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Cross Border no e-commerce: a rota das especiarias e alternativa à crise

Por: Alice Wakai

Jornalista, atuou como repórter no interior de São Paulo, redatora na Wirecard, editora do Portal E-Commerce Brasil e copywriter na HostGator. Atualmente é Analista de Marketing Sênior na B2W Marketplace.

Em um ano conturbado no qual a palavra-chave é “incerteza”, os varejistas e-commerce  começam a vislumbrar uma luz no fim do túnel com o Cross Border. O chamado “comércio transfronteiriço” já alcança mais de 94 milhões de pessoas em todo o mundo e faturou cerca de US$ 105 bilhões de dólares em 2013, segundo a pesquisa “Modern Spice Routes: the cultural impact of Cross Border Shopping” do Paypal.

O mesmo estudo revela que os consumidores dos Estados Unidos, China, Alemanha, Reino Unido e Austrália compraram R$ 1,5 bilhão de produtos de lojas brasileiras em 2013, e que vendas de lojas virtuais brasileiras devem movimentar R$ 4 bilhões por ano no mundo até 2018.

Com a alta do dólar, destinos que não tiveram depreciação em suas moedas, como a Ásia, também tendem a ser boas oportunidades de exportação. Estima-se que nessa região 51% dos e-consumidores tenham adquirido, de outubro de 2014 a outubro de 2015, produtos somente em sites brasileiros, segundo outra pesquisa mais recente do Paypal realizada com o Ipsos.

Para o secretário de Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Marcelo Maia, o cenário mostra o amadurecimento do e-commerce brasileiro. “Além do crescimento do mercado doméstico, o setor do varejo e os consumidores brasileiros estão cada vez mais vendendo e comprando em plataformas online, tanto no âmbito do mercado interno quanto no mercado externo”, aponta o Secretário.

Ampliar a base/carteira de clientes significa correr menos riscos e melhorar a independência financeira do lojista, além de ser uma grande vantagem competitiva. Vender para os estrangeiros também ajuda a solucionar um dos grandes gargalos do e-commerce: a sazonalidade. Sem a preocupação com estações do ano ou problemas de instabilidade econômica, o varejista consegue oferecer seus produtos ou serviços praticamente o ano todo e controlar melhor seu fluxo de caixa. “Existe um grande interesse de diversos países em ter acesso ao nosso mercado e o comércio eletrônico se apresenta como uma das ferramentas mais importantes para isso”, aponta o secretário.

O cross border também incentiva a melhoria do produto ou serviço, uma vez que o negócio virtual precisa se adaptar às exigências do mercado de destino, adquirir novas tecnologias e rever os processos produtivos e criativos a fim de aumentar o volume e a qualidade. Com isso, o custo dos serviços e fabricação das mercadorias tende a diminuir, tornando os negócios virtuais mais competitivos e aumentando a margem de lucro.

Mesmo com todas as condições ao seu favor, o empreendedor precisa tomar cuidado com uma série de questões como: legislação internacional, políticas tarifárias, meios de pagamento, logística direta e reversa, treinamento e informação sobre exportação online.

No mercado interno, o Secretário aponta a infraestrutura logística, os custos fiscais-tributários, as relações trabalhistas, a qualificação profissional e os meios de pagamento como alguns desafios a serem superados. “Tanto o governo quanto o setor privado, têm como desafio criar um ambiente que possibilite e incentive a expansão da cultura da economia digital no País. Superar esse desafio do ponto de vista do governo e do setor privado passa, respectivamente, pela construção de condições que fortaleçam a confiança do empresário e do consumidor”, afirmou Maia.

O secretário entende que a ampliação do cross border está intimamente relacionada ao desenvolvimento de uma cultura exportadora que seja capaz de incentivar os empresários nacionais a entenderem o processo de exportação e buscarem novas oportunidades de negócio fora do Brasil através da internet. Para isso, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior cirou o Fórum de Competitividade do Varejo em maio do ano passado. “O Fórum vai discutir as possibilidades de usar e adaptar políticas europeias no Brasil, entre outros temas como os impactos da Emenda Constitucional nº 87/2015 e a “lei da entrega” (projeto de lei em debate no Congresso Nacional que busca estabelecer regras mínimas para entrega de bens e serviços)”, disse.

