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Crise da Americanas Marketplace: o que o lojista pode tirar como lição?

Por: Cláudio Dias

Co-founder e CEO da Magis5

Co-founder e CEO do Magis5, possui vasta experiência em varejo e e-commerce. Formado em Direito e com MBA, também tem uma formação consolidada em gestão e governança de empresas tech.

Entre os dias 19 e 22 de fevereiro, a Americanas S.A., antiga B2W, foi alvo de um ataque cibernético que correspondeu a um prejuízo enorme para toda a companhia, esta que é composta pelos marketplaces americanas.com, Submarino e Shoptime.

Durante esses quatro dias dos seus sites fora do ar, a Americanas teve um prejuízo que chegou a quase R$ 3,5 bilhões, de acordo com levantamento da Economática.

Essa invasão traz prejuízos imediatos ou a longo prazo para toda a empresa, seja de receita direta, seja com imagem e reputação. No caso da Americanas, até sua volta total ao ar, a empresa perdeu 12% em valor de mercado.

Sofrer um ataque cibernético de tamanha magnitude acaba afetando não apenas o marketplace, mas todos os vendedores que são cadastrados em sua base, já que suas contas e, consequentemente, seus lucros – ou parte deles – congelam.

Pensando nisso, o foco deste conteúdo é mostrar o que se pode tirar de lição desse cenário para que a loja virtual não sofra com a dependência de canais de venda.

Para começar, no entanto, vamos mostrar como, de fato, esse ataque influenciou no posicionamento de um dos maiores marketplaces do Brasil. Como afinal era a Americanas Marketplace antes da crise?

Panorama pré-crise

Segundo dados do Relatório Setores do E-commerce, da Conversion, agência de Search Engine Optimization (SEO) de 2022, 10 principais marketplaces do Brasil acumularam ao todo mais de 700 milhões de visualizações.

O primeiro da lista é o Mercado Livre, que corresponde a 30% das buscas feitas pelos brasileiros e, em seguida, aparece a Americanas, com 16% das buscas orgânicas realizadas mensalmente.

Um dado interessante de ser citado é que a busca orgânica ou o SEO continua sendo o principal canal de tráfego para o e-commerce brasileiro, correspondendo a 27,2% dos acessos.

Como é possível perceber pela imagem abaixo, a Americanas segue tendo um bom volume de tráfego mensal de 170 milhões de acessos, mantendo-se entre os maiores.

Gráfico representando o tráfego anual dos principais marketplaces do Brasil

Em relação às categorias mais relevantes na plataforma em um panorama pré-crise, os hotspots apontam um ticket médio moderadamente baixo. São eles:

  • Jogos de panelas;
  • Jogos de tabuleiros;
  • Papelaria;
  • Itens de mercado;
  • Cama, mesa e banho;
  • Decoração;
  • Entre outros.

Segundo os relatórios de fechamento trimestrais, entretanto, podemos observar que criar estratégias para aumentar o ticket médio dos produtos é um foco na empresa, que busca, por meio de ações e campanhas em veículos de contato com um grande público, como o Big Brother Brasil, anunciar produtos e promoções em anúncios com os preços mais elevados, como o segmento de eletrodomésticos.

Outro dado interessante de ser citado é o GMV, Gross Merchandise Volume ou Volume Bruto de Mercadoria. Basicamente serve para as empresas identificarem quanto de receita foi gerado pelos seus canais digitais em um período de tempo específico.

Segundo dados que foram divulgados através da Central de Resultados Americanas, no primeiro trimestre de 2021, o GMV era de R$ 8,681 bilhões de reais até março. E no final de dezembro esse valor chegou a R$ 18,108 bilhões.

O GMV total do ano de 2021 das Americanas chegou ao valor de R$ 55,3 bilhões, um crescimento de 32,8% comparado ao ano de 2020.

A Americanas S.A estava crescendo e batendo recordes de faturamento, acessos e vendas, até que o ataque do hacker trouxe sérias complicações para o negócio.

Panorama pós-crise

Para ilustrar o impacto causado pelo ataque hacker à Americanas Marketplace, veja o gráfico retirado do site InfoMoney, que traz o intervalo dos dias 16 de fevereiro (antes do ataque) até o dia 21 de março, um mês depois.

Gráfico que ilustra os valores da ações da Americanas S.A (AMER3), do dia 16 de fevereiro a 21 de março

Como é possível perceber pela imagem, as ações da Americanas não pararam de cair desde o dia 16 de fevereiro de 2022 até o dia 15 de março.

Analisando o período exato do ataque cibernético, identifica-se que o valor das ações, no dia 18 de fevereiro, estava em R$ 33,72 e, em 22 de fevereiro – quando a instabilidade cessou -, chegou a R$ 29,79, havendo uma queda de 11,6%.

Aliás, mesmo após um mês do ataque cibernético, as ações continuaram tendo uma queda, atingindo R$ 23,25 em 15 de março – o valor mais baixo ao longo desse período.

