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Compra racional no e-commerce? Não: compra cortical

Por: Danilo Israel

Consultor de SEO e Link Building, estudando Marketing Digital e Data Science na Fiap. Atualmente, faz parte da Sociedade da Mesa, o primeiro clube de vinhos do Brasil.

Uma dificuldade generalizada que os e-commerces enfrentam é o aperto no ticket médio. Este estrangulamento é tanto pior porque socialmente recomendado diante da crise. É a tal compra racional.
Ela impera a despeito do aumento de 104,2% nas vendas e de 32% em consumidores online em relação ao 2º SEM/19.

Essa expansão trouxe gente ao e-commerce para quem a vida digital se resumia a e-mails e WhatsApp. Só que esse novo perfil importou também novas objeções.

Estas, certamente, ajudaram a aplicar esse mata-leão no tíquete médio de compras, que é a compra racional.

Como resolver isso? E como um especialista de uma área próxima pode contribuir nessa situação?

Nei Bomfim é consultor em positioning digital com alguns prêmios Aberje, o top do PR — um deles, nacional. Foi Head de Comunicação de ministros e consultor da ONU Mulheres.

Bomfim sugere uma abordagem diferente, que ele acaba de criar. Trata-se do positioning cortical (já já você entenderá este batismo).

“Ok, a compra racional é a autoproteção óbvia diante de toda esta VUCA (volatility,uncertainty, complexity, ambiguity)”, começa o consultor. “Mas o e-commerce sabe que a necessidade de comprar um produto embute também pulsões profundas, por mais racional que seja.”

Estas pulsões profundas serão tanto mais atendidas quanto melhor interagirmos com elas numa área especial do cérebro, o córtex pré-frontal — daí o “cortical”.

O córtex pré-frontal é a área onde comandos racionais convivem com pulsões profundas da personalidade. Ela comanda o restante do cérebro.

Além do racional, outras respostas a ameaças como a atual crise podem emergir caracterizadas como racionalidade — quando, na verdade, podem ser só nossos profundos temores ancestrais.

Não é que eles estejam errados. Afinal, eles garantiram a espécie viva pelos últimos 200 mil anos.

Racional X cortical

Segundo Bomfim, dar atenção a essas pulsões não elimina o racional, mas sim o aperfeiçoa por ampliar o processo para o cortical.

“Isso balanceia melhor o set de decisão — o chamado ‘racional’ pode, aí sim, comandar uma melhor seleção de pulsões, afastando aquelas que, emergindo como racionais, podem não passar desses temores que limitam um bom custo-benefício da compra”.

Ocorre que a crise econômica geralmente absolutiza a busca de soluções ou produtos mais baratos. Mas é possível que a guerra de preços derrube a qualidade do produto ou lucro. Não demora para o consumidor perceber essa queda de qualidade. E tome pedrada nas redes sociais, etc.

Já esse re-mindset da percepção pode trazer junto a valiosa fidelização exatamente por ter gerado um bom custo-benefício. Isso gera ainda a bem-vinda preservação de negócios e empregos.

Mas, como orquestrar esse processo do mais barato X melhor custo-benefício? Ou, processualmente falando, do racional x cortical?

“Primeiro, é fundamental ter um posicionamento de marca vivo”.

Segundo, garantir que este posicionamento se capilarize até o produto. Só assim se consegue interagir com as objeções — incluindo as novas — lá na ponta do online.

O meio pelo qual esse posicionamento pode se traduzir é por meio da comunicação sensorial, principalmente a visual (falando aqui das imagens, do leiaute com “brancos” na página, etc).

Ocorre que o estímulo visual também converge para o tal do córtex pré-frontal, explica Bomfim. “Metade de todos os nossos sensores estão nos olhos, e 70% de todas as informações humanas vêm por eles”. “Com que outro sentido humano nós fazemos alt-text dos conteúdos, senão com o da visão?”.

Você pode estar se perguntando: “Mas, as marcas já não fazem isso por meio dos seus colaboradores, especialistas em conteúdo, UX, etc?”.

Claro que sim. “Alguns e-commerces tiveram iniciativas de liderança muito espertas nesta crise ao se consolidarem como marketplaces extensos. Mas alguns gigantes do setor ainda estão no que podemos chamar de AC (antes da Covid). Demonstro isso agora”.

Exemplo concreto 1: moda

O especialista lembra que moda e móveis apresentam até menos 50% de intenção de compra em setembro no Brasil (McKinsey).