Além disso, a Secretaria de Comércio e Serviços em parceria com a Agência de Promoção às Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) trabalha na identificação de demandas nos mercados internacionais e empresas brasileiras com maturidade e perfil exportador. “Assim buscamos promover maior inserção internacional de nossas empresas varejistas, não só por presença física, mas, principalmente, se utilizando de todas as ferramentas e facilidades que são disponibilizadas pelo comércio eletrônico”, finalizou o secretário.

Regras de exportação variam de país para país

No ano de 2015, foram exportados mais de 1.750 tipos de produtos diferentes (NCMs), para 190 países, segundo os Correios. A empresa estima que o valor médio de produtos exportados via Exporta Fácil em 2015 tenha sido de US$ 450 dólares, sendo o valor médio mais alto por NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) US$ 38 mil dólares e o menor valor médio, US$ 3 dólares.

Com exceção das substâncias classificadas como perigosas pela IATA (Associação Internacional de Transportes Aéreos), como explosivos e inflamáveis, é possível exportar quase de tudo. Entre os principais produtos que já passaram pelo Exporta Fácil estão: instrumentos de ótica, fotografia, medida, instrumentos médico-cirúrgicos, artefatos de joalheria, metais preciosos, bijuterias, instrumentos musicais, vestuário, materiais elétricos, produtos farmacêuticos, livros, jornais, artigos de viagem, e muitos outros.

“Quando se fala em comércio internacional, o empresário logo imagina um processo com excesso de burocracia e custos administrativos elevados, o que muitas vezes não é real. Além disso, temos um mercado consumidor interno muito grande, que influencia na decisão de empreender ou não em mercados externos”, aponta Daniel de Oliveira Santos, gerente Corporativo de Negócios de Exportação dos Correios.

Mesmo diante de condições favoráveis, é preciso ficar atento às políticas de exportação de cada país, que respeitam acordos internacionais específicos. Ao sair do Brasil o produto ingressa em um outro Estado com regras que podem ou não coincidir com as brasileiras (como prazo de arrependimento, devolução, garantia, segurança, etc).

No caso da Espanha, por exemplo, além do cuidado com os direitos dos consumidores, é preciso levar à risca a regra de fornecimento de informações como: características das mercadorias, identidade do empresário (incluindo detalhes relativos ao nome registrado do empreendedor, troca de nome completo, endereço e número de telefone), preço total do produto, incluindo todos os impostos, encargos e garantia, existência de uma declaração de que as mercadorias estão em conformidade com o contrato, a existência e os termos de quaisquer serviços de pós-venda e garantias comerciais; e, informar a existência do direito de arrependimento que o consumidor possui (14 dias corridos).

“Se um e-commerce brasileiro, sem uma operação local na Espanha quer vender seus produtos no mercado espanhol, deve se adaptar aos termos e condições do seu site à legislação espanhola, adequando-se ao Decreto Real Legislativo 1/2007, de 16 de novembro, que aprovou o texto consolidado da Ley Defensa Consumidores y Usuarios”, orienta José Baños, sócio-fundador do Letslaw (escritório especializado em negócios digitais).

Já nos Estados Unidos, é importante se atentar aos contratos que estão disponíveis online, como termos de entrega, termos de serviços, políticas de entrega, reembolso e até pagamentos, pois é da cultura do americano acompanhar e ler atentamente todos os contratos expostos no site. “Há de se salientar que os EUA não contam com uma legislação de defesa do consumidor (como o CDC, que existe no Brasil), fazendo com que os termos de uso passem a ter uma relevância maior”, aponta Julia Cheng, sócia do CyberLawStudio PLLC, escritório especializado em negócios digitais nos Estados Unidos.

Para não correr riscos, o ideal é estudar minimamente os mercados para onde você vai exportar: fazer uma análise preliminar conjunta da venda para o exterior, verificar a legislação aduaneira nacional, a incidência de tributos na operação, o funcionamento da alfândega e as leis ligadas ao consumidor. Se a operação envolver determinado risco passível de discussão, ou o lojista precisar consultar órgãos governamentais o mais indicado é pedir suporte de um advogado local.

“Um acordo internacional, por exemplo, poderá prever alíquota inferior ao teto mínimo aplicado nacionalmente, pois eventualmente o Governo poderá ter o desejo de fomentar a exportação. Também poderá evitar que haja dupla incidência de imposto. De forma geral, sobre a operação de venda originada no Brasil com destino ao exterior, a alíquota de ICMS e ISS é zero, e também não incidem PIS/COFINS, nem IPI”, aponta o advogado especialista em direito digital, Márcio Cots.

O especialista explica que é preciso analisar três elementos: o que se pretende exportar, a modalidade do transporte e o custo do produto. Dependendo das respostas, existirá maior ou menor burocracia e melhor o custo para a operação. “Um ponto positivo é que o Governo Brasileiro costuma incentivar a exportação de produtos, muitos com alíquotas zero, bem como estabelece regras menos rigorosas para o envio dos produtos, o que facilita a vida do vendedor”, aponta Cots.

Pesquisa e foco também são palavras-chave nesse momento, afirma Alex Tsai, Diretor de Marketing e Desenvolvimento de Negócios da LATAM do Alibaba.com. “Um produto que vende muito bem no seu país, não necessariamente tem o mesmo apelo em outro lugar do mundo, por isso é crucial investir tempo e energia pesquisando o potencial dos mercados estrangeiros”, aconselha. Além disso, Tsai aconselha começar com um único mercado para analisar o alcance, testar, aprender e escalar a operação.

Do ponto de vista da proteção do consumidor há grandes similaridades entre a legislação dos países com a mesma tradição jurídica, como, por exemplo, a anglo-saxã. A Organização das Nações Unidas (ONU) possui modelos de leis que podem servir de parâmetro ou matéria-prima das leis nacionais, o que certamente produz alguma padronização na legislação de vários países, informa Cots.

Essas similaridades também devem ser aproveitadas. Mesmo que o sistema de negócio de um determinado país não seja idêntico ao do seu, você deve se familiarizar o suficiente para conseguir assegurar smooth, seamless e business discussions. “Leve em consideração barreiras de negociação, proximidade, moeda e cultura; procure por homogeneidade – quanto menor forem as diferenças entre o seu país e o país para onde você vai exportar, mais fácil será fazer negócios por lá”, aponta Tsai.

No aspecto tributário ou fiscal, a questão fica mais complexa, pois cada Governo conta com interesses políticos e econômicos bastante diversos. “Quando um consumidor espanhol compra on-line um produto de uma empresa estrangeira, esta empresa deve cumprir com as disposições legais estabelecidas no código aduaneiro comunitário (Regulamento Nº 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro 2013). Isso significa que o conhecimento da legislação espanhola é essencial para quem deseja vender naquele país”, explica Baños.

Para tentar harmonizar as regras entre os Estados é importante olhar para o papel dos acordos internacionais e blocos econômicos, que pretendem desburocratizar e viabilizar o comércio internacional entre países com ordenamentos jurídicos tributários distintos. “Pense em estratégias locais e torne o seu negócio contextualmente relevante: ter um website, descrições dos produtos e apresentar o serviço na linguagem local são algumas considerações cruciais quando estiver expandindo o seu mercado para vendas internacionais”, diz Tsai.

Em regra, todos os países incentivam a venda para o exterior dos seus produtos. Por outro lado, a tributação incidente sobre a entrada de produto importado dependerá da análise econômica que o destinatário exige. Os produtos importados serão analisados em sua essencialidade quando chegarem ao destino, se há produto similar dentro do País, entre outras medidas de políticas econômicas que são peculiares de cada nação.

O varejista precisa definir os países que serão atendidos para a análise dos tributos previstos no País de destino. “Para determinar internamente os custos da importação, a Receita Federal disponibiliza um simulador, no qual ele insere o NCM do produto, o valor aduaneiro, e a moeda do País de destino. A simulação estimará o valor que o empresário pagará para importar (incluídos tributos e taxas administrativas)”, finaliza Cots.