Essa queda nas ações aconteceu paralelamente aos quase R$ 3,5 bilhões em prejuízo e, também, por consequência do aumento da desconfiança dos principais investidores em relação ao futuro do marketplace e o que ele faria para reverter a situação.

Para ficar ainda mais claro o quanto isso afetou os resultados da Americanas S.A, ainda com dados fornecidos pelo InfoMoney, fazendo um comparativo de fevereiro de 2021 e fevereiro de 2022, veja os números.

Em fevereiro de 2021, especificamente dia 22, as ações da Americanas possuíam o valor de R$ 87,45. Exatamente um ano depois, as ações chegaram a R$ 29,79 logo após o ataque, queda que revelou um declínio de mais de 65% das ações.

Gráfico comparativo da queda do valor das ações das Americanas nos meses de fevereiro de 2021 e 2020

Agora que apresentamos tudo o que aconteceu em termos financeiros com a Americanas, podemos passar para uma segunda parte da análise. O que é possível tirar de lição sobre esse acontecimento e aplicar à realidade de cada negócio?

É possível aprender com a crise da Americanas?

Um fato como esse não é uma experiência agradável de se passar, mas vamos focar no que se pode tirar de lição dessa crise, sob uma ótica do lojista que vende nos marketplaces.

Antes, é bom levantar a “bandeira branca”. Apesar da crise, o e-commerce permanece sendo uma potência dentro do mercado brasileiro e global, e as vendas por marketplaces correspondem a aproximadamente 80% do faturamento total do segmento.

Ter sua loja presente no mercado digital pode, e provavelmente irá, mudar os rumos do seu empreendimento e abrir seu estoque para uma demanda regional, e até nacional.

O e-commerce em geral registrou alta de 20,56% nas vendas apenas em janeiro de 2022, o que comprova que, mesmo com a reabertura total das lojas físicas, o comportamento do consumidor tende a considerar as vendas online.

A Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm) lançou recentemente uma projeção de que o segmento, em 2022, pode arrecadar R$ 169,5 bilhões de reais. Em 2021, o número fechou em R$ 150,8 bilhões, ou seja, um aumento de 12,4%.

O número de consumidores no comércio eletrônico também deve aumentar de 79,8 milhões para 83,7 milhões em 2022, segundo dados da mesma associação, e o ticket médio deve crescer de R$ 450 para R$ 460,00.

Agora que entendemos que crises acontecem e podem, até mesmo, fortalecer o setor, vamos dar uma olhada nas possíveis reflexões acerca dessa circunstância da Americanas Marketplace.

Não fique refém de um único canal de vendas

Existem alguns vendedores que preferem focar em apenas um ou poucos marketplaces. Isso não é um problema, desde que ele tenha consciência de que, em casos de suspensão temporária do servidor, como o que ocorreu com a Americanas, suas vendas serão paralisadas e seu faturamento, congelado.

E é nesse caso que entra o conceito de multicanalidade como alternativa eficaz para suprimir essa possibilidade imprevisível e incontrolável.

A multicanalidade é uma estratégia de vendas que tem como objetivo diversificar os canais de tração do seu negócio para que aumente o alcance do conteúdo gerado e diminua a dependência de uma determinada plataforma importante no funil de conversão.

Nessa estratégia multicanal, o cliente tem vários caminhos para findar uma compra, com experiências autônomas de cada canal.

O lojista, portanto, pode não apenas optar por vender em diferentes marketplaces, como ter um site para seu e-commerce e contas em redes sociais que se comunicam unicamente com o público.

As redes sociais, inclusive, são ótimas plataformas para reter o cliente e torná-lo fiel à marca. Além disso, são canais complementares que podem, dentre outras finalidades, humanizar uma empresa e estreitar a comunicação com o cliente.

Omnichannel: a loja física não morreu e pode ser uma boa opção para manter sua empresa forte

As estratégias omnichannel tentam, sobretudo, unir o mercado físico com o mercado digital, apontando que não deve haver uma rivalidade entre canais, mas uma complementaridade.

Pesquisas apontam que empresas que possuem estratégias omnichannel têm, em média, uma taxa de retenção de clientes de 89%. Além disso, consumidores visitam a loja 23% mais vezes quando utilizam mais de um canal de comunicação.

Portanto, ter uma loja virtual não anula a possibilidade, e a necessidade, de ter um ponto físico. Na verdade, o que deve ser feito é transformar um em complemento ao outro, unindo o online ao offline.

Alguns exemplos rápidos de omnichannel incluem a venda realizada no site e a retirada do produto na loja física, uso de totens digitais em pontos físicos para diminuir o acúmulo de filas, ou ainda a concessão de cupons de descontos no site para serem usados na compra de mercadorias nas lojas físicas.

Quais são os canais possíveis dentro do omnichannel

Para uma melhor compreensão, veja o case da Leroy Merlin, especialista em materiais de construção e produtos para casa. Através de um aplicativo, os clientes podem fazer a leitura dos códigos de barras dos produtos expostos nas lojas físicas.

Além disso, no site da loja, dá para saber se um produto específico está disponível em estoque e pronto para retirada na loja mais próxima do cliente.

E então, o case da Centauro, loja de artigos esportivos que também adotou as práticas do omnichannel. Nesse caso, os clientes podem efetuar suas compras, tanto pela loja física, pelo site, aplicativo ou por telefone.

Ela também oferece a possibilidade de que compras feitas online possam ser trocadas em qualquer loja física à escolha do cliente.

Segurança, segurança e segurança: talvez seja a hora para ter um manual antifraude

Não é uma tarefa fácil escolher a melhor estratégia de combate à fraude.

De fato, para escolher um bom manual antifraude, é necessário trilhar um caminho de quais são as reais prioridades. Para isso, o CEO da empresa Konduto criou o triângulo de equilíbrio do antifraude, uma organização visual que mostra como alguns critérios de risco se equilibram entre si.

Imagem que representa o triângulo do equilíbrio do antifraude

A informação que se pode tirar desse triângulo é que: equilíbrio é fundamental. É preciso buscar a harmonia entre todos esses índices.

Importante também ressaltar que, para cada e-commerce, é preciso encontrar seu próprio equilíbrio. O triângulo serve de base para essa análise, mas cada negócio é diferente, cada fraude por setor é diferente e, para se ter uma boa gestão, é preciso entender isso e conhecer bem o cenário.

Existem três tipos de manuais possíveis de serem escolhidos a depender da necessidade que precisa ser suprida pelo vendedor. São eles: análise manual, análise automática e revisão manual.

Uma das prioridades mais recorrentes dentro de qualquer processo de antifraude é a busca por uma taxa de chargeback baixa, que significa diminuir ou acabar com os cancelamentos de determinada compra feita pelo consumidor.

Porém essa etapa requer um diagnóstico muito mais detalhado no qual a análise manual faz parte. Sendo assim, para que um bom sistema de antifraude de análise manual funcione, ele precisa de ter adaptabilidade, atendimento personalizado, listas de regras flexíveis e ajustáveis.

O segundo manual já possui outra prioridade, que é a taxa de aprovação maior. Nesse caso, ela está diretamente ligada à velocidade em que o pedido é analisado e aprovado, então se aplica a análise automática.

O terceiro e último manual possui a prioridade de revisão manual menor, que é uma situação bem específica.

O público é mais exigente e precisa evitar ao máximo os falsos-positivos, ou seja, pedidos que foram negados por suspeita de fraude, mas, na verdade, haviam sido feitos por bons clientes. Nesse caso, aplica-se o manual antifraude de revisão manual.

O que podemos esperar da Americanas?

Muitos analistas apontam que, de certa forma, a Americanas S.A. teve “sorte” por sofrer o apagão logo no início do primeiro trimestre, uma vez que ele é um dos mais fracos no setor do varejo tradicionalmente.

Em termos financeiros, para uma grande potência como a Americanas, que possui um faturamento de R$ 7,5 bilhões em receita bruta por trimestre, não necessariamente pode representar um prejuízo irrecuperável.

Contudo, um ponto que pode afetar pelo menos a curto prazo todos os sites que fazem parte da companhia – Americanas.com, Shoptime e Submarino – é o quesito de reputação e confiabilidade no marketplace por parte dos lojistas. O que, por sinal, é um dos pilares para manter qualquer marketplace em um bom posicionamento de vendas, por impactar no relacionamento com seus clientes.

Ou seja, uma das principais ações que a Americanas S.A., como um todo, deve começar a fazer é a recuperação da imagem de todas as suas marcas, para que assim não sofra consequências a longo prazo.

Uma segunda ação que se espera da companhia é em relação à prevenção de vazamento de informações por meio de um fortalecimento do sistema antifraude do marketplace. A empresa pode, inclusive, receber muitos questionamentos jurídicos embasados na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Levando em consideração todos os pontos já citados, é importante que a Americanas passe a investir ainda mais tempo e dinheiro em antifraudes, equipes de TI, e que notifique sempre seus avanços para tranquilizar a base de lojistas, para que assim possa recuperar a confiança.

Um cenário similar ocorreu com o Magalu Marketplace, que desde 2019 investiu em uma parceria de Edge Computing da Azion para aumentar o desempenho do site e a segurança contra fraudes.

Com o foco em transformação digital, o Magalu, em conjunto com a Azion, tinha como principais objetivos englobar a construção de microsserviços, automação de bloqueio de ciberameaças e aumento de performance da plataforma de e-commerce.

Nos primeiros meses de uso, foi reduzido em 50% o tempo de carregamentos das páginas do Magalu, bilhões de fotografias em alta resolução foram otimizadas com o uso do algoritmos de computação da Azion e milhões de ciberameaças foram bloqueadas pelo Web Application Firewall (WAF).

Na era do avanço digital, é importante ter um posicionamento direto frente às dúvidas sobre segurança no ciberespaço.

Por isso, a Americanas S.A. deve se transformar para não perder a corrida dos grandes marketplaces em 2022, ainda mais com o crescimento acelerado da Shopee, a qual já ultrapassou o Magalu Marketplace em volume de acessos mensais.

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