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A concentração do mercado de e-commerce

Por: Fernando Di Giorgi

é ex-sócio fundador da Uniconsut Sistemas, empresa especializada em back-office para grandes lojas de e-commerce. Fomado em Matemática pela USP, pós-graduado em Administração pela FGV e em Análise Econômica pela FIPE, mestre em Economia pela PUC-SP.

Este artigo aborda o tema da concentração do mercado de e-commerce e as alternativas para os pequenos varejistas. Por ser uma atividade nova e altamente dependente da tecnologia, é inevitável que, em seu processo de crescimento, as grandes lojas tenham adquirido vantagens competitivas muito expressivas, notadamente, por terem aprendido com suas próprias experiências e, por decorrência, verticalizado suas atividades. Estes imensos recursos ainda estão longe de serem popularizados, sequer chegaram à academia ou às grandes casas de software, sendo unicamente acessíveis a quem os produziu.

Também sabemos que no comércio eletrônico brasileiro as 10 maiores lojas do mercado detêm 60% do faturamento. Para se ter uma ideia do que significa este grau de concentração, basta citar que as  grandes redes de supermercados detêm perto de 40% do faturamento do setor.

Tentar explicar o processo de oligopolização e indagar sobre as alternativas para a grande massa de varejistas são assuntos que este artigo pretende jogar um pouco de luz.

O desenvolvimento do tema seguiu a seguinte sequência: a dificuldade para competir no comércio eletrônico (barreiras de entrada), as vantagens naturais de ser grande neste mercado (economias de escala e escopo fertilizadas pelo auto investimento) e alternativas para os pequenos varejistas. Como lembrete, o artigo se absteve de abordar assuntos associados à gestão.

Principais barreiras de entrada

Capacidade de Investimento

O comércio eletrônico, como um canal de vendas, pode ser considerado como uma evolução do varejo fortemente associado ao desenvolvimento tecnológico. Inicialmente, este canal foi desconsiderado pelas grandes redes do varejo, abrindo oportunidade para que algumas lojas pudessem crescer sem grandes investimentos iniciais. Finda a fase de “inovação”, a lógica empresarial se impôs. Assim, a forte capitalização inicial passou a ser regra. Um exemplo doméstico: nove das dez mais do Brasil nasceram muito bem nutridas.

Destoando da análise clássica de investimentos, o comércio eletrônico continua atraindo investimentos sem que apresente dados consistentes sobre sua rentabilidade. Este aparente paradoxo pode ser explicado pelas altas taxas anuais de crescimento que o canal tem apresentado e, sobretudo, pelo que ele pode representar no futuro. Embora com todas as incertezas, as grandes redes de lojas estão condenadas a acreditar neste canal, sob risco de serem excluídas de mercado no futuro. Em síntese, a barreira do capital deve se intensificar.

Conhecimento acumulado

A tecnologia é um componente vital do comércio eletrônico, a ponto de as exigências funcionais e de desempenho não encontrarem soluções no mercado de software, razão pela qual a Amazon foi obrigada a desenvolver soluções próprias resultando numa empresa de tecnologia independente.

A expansão de categorias, a inclusão da comercialização de serviços no canal e o fornecimento de serviços a terceiros exigem sistemas de apoio dotados de funcionalidades muito complexas e inéditas. Esta contínua instabilidade dos processos devido à expansão da abrangência e a comercialização de serviços somente podem ser enfrentadas com um saber coletivo e cumulativo, constituindo-se na principal barreira aos entrantes neste mercado.

A abrangência do mercado, a diversidade de itens e o extraordinário aumento do volume de vendas têm gerado modificações profundas na logística interna, desde a descentralização do estoque até a automação da armazenagem e separação, questões ainda abertas para pesquisa operacional, ramo de conhecimento adormecido no varejo tradicional.

O novo canal trouxe consigo necessidades que lhe são próprias e que conduzem à especialização e à internalização (sinônimo de verticalização) das soluções.

  1. a.                  Marca: confiança

Em tese, a marca confere a diferenciação a produtos homogêneos. Um exemplo: um televisor de determinado fabricante e modelo pode ser oferecido por muitas lojas, porém, há forte tendência do consumidor escolher aquela que lhe dê mais segurança em termos de sigilo, prazo de entrega e assistência rápida e completa em caso de devolução. Neste sentido o porte e tradição do lojista faz toda diferença. Esta vantagem somente pode ser alcançada com o tempo e alta qualidade de atendimento.

  1. b.                 Tráfego

A quantidade média diária de entrantes numa loja é um patrimônio muito valioso e caro. Os shoppings centers físicos usam o tráfego como argumento para valorização do ponto de venda, porém, em geral, os donos dos shoppings não são donos da principal loja-âncora, eles até favorecem lojas de prestígio para lá se instalarem como para atrair público. No caso do e-commerce, as grandes lojas tendo conquistado grande volume de visitantes têm feito uso deste valor “alugando“ seu espaço virtual para outras lojas configurando o que se convencionou chamar de Marketplace. Com esta receita adicional (percentual do faturamento de cada lojista), as despesas “condominiais” tornam-se menores para a loja-âncora proprietária do Marketplace e a oferta é ampliada com a incorporação de novas categorias.