Fraude versus confiança nas relações humanas

Um dos grandes obstáculos nas vendas cross border é o medo da fraude e do roubo de identidade. De acordo com a pesquisa do Paypal, citada no início da matéria, sete em cada dez consumidores apontaram o medo de fraude e roubo de identidade como principais razões para não comprarem de e-commerces estrangeiros, sendo os australianos os mais receosos (73%), seguidos pelos alemães (63%).

E os receios dos varejistas vão ao encontro dos medos dos consumidores. “Nosso dia-a-dia revela que a preocupação do varejista também ronda questões de segurança e fraude. Assim como o consumidor, o varejista que vende para o exterior também possui inseguranças quanto ao recebimento do valor negociado”, disse Renato Lage, gerente de Vendas do PayPal Brasil.

O executivo explica, no entanto, que este medo pode ser resultado da falta de informação do lojista a respeito do sistema de gestão de risco e segurança dos pagamentos online, que geralmente é bastante simples e eficiente. “Quando o consumidor realiza uma compra em site internacional, geralmente o valor é disponibilizado em até 24 horas para o varejista, que tem a opção de resgatar o montante para uma conta bancária ou utilizá-lo para fazer compras em outros sites que aceitem aquele sistema como forma de pagamento. Nesses casos não é necessário ao vendedor ter um adquirente, sistema de antifraude ou gateway”, diz Renato.

À frente de uma pequena agência de traduções (Verve) especializada em legendagem institucional e interpretação, Raquel Lucas de Sousa cita a desconfiança do cliente como um fator cultural. “Quando fazemos negócios no exterior, a confiança por parte do cliente é muito mais recorrente. Com o avanço da internet e das redes sociais também fica mais fácil deixar as relações com o cliente mais claras”, aponta Raquel.

Também é fundamental que o consumidor consiga entender o conteúdo e as informações do produto/serviço que ele quer comprar, alerta Raquel. “Esse assunto foi tema de uma apresentação do Sebrae durante uma coletiva que fui em Janeiro. Eles relataram a extrema importância de ter o site (e-commerce) bem localizado (traduzido) para o idioma do cliente alvo. É um item que impacta no resultado direto das vendas”, diz a empreendedora.

Raquel, que está há 8 anos no mercado de tradução, já recebia pagamento de clientes do exterior quando ainda era freelancer em início de carreira, muito antes de existirem meios de pagamento eletrônicos internacionais. “Hoje em dia temos muitas opções de empresas que processam pagamentos internacionais na Europa, Estados Unidos e outros países com tarifas de serviços bastante competitivas”, conta Raquel.

O empreendedor, Marcelo Crux, fundador da Crux Ecoventura, empresa que oferece passeios e experiências turísticas no Rio de Janeiro concorda com a afirmação da Raquel. No e-commerce desde 2014, ele atende cerca de 2 mil turistas, sendo 85% deles estrangeiros. “Não temos desvantagens neste modelo. A única vantagem é que o cliente internacional é muito mais conhecedor dos seus direitos e deveres e tem massa crítica, questionando menos, pois sabem mais”, aponta Marcelo.

Para quem precisa fazer entregas no exterior, uma dica importante é fazer perguntas como: “Meu produto é “entregável” no exterior?”, “O endereço fornecido pelo consumidor é válido?” ou “Quem vai manusear o meu produto?”. Ao procurar estas respostas o lojista tende a ter menos problemas de logística reversa. Buscar por empresas de entrega que possuem relações consolidadas com alfândegas no país de destino também é outra forma de melhorar a entregabilidade de sua mercadoria.

Vender no exterior não é só um privilégio de grandes players como Amazon ou Alibaba. O avanço da tecnologia para e-commerce na área de atendimento, pagamentos, marketing, operação e logística é um bom sinal de que existem sim alternativas para escapar da crise e melhorar suas vendas. E no contexto do atual que vivemos no Brasil não custa nada tentar.

Matéria publicada originalmente na Revista E-Commerce Brasil de Junho.