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Comércio eletrônico: antes e depois da pandemia do coronavírus

Por: Paulo Moreira

Mestre em Administração de Empresas, pós-graduado em Marketing pela FGV e Bacharel em Comunicação Social pela PUC. Professor e Pesquisador-Acadêmico, possui mais de 09 anos de experiência em Comércio Eletrônico, tendo especializado-se em projetos de implantação. Já atuou em diversas empresas de todos os portes pelo Brasil, tais como: Novo Mundo, Tend Tudo, Casa Show, Pontal Calçados, SurfCo e World Comexx. Conta com Certificação Google Advertising Professional (GAP) & Google Analytics Individual Qualification (GAIQ). Atualmente atende projetos de e-commerce pela sua empresa, a Ecommerce Jump.

Quando comecei a escrever este artigo, a ideia era reforçar uma certeza: mesmo com o Brasil produzindo crescimento muito baixo, o setor do e-commerce continua sendo exceção em um oceano de setores “regra”.

Estava esperando o dado oficial do PIB Brasileiro do ano de 2019 ser divulgado para arrematar este material, número este que só foi revelado recentemente, no início do mês de março de 2020.

Mas tudo mudou quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou pandemia para o novo coronavírus (Covid-19) poucos dias depois.

Diante disso, o presente artigo agora está dividido em duas partes: a primeira, que enxerga todas as previsões feitas em 2019 para o ano de 2020 — no qual nenhuma delas sequer cogitava a situação que estamos enfrentando. E a segunda parte, composta por reflexões a respeito das mudanças que poderão vir no cenário pós-pandemia.

Parte 1 – Comércio eletrônico: uma exceção diante de um oceano de “regras”

No ano de 2019, a economia brasileira desacelerou ainda mais se comparado com o ano anterior (2018), apesar de ser o 3º ano seguido de PIB (Produto Interno Bruto) positivo. Em 2019, o PIB do Brasil fechou em 1,1%, diante de 1,3% nos dois anos anteriores, segundo os números oficiais do IBGE.

Figura extraída da matéria referida acima presente no portal de notícias UOL.

Alguns setores cresceram no ano passado, como:

  • construção civil (1,6%), após cinco anos de queda;
  • indústria (0,5%);
  • segmentos específicos da agropecuária (a exemplo do milho, algodão, laranja e feijão);
  • informação/comunicação (4,1%);
  • atividades imobiliárias (2,3%);
  • e comércio (1,8%).

Mas, no geral, mesmo nesses setores vemos crescimentos pequenos.

No início deste ano, a projeção do Ministério da Economia para o PIB de 2020 chegou a ser +2,4% — informação presente no Boletim Macrofiscal, divulgado pela Secretaria de Política Econômica. Isso, claro, antes de imaginar os impactos do novo coronavírus.

Pois bem. Se fizermos uma análise do comércio eletrônico brasileiro B2C nos últimos 5 anos, veremos uma tendência de crescimento muito superior ao PIB do país.

De acordo com os Relatórios WebShoppers (Ebit/Nielsen), o faturamento dos anos de 2019 (+16,3%), 2018, 2017, 2016 e 2015, respectivamente, foram R$ 61,9 Bi, R$ 53,2 Bi, R$ 47,7 Bi, R$ 44,4 Bi e R$ 41,3 Bi. Isso sem considerar vendas em marketplaces de itens novos e usados, viagens, passagens aéreas e ingressos.

Figura extraída do Relatório WebShoppers edição 39º (Ebit/Nielsen).

Estes números, que representam aquilo que há de mais atualizado até o momento, sugerem uma média de crescimento superior a 11% ao ano para o comércio eletrônico no Brasil. Nada mal, se formos comparar com o PIB do país — que, se também fizermos uma média no mesmo período (2019 a 2015), resultaria em uma retração de 0,62% ao ano.

Já a previsão para o Comércio Eletrônico Brasileiro para este ano (2020) era de mais um crescimento seguido no faturamento, 19% (faturamento de R$ 74 Bi) frente aos 2,4% do PIB do país, como citado anteriormente. Claro, estes números foram projetados em 2019, antes do Covid-19 ser uma triste realidade mundial.