“Confere lá no ten blue do Google dos e-commerces de calçados. Você verá que, num dos maiores deles, o tom das fotos dos calçados é ainda AC (Antes da Covid), como se o mundo não tivesse virado de ponta-cabeça”.

Como as pulsões profundas dos consumidores vão aceitar dançar com imagens que ignoram que o mundo mudou?

Ou seja, será que cola enfrentar essa angústia toda com a simples oferta de uma despreocupação AC, ignorando os medos ancestrais, funcionais ou não?

Exemplo concreto 2: móveis populares

Bomfim conta um fato pessoal sobre um e-commerce popular líder. Ele comprou há pouco um guarda-roupa padrão.

“Vamos combinar que a pandemia virou a era de ouro do faça-você-mesmo, o DIY, certo? Mas, sabe o que me entregaram? Um guarda-roupa que é um horror para montar. É um desista-você-mesmo”.

O consultor cita as dezenas de parafusos e outros acessórios divididos em subgrupos confusos, “num folheto mal desenhado e, pior, mal-educado. As instruções são passadas num jargão de fábrica, se lixando para o consumidor”.

Foi Bomfim contar isso a amigos para chover casos de gente transtornada que acaba pagando pela montagem um extra equivalente à metade do preço do móvel.

“Isso é jogar no lixo uma oportunidade de ouro para o cliente se reenergizar com o DIY. E, para piorar, porque se insere numa lógica de dessincronia, já que o momento é de justamente o contrário, de valorizar o DIY”.

Dicas e insights

No caso do e-commerce de moda, o consultor lembra que nada contra ele recorrer a imagens prazerosas, de fora da casa. Desde que sinalize que, ok, todos estamos conscientes do novo tempo e vivendo nele inclusive com nossos prazeres.

Ou seja, um toque de realidade no prazer da compra só aumentará a confiança necessária a este. Ou, então, que se mergulhe na fantasia — mas de cabeça, e não pela metade.

  • Sugerir situações em que a pessoa se produza em casa — para seu amor, para si, até para as calls. “Tenho clientes que contam nas videoconferências o quanto lhes faz bem se vestir bem para a call”.
  • Fotografar os modelos contra um muro que “pisque” para as pulsões do cliente na forma de um grafite engraçado, mas de hoje (DC, Depois da Covid).
  • Pôr os modelos usando máscara — mas de maneira lúdica, brincando com ela (efeito colateral legal: reforça o uso da máscara e o lado social da marca).
  • Algumas marcas já estão pondo o consumidor para experimentar o calçado por meio de realidade aumentada — isso é atuar nas pulsões.
  • Ou, então, sair de vez mesmo da realidade e mergulhar na fantasia, mas fantasia criativa. As ilustrações de uma das plataformas líderes de automação de marketing, o MailChimp, são um bom exemplo. É como se você presenteasse o consumidor com um avatar liberto da angústia da realidade.

Já no caso do DIY com os móveis, existem algumas dicas para virar o jogo, do desista-você-mesmo para o DIY, trazendo ao consumidor maior sensação de prazer e poder.

“Um bom DIY é terapêutico: desarma o risco da sensação de impotência que pode tomar conta da gente”.

  • Chance de ouro para estes e-commerces gigantes convocar uma força-tarefa de engenheiros e designers de produto para criar móveis com montagem intuitiva e, portanto, lúdica.
  • Isso pode virar uma grande iniciativa nacional, dos e-commerces com a cadeia moveleira.
  • E reverberar positivamente inclusive nos pequenos fabricantes. Selando, portanto, uma imagem de líderes solidários.
  • Poderia se criar e padronizar uma escala de diferentes graus de dificuldade — para o DIY virar de vez essa espécie de game tátil que, no fundo, ele é.
  • Uma iniciativa dessas dá para bater bumbo nela uma temporada inteira em conteúdos, campanhas etc.

…E a vida

Bomfim lembra, por fim, algo fundamental para qualquer e-commerce: a vida. Por exemplo:

“Não basta mais só colocar negrxs em comercial. Parte das eleições da maior potência global vai ser em parte definida pela atualização de um slogan que, no fundo, é de toda a Humanidade — I have a dream, de Luther King lá dos anos 60, agora virou Black lives matter. Agora, ou a marca se envolve, ou no post seguinte o consumidor se des-envolve dela de vez”.

(Dúvidas, correções ou acréscimos, por favor, deixe nos comentários. Será um prazer responder).