza o problema do conflito de canais. Outro ponto que pode ser explorado em uma loja própria da marca é o comércio de linhas que têm pouca saída na rede de distribuidores, mas que estarão sempre disponíveis ali para quando o cliente desejar. É possível trabalhar também com a customização de produtos.

Ser responsável pela fabricação e pela venda dá essa possibilidade, que não existe no revendedor, uma vez que ele já recebe o produto pronto. Muitas vezes, o maior objetivo da loja online da marca não é aumentar as vendas. O foco desse novo canal é fortalecer os demais e criar vínculo com o consumidor. Esse é o caso da loja virtual da Samsung.

Como explica Juliana Errerias, gerente de marketing da loja online, “o objetivo é criar mais um ponto de contato da empresa com seus consumidores e facilitar o processo de decisão no momento da compra, uma vez que no espaço virtual os consumidores têm a oportunidade de esclarecer todas as dúvidas sobre os produtos”. Alexandre Lopes, diretor comercial da Bridgestone, também frisa a importância de explorar a própria marca para além das vendas: “Com nosso e-commerce, buscamos aumentar positivamente a presença da marca e fortalecer os demais canais de comercialização; o aumento das vendas é uma consequência desse trabalho”.

Mas entrar no ramo do varejo, talvez, não seja uma regra  para todas as indústrias em tempos de e-commerce. É preciso analisar o mercado, o público e quais seriam as reais vantagens de adentrar nesse novo setor e as dificuldades que isso implicaria. Patrícia Amaro explica que, no seu ramo, disponibilizar um e-commerce próprio para o público não traria vantagens à empresa, já que o público que compra seus produtos online busca conveniência e, portanto, deve encontrar todos os itens que procura em um só lugar.

“É por isso que não está nos nossos planos desenvolver a venda direta de produtos da Unilever, pois ao comprar no varejista o consumidor poderá encontrar todos itens de sua lista de supermercado ou farmácia – que inclui produtos que vão além das nossas categorias”, explica. Mas a diretora esclarece que isso não significa que a empresa esteja apenas preocupada em produzir e vender para seus distribuidores.

Confiança: o x da questão

Por que a entrada da indústria no varejo vem sendo uma receita de sucesso para muitos? Para Antônio Vergara Gomes, gerente-geral da Omega Engineering Brasil, a resposta está na junção da comodidade inerente ao e-commerce, com o respaldo de uma equipe técnica, pronta para ajudar com dúvidas ou qualquer problema. É a tal da confiança. E nesse cenário, fica a dúvida: a confiança do consumidor está mais ligada à marca ou ao varejista? Isso influencia na hora de escolher onde realizar a compra?

Há quem afirme que a confiança está estritamente atrelada à marca. Isso porque ela traz a ideia de especialistas no produto, de um suporte técnico mais rápido e de um atendimento ao cliente mais eficiente e menos burocrático. “Nada melhor do que comprar direto da marca, na loja da empresa, para ter tranquilidade, garantia, suporte e assistência”, aponta Antônio Vergara. Outro ponto de vista defendido é que ambas as marcas são importantes: da indústria e do varejista. Quando elas estão atreladas, fica mais fácil ganhar a confiança do consumidor. É vital mostrar ao revendedor que a imagem dele é importante e que ela afeta diretamente a marca que revende.

“Confiança é algo que se constrói em muitos anos e que se destrói em poucos instantes. Da mesma forma que os revendedores influenciam na construção, influenciam na destruição de uma marca. Não creio que seja possível desvincular totalmente a confiança em determinada marca da sua rede de distribuição. Mas marcas globais, com um passado de ética e seriedade, têm maior probabilidade de conseguir esse feito e, consequentemente, maior probabilidade de atrair consumidores para a web”, opina Alexandre Brunchport.

A gerente de marketing da loja online da Samsung concorda: “A confiança do consumidor passa pelas duas partes. Primeiro, ele irá buscar produtos de uma marca em que confia; depois, irá procurar um canal de vendas que ofereça segurança, confiabilidade e as melhores condições”. O que o futuro reserva? A realidade é que neste cenário de crise econômica, cheio de incertezas, é preciso se reinventar constantemente.

É necessário estar atento ao balanço da maré para mudar de direção quando for preciso – para tentar, arriscar e tentar de novo, de um jeito diferente. Em um mundo cada vez mais conectado, mobile e veloz, é preciso prestar atenção às mudanças do mercado e do comportamento do consumidor. Trabalhar o omnichannel para fazer de todos os seus canais uma referência, e um dando suporte ao outro, é uma das estratégias mais visadas para os próximos anos.

É preciso priorizar a experiência do cliente, sabendo que os caminhos que levam à compra serão cada vez mais imprevisíveis. Buscar flexibilizar os processos do seu negócio, a fim de aumentar a velocidade de ação, é outra medida para acompanhar as mudanças constantes. Também é importante promover a cultura do risco, estabelecendo um ambiente propicio à descoberta de novos formatos.

“O e-commerce será cada vez mais um canal de vendas que aproximará o cliente da indústria, entenderá os hábitos de consumo e contribuirá para melhoria da distribuição para chegaremos ao consumidor onde ele estiver”, esclarece o diretor comercial da Bridgestone. Esta é a fase inicial e tem espaço para todos – algumas indústrias estão desenvolvendo a venda direta, varejistas estão fortalecendo marca própria, está havendo aumento do número de marketplaces etc.

O mercado brasileiro, neste momento, é um ambiente de experimentação, onde todos se preocupam em aprender e agir rapidamente, visando à retenção do consumidor. Com o tempo, cada empresa vai se posicionar melhor e encontrar seu foco de atuação; com isso, as relações também ficarão mais claras. “É uma cadeia e precisamos trabalhar juntos para que o canal se consolide como um gerador de valor para o consumidor, e isso só acontecerá através de cooperação. Muito mais do que grandes definições, neste momento, queremos acompanhar as mudanças de mercado sempre com objetivo de entregar o que o consumidor quer”, explica.

Patrícia Amaro.Gordon Selfridges. Na loja física, ou no ambiente virtual, o que vale é entender a jornada do cliente e surpreendê-lo, seja qual for o canal que ele escolher. “Como qualquer mudança de estratégia e cultura, de nada valem os esforços se o varejista não tiver coragem e boa autoestima, pois vai errar muito até acertar a mão”, finaliza Ricardo Cabianca.