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Direito de arrependimento não se confunde com uso do produto

Por: Ezequiel Frandoloso

É advogado em São Paulo, especialista em Direito do Consumidor, Civil, Empresarial e Constitucional de Frandoloso Sociedade de Advogados.

O direito de arrependimento – disposto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – é uma possibilidade conferida em compras feitas longe do estabelecimento comercial (internet, telefone etc). Tal direito é amplo, de modo que o consumidor possa “usar” o produto no período de reflexão?

A faculdade disposta em lei diz respeito a compra feita longe da loja física, exceto, na nossa opinião, de compra de produto sob encomenda e em situações em que o consumidor tem o contato com o bem antes da aquisição. Hipótese essa que o consumidor não terá surpresa quando do recebimento do produto adquirido, pois, neste caso, terá feito uma compra preordenada e refletida.

Superada tal hipótese, indagamos se o consumidor tem direito a solicitar o cancelamento da compra de um produto adquirido fora do estabelecimento quando ele “usa” ou “usufrui” do produto no período reflexivo?

Trazemos aqui situações práticas de produtos de uso íntimo, às vezes de uso diário, como é o caso de colchão, também de sapato ou de roupa. Imaginemos que o consumidor compre um desses produtos pela internet, por telefone ou, ainda, na sua residência (sem teste do produto). O consumidor poderia, após a entrega do produto, “usá-lo” e, dentro do prazo de arrependimento, em caso de não adaptação ao bem, devolvê-lo ao fornecedor?

Em tempos em que o comércio eletrônico está em expressiva expansão, em todos os segmentos, é corriqueira a solicitação de cancelamento de compras dentro do prazo de reflexão. Porém, tal direito, destaca-se, decorre do fato de o consumidor não ter tido a oportunidade de “experimentar” e “apurar” a qualidade do produto como comumente ocorre quando vai à loja física.

Pensemos na hipótese do consumidor que vai até uma loja de colchões ou de vestuário, por exemplo, e ali “experimenta” e verifica a qualidade do produto. Tais circunstâncias são avaliadas no momento da aquisição e não há uso contínuo ou diário do produto visto e experimentado. O que há é uma experiência.

Nossa reflexão, portanto, reside na possibilidade ou não de “uso” do produto pelo consumidor dentro do período de reflexão. Não nos parece razoável que o consumidor que compre um produto pela internet, por telefone ou até mesmo no conforto de sua casa possa solicitar cancelamento da compra após recebimento do bem na situação de “uso” no período de reflexão.

Comumente, nem mesmo o consumidor que compra o produto presencialmente terá direito a “usá-lo” (quem compra presencialmente tem direito de “experimentar” e apurar a qualidade do bem). Portanto, não é razoável exigir do fornecedor que cancele a compra de um produto que é “usado”.

O consumidor tem o direito de “experimentar” e apurar a qualidade, mas não poderá “usufrui-lo” no período de 7 dias. Pois aí, o prejuízo do fornecedor será flagrantemente superior ao risco do negócio. Uma vez que, nas situações de cancelamento regular, o produto voltará ao mercado. Já na hipótese de “uso” de sapato ou colchão no período de reflexão, por exemplo, tais produtos não terão condições de voltar ao mercado como se novos fossem.

E aqui vale citar a questão ambiental, pois se o consumidor usar o produto e obter, seja de forma extrajudicial ou judicial, o cancelamento do negócio, o produto não mais será considerado novo e não mais será colocado à venda.

Isso fará com que a empresa provavelmente o descarte, ensejando, dessa forma – em tempos de largo crescimento das vendas eletrônicas – aumento significativo de prejuízo na esfera ambiental, mesmo levando em consideração a política de logística reversa, a qual, frise-se, está cada vez mais presente na rotina de milhares de empresas preocupadas com o cenário ambiental.

Portanto, não há dúvida de que é equivocada a interpretação no sentido de que o consumidor, durante o período de reflexão, possa usar e usufruir do produto. Repetimos: o consumidor poderá apurar a qualidade e “experimentar” o produto, o que é bem diferente de “usá-lo” no período reflexivo.

Nesse sentido, citemos recente decisão judicial prolatada pela D. Juíza Michelle Fabiola Dittert Pupulim, Processo nº. 0007297-59.2017.8.26.0003, Juizado Especial Cível do Foro Regional de Jabaquara-SP, a qual crava que

“o direito de arrependimento é verdadeiro prazo de reflexão. Tem por objetivo proteger o consumidor de práticas comerciais agressivas e do fato de desconhecer o produto que foi adquirido. Todavia, prazo de reflexão não se confunde com a possibilidade de teste de produto. Ademais, a autora apenas comprova a reclamação do produto em julho de 2017, meses após a aquisição. Para a desistência do vínculo obrigacional, liberando-se das obrigações assumidas, a parte autora deveria devolver o produto como o recebeu”.

Vê-se que a decisão da justiça paulista orienta que o “prazo de reflexão não se confunde com a possibilidade de teste do produto” e que, para ter direito ao cancelamento, o consumidor deve “devolver o produto como o recebeu”.

Entendemos, portanto, que o direito de arrependimento não significa direito a uso do produto no período reflexivo e sua aplicabilidade ampliativa prejudica de forma demasiada não só o fornecedor como também o meio-ambiente em época que devemos priorizá-lo e melhor refletirmos acerca do consumo sustentável (mesmo levando-se em conta a política de logística reversa).