Economia de escala

Negocial – uso da discriminação de preço

Preço e quantidade guardam relação inversa, quanto maior a compra maior o desconto. O poder de compra das grandes lojas permite a redução do preço de compra em função de seu volume, com isso, ela pode praticar margens mais elevadas ou, mantendo margem equivalente, vender com preço inferior ao da concorrência. Esta força estende-se a todos os fornecimentos: de mercadorias a serviços, incluindo a propaganda, financiamento a clientes e transportes.

  1. a.                  Virtual

O investimento inicial para a construção de um aplicativo é muito alto, todavia o custo de um usuário adicional é praticamente nulo, excetuando a capacidade de armazenamento e processamento. A fim de liberarem-se da rigidez imposta pelo hardware, as grandes lojas têm mantido seus sistemas em nuvem (a Amazom, com AWS de sua propriedade). Assim, permitem que terceiros utilizem parte de seus aplicativos aumentando  a receita sem prejuízo de suas próprias operações. Alguns exemplos de internalização de serviços virtuais básicos que as grandes lojas têm oferecido a terceiros:

a) Prevenção de Fraude: quanto maior for a base de dados (pedidos analisados) maior será a assertividade da análise;

b) Gateway: o volume de pagamentos está intimamente ligado à redução das despesas financeiras;

c) Site, tendo desenvolvido para si os componentes fundacionais deste aplicativo, sua transformação em produto está a um passo. Somente para marcar a diferença sobre o grau de verticalização do e-commerce e o tradicional, as grandes redes de lojas físicas não desenvolveram sistema de frente de loja (grosso modo, equivalente ao Site)

  1. b.                 Física

Logística Interna e Atendimento a Clientes são atividades que envolvem muita mão de obra, ocupam muito espaço e exigem instalações e dispositivos específicos. Dado que a mercadoria vai do depósito diretamente ao consumidor final e que todos os contatos são virtuais, as grandes lojas foram obrigadas a investir pesadamente no aumento da produtividade e na qualidade dos serviços, aumentando sua capacidade de produção. Ao oferecer serviços de fulfillment e SAC a terceiros, a grande loja, além de diluir custos fixos da grande loja comunica sua qualidade ao processo de venda do terceiro.

Economia de escopo

Há operações que, se feitas em conjunto com outras, têm custo menor do que feitas isoladamente, caracterizando uma economia de escopo.  As grandes lojas, tendo o B2C como operação fundamental, podem oferecer ao mercado operações correlatas que se aproveitam do conhecimento, da tecnologia, das instalações e do tráfego no site. Seguem alguns exemplos que contribuem para a diluição de custos fixos:

  1. a.      B2B

Há muitas empresas que desejam ter uma loja virtual e que não tem intenção em construir e/ou administrar uma plataforma própria de e-commerce para sua operação, razão pela qual fazem uso de plataformas preexistentes no mercado.  A plataforma é alugada e a loja parametrizada para retratar características próprias do cliente.

  1. b.      Bônus em mercadorias

Uma forma comum de premiação de funcionários, clientes ou representantes é distribuir “pontos“ transformados em “vales” que se tornam meios de pagamento na compra de mercadorias de certas lojas. As lojas virtuais são ideais para este tipo de premiação. A empresa que premia se beneficia de descontos repassados aos premiados pelo volume da negociação e a loja, além da venda, tem a oportunidade de cativar o cliente, praticamente, sem despesas de marketing.

  1. c.       Marketplace

Trata-se de um aproveitamento do tráfego da marca da grande loja para ativar a venda de mercadoria de terceiros. Há grande variedade de serviços a serem oferecidos além da exposição: Fraude e Gateway, fulfillment (logística interna), negociação de transporte, gestão de estoque e pós-venda.

 

Alternativas

Visto este panorama amplamente positivo para as grandes lojas, há espaço para o pequeno lojista independente? Quais seriam suas alternativas? Tentando responder estas questões, seguem alguns princípios a serem considerados quando da escolha das categorias a serem comercializadas, visto que o processo de venda é padronizado.

  1. a.                  Cauda longa

A diversidade de itens implica especialização de compradores, aumento das despesas com a “produção do item“ (fotos, descrição técnica, dados logísticos e fiscais), aumento do capital de giro, métodos específicos de armazenamento, aumento da capacidade de armazenagem e morosidade na separação. Uma forma de enfrentar estas dificuldades é a especialização. Não é tarefa fácil ser especialista e generalista ao mesmo tempo, razão pela qual as grandes lojas têm evitado trabalhar diretamente com categorias desta natureza.

  1. b.                 Complexidade logística

No comércio eletrônico, cada unidade de cada item deve ser perfeitamente identificada, preferencialmente com código de barras. Vestuário, calçado, joias, vinho, artesanato, peças de reposição, brinquedos etc. requerem serviços preliminares ao recebimento. Há itens perecíveis, que não exigem apenas o tradicional controle de validade, mas têm prazo limitado entre a preparação para expedição e a entrega ao cliente – exemplo: mozzarella fatiada, alface fresca. Há itens que exigem estruturas especiais de armazenagem: móveis, tapetes, autopeças etc. Enfim, quanto maiores forem os requisitos da logística interna, mais longe estas categorias estarão das grandes lojas.