Bom, tudo isso para poder dizer para você empresário, lojista, investidor, funcionário e etc, que, sim, há mercados que crescem no Brasil, apesar do país de forma geral não estar passando por bons resultados nos últimos anos. E um desses mercados é, seguramente, o comércio eletrônico. Era promissor há 5 anos, há 10 anos, e atualmente continua sendo.

Parte 2 – Perspectivas durante e pós-pandemia

Diante de um cenário global inesperado, quase tudo (para não dizer tudo) sofrerá mudanças e será de alguma forma impactado, para o bem ou para o mal. Portanto, arrisco-me a dizer que nenhum forecast deve ser utilizado como antes da pandemia. Tudo precisará ser revisto, reprojetado, reestruturado. Estaremos em meio a um oceano de incertezas.

Porém, apesar do pouco tempo para análise, alguns setores parecem ser mais promissores do que outros neste momento de crise — e novamente, o comércio eletrônico é um deles.

São diversos os estudos que estão sendo feitos no comércio eletrônico durante a pandemia. Eles evidenciam os impactos já sofridos e tentam “prever” o que poderá acontecer nas próximas semanas ou meses.

Claro, é de se imaginar que nem todos os setores do e-commerce terão crescimento neste período. Pelo contrário, é possível que muitos deles até encolham ou fechem as portas. Contudo, novamente, se analisarmos sobre um contexto nacional e global de retração ou até depressão, isto não é nada surpreendente.

Porém, muitas empresas que ainda estavam cogitando apostar no comércio eletrônico há tempos, estão agora acelerando os seus processos de entrada. Enxergaram este como uma das melhores saídas para continuarem operando. O motivo é evidente: com a impossibilidade da livre circulação das pessoas, o delivery passa a ser uma alternativa real mesmo para quem não gosta da ideia de comprar pela internet.

Este é um ponto do qual acredito fortemente que está entre os elementos que comprovarão que o mundo pós-pandemia nunca mais será o mesmo. Segundo a pesquisa TIC Domicílios, 70% da população brasileira utiliza internet. Desse número, 48% adquiriu ou usou algum tipo de serviço online, como aplicativos de carros, serviços de streaming de filmes e música, ou pedido de comida, todos dentro de atividades de e-commerce. Aposto que para o ano que vem este número terá subido significativamente, e o novo coronavírus será uma das variáveis capazes de justificar tal mudança.

Mas, não é somente o número de pessoas que consomem pela internet que terá mudado. O comportamento da população poderá ser diferente daqui para frente. Talvez o povo brasileiro, conhecido por ser amistoso, de muito calor humano, abraços e beijos em simples cumprimentos, modifique também um pouco este perfil.

Não por acaso a população japonesa cumprimenta-se saudando à distância. Basta pesquisar sua história e a quantidade de fenômenos naturais para os quais estão sempre preparados — que inclui treinamentos para situações de crise, uso de máscaras e hábitos de higiene incentivados por órgãos governamentais —, para entender a organização deste povo diante de uma situação como o que estamos vivenciando.

Dos setores do comércio eletrônico com evidente crescimento, mesmo diante da pandemia, são aqueles considerados básicos:

  • alimentação;
  • supermercados,;
  • pets (rações, por exemplo);
  • higiene, farmácias e drogarias;
  • produtos hospitalares, que vão além das máscaras simples e do álcool em gel, como respiradores, ventiladores e outros equipamentos de alta complexidade.

Figura retirada do relatório “Impacto do COVID-19 no Varejo Brasileiro” (16/03/2020) publicada pela CIELO. 

Pessoas que nunca fizeram mercado pela internet, podem ter sua primeira experiência agora — e talvez gostam tanto a ponto de transformar isto um novo hábito. Compras de papel higiênico, álcool em gel e outros itens simplesmente dispararam como nunca antes visto. Para quem tiver curiosidade sobre o fenômeno das vendas de papel higiênico, pesquisem por comportamentos desadaptativos ligados a noção de nojo (aplicação da lei de Yerkes-Dodson).

Figura retirada do relatório “Impacto no E-commerce COVID-19”, publicado pelo Movimento Compre & Confie.

Portanto, se você tem um mercado, é um ótimo momento para explorar o comércio eletrônico, podendo proporcionar aos consumidores a realização de pedidos online (incluindo contatos por redes sociais e whatsapp) e o delivery. