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Desperte suas fontes de receita adormecidas

Por: Simon Jury

Diretor da dunnhumby na América Latina. Profissional de ciência de do consumidor com 20 anos de experiência liderando equipes, negócios em crescimento e criando valor comercial a partir de programas de análise de dados para os setores de varejo, FMCG, CPG, telecomunicações e finanças. Já atuou liderando negócios na Índia, China e Japão.

A pandemia acelerou um processo que já vinha se desenhando no varejo latino-americano. A pressão sobre as margens de operação das empresas e fontes de receita se tornaram ainda maiores em um ambiente de lojas físicas fechadas e migração do consumo para canais online – em que o preço é um fator de decisão de compra ainda mais importante.

No setor de grocery, a típica margem EBIT das empresas varia entre 2% e 3%. Isso significa que qualquer stress adicional sobre a estrutura de custos, como interrupções na cadeia de suprimentos – que ampliam os níveis de ruptura – ou mudanças repentinas no comportamento dos consumidores – que podem gerar perdas adicionais, especialmente em produtos perecíveis – pode ter um efeito devastador sobre a última linha do balanço.

A abordagem tradicional do varejo à ameaça trazida pelas baixas margens é reforçar seus controles financeiros e ser cada vez mais rigoroso nas negociações com fornecedores. Isso cria uma “corrida para o fundo”, em que, para se manter competitiva em preços, a empresa precisa abrir mão da qualidade de seu serviço. No longo prazo, essa é uma situação que leva à derrota.

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Existe, porém, um outro caminho a ser percorrido: o caminho da criação de fontes adicionais de receita, baseadas em ativos de mídia e nos dados. Ao desenvolver novas possibilidades de geração de faturamento, o varejo passa a monetizar ativos que estavam até então adormecidos, o que muda a maneira como a empresa é vista pela indústria, por outros parceiros de negócios e pelos consumidores.

Os dados como uma nova fonte de receitas

Começando pela monetização dos dados de comportamento e consumo dos clientes, é preciso, em primeiro lugar, garantir que as informações coletadas respeitem as leis de proteção de dados, como a LGPD no Brasil ou a GDPR na União Europeia. Garantir o compliance com a estrutura legal de cada país é essencial para o uso ético dos dados.

O uso dos dados de consumo dos clientes permite que a indústria tenha acesso a um ativo que antes estava invisível: um entendimento mais profundo dos hábitos, necessidades e desejos do público. Especialmente em tempos instáveis como o que estamos vivendo, a capacidade de entender rapidamente os cenários de consumo e fazer alterações de rota é importante para obter melhores resultados.

Do ponto de vista do varejo, abrir seus dados para a indústria é um ganho duplo. De um lado, as empresas podem monetizar os resultados para orientar ações estratégicas de seus parceiros fornecedores. De outro, o próprio varejo é favorecido, já que a indústria passa a oferecer produtos mais assertivos, que impulsionam as vendas.

Parcerias entre varejo e indústria baseadas na coleta e uso de dados aliam dois mundos que até recentemente andavam separados. O varejo entende as lojas e os clientes melhor que ninguém, enquanto a indústria tem um entendimento inigualável de seus produtos. Ao unir essas duas visões complementares, varejo e indústria podem trabalhar juntas para criar novos produtos e entregar melhores experiências para os consumidores finais.

O varejo como um canal de mídia

Duas empresas globais de varejo lideram a tendência do varejo como mídia: Amazon e Alibaba. Nos dois casos, o imenso tráfego de clientes em suas plataformas faz com que seus sites ofereçam grande visibilidade para produtos e serviços ali anunciados.

A capacidade que essas empresas têm de entender o comportamento dos consumidores – a partir da análise de dados – dá a elas uma assertividade maior, que se traduz em uma publicidade mais dirigida e que traz mais resultados. Recebendo uma melhor experiência de compra, os clientes retornam mais, completando esse ciclo virtuoso.

É por isso que, segundo um estudo de agosto de 2020 da agência ChannelAdvisor, 53% dos americanos iniciam suas compras digitais pesquisando produtos na Amazon. Mecanismos de busca, como o Google, têm 23% e o site da marca ou varejista, apenas 16%. A Amazon concentra um imenso poder de editar a oferta e selecionar o que é relevante para cada cliente.

É por essa razão que, atualmente, cerca de 6% do faturamento global da Amazon vem da venda de mídia. A empresa opta por reverter esse volume em corte de preços, o que aumenta sua competitividade, gera mais vendas e atrai mais mídia.

Essa fonte de receita, porém, não é exclusividade do mundo digital. As lojas físicas continuam sendo uma ferramenta poderosa, que atraem um grande fluxo de clientes e oferecem a possibilidade de edição do sortimento e apresentação de lançamentos da indústria. Com uma grande vantagem adicional: uma margem muitas vezes superior àquela obtida com a venda de produtos para os consumidores.

As margens do varejo grocery são tão apertadas que a venda de espaço na loja física ou no e-commerce gera uma nova fonte de receita com uma margem muito mais ampla, que financia novos investimentos e aumenta a competitividade do varejista.

A britânica Tesco é um excelente exemplo de uso desse conceito: das portas dos freezers que conservam bebidas e alimentos às prateleiras das gôndolas, passando por telas espalhadas pela área de vendas, as alternativas são inúmeras.

O que estamos esperando?

Se há vantagens tão claras na adoção de novas fontes de receita pelo varejo, porque ainda não vemos isso acontecer em grande escala no varejo latino-americano? Em primeiro lugar, é importante dizer que temos visto iniciativas em diversos mercados da região, como México, Colômbia e Brasil. Esses testes, porém, ainda ocorrem de forma tímida, utilizando recursos marginais.

Para gerar impulso e realmente transformar a maneira como o varejo grocery utiliza seus ativos, é preciso que o board das empresas compreenda o potencial de transformação de negócios e aumento de lucratividade que se pode obter. Em um cliente nosso na Colômbia, em menos de oito meses foi desenvolvido um projeto que duplicou a receita gerada com mídia in-store.

Na maioria dos casos, porém, o varejo é um gigante adormecido, que ainda não percebeu que pode monetizar uma quantidade imensa de dados e criar fontes de receita. Em todo o mundo, apenas cerca de 80 varejistas têm projetos avançados nesse sentido.