  1. c.                  Sazonalidade

Um fabricante de vestuário, a cada estação (quatro por ano) pode lançar 30 modelos, cada um deles com 5 tamanhos, cada um dos tamanhos em 5 cores, assim, em um ano, ele terá fabricado 4 x 30 x 5 x 5 = 3.000 itens. Caso haja 30 fabricantes, seriam 30 X 3.000 = 90.000 itens por ano a serem cadastrados. Caso isso não bastasse, passada a estação, todas as unidades não vendidas deverão ser tratadas de modo especial em termos comerciais e logísticos.

A sazonalidade implica grande esforço de cadastramento e, devido ao curto ciclo de vida, maior probabilidade de devolução e risco de estoque. Não foi a toa que somente depois de dez anos de atividade o grande varejo cautelosamente tem começado a comercializar produtos sazonais.

  1. d.                 Regionalização

Embora pouco comentado, o sentimento regionalista ainda é forte, justificando a preferência de compra por uma loja da própria região. O grande varejo do comércio eletrônico, não tendo restrição territorial, invadiu espaços comerciais com mercadorias de uso generalizado, porém foi mantido o mercado de produtos de aceitação circunscrita com base em costumes e preferências locais: artes, vestuário regional, acessórios, calçados, saúde e beleza etc.

  1. e.                  Abrangência de mercado

Eliminando a barreira territorial, o comércio eletrônico ampliou a abrangência de mercado do varejista. Produtos regionais, cujo consumo estava restrito ao consumidor local, passaram a ser oferecidos para um mercado muito mais amplo. Os migrantes poderão ter acesso às mercadorias originais de seus estados de origem assim como admiradores da cultura regional.

  1. f.                   Importância do conteúdo

Toda mercadoria cuja compra exija aconselhamento técnico do vendedor especializado não é cobiçada pelas grandes lojas devido aos seus elevados custos comerciais. Quanto mais conteúdo for necessário para a venda, melhor para o comércio especializado – cativa-se o cliente através da correta especificação de sua demanda e este bom serviço gradualmente é recompensado.

  1. g.                  Exemplos

Seguem alguns poucos exemplos de categorias naturalmente “protegidas”, pois, em tese, as grandes lojas, por voltarem-se à produtividade para ganho de escala, fogem das excepcionalidades, tentando capturá-las através da oferta de associação ao Marketplace: acessórios para motos, instrumentos musicais, produtos eróticos, peças de carros antigos, peças eletrônicas, ferramentas e suas especializações, som (microfones, DJ …), modelismo (aero, barcos, carros etc.), aventura(camping, montanhismo, caça e pesca), esportes(náutica, ciclismo, golfe…), saúde(ortopédicos, odontológicos, cirúrgicos) etc.

Considerações finais

  • Não há como competir com a tecnologia das grandes lojas. Para os pequenos, resta esperar a popularização dos sistemas básicos para comércio eletrônico (bom e barato) para se diferenciarem pela mercadoria ofertada, o grau de conhecimento da mercadoria e do mercado e pelo serviço;
  • Embora em estado embrionário no Brasil, o processo de oferta de serviço das grandes lojas aos pequenos varejistas deve se intensificar;
  • Os serviços ofertados pelas grandes lojas deverão ser modulares, porém, sistemas simultaneamente integrados e modulares é um desafio técnico ainda a ser enfrentado pelas grandes lojas brasileiras;
  • Deve-se abrir um novo espaço de competição entre as casas de software muito especializadas em determinados serviços (Site, Fraude, Gateway, SAC, Fulfillment) e grandes lojas oferecendo especialização moderada em conjunção com a integração de processo;
  • As grandes lojas enfrentarão dificuldades organizacionais e técnicas na transformação de aplicativos desenvolvidos para consumo próprio em aplicativos orientados para o mercado, afinal, elas especializaram-se em vender mercadorias e não serviços;
  • Por serem muito sensíveis ao volume, alguns serviços a serem ofertados serão muito atraentes aos pequenos varejistas, principalmente pelo aumento da competição com empresas especializadas, por exemplo, Fraude e Gateway;
  • No Brasil, devido à legislação, o serviço de fulfillment será difícil de ser ofertado;
  • Os Marketplaces, pelo benefício do tráfego, passam a absorver as despesas de marketing de seus associados concorrendo com os meios de comunicação tradicionais do setor, o que é saudável para o mercado em termos concorrenciais;
  • As grandes lojas devem convidar o pequeno varejista a associar-se ao Marketplace independentemente da manutenção de sua própria loja;
  • Os pequenos lojistas não têm a menor chance de sucesso comercializando categorias com preço de compra sensível à quantidade comprada, alto valor unitário, bem duráveis sensíveis ao crédito, serviços logísticos padronizados e sob oferta de mercado oligopolizado;
  • Há categorias que têm proteção “natural” à investida das grandes lojas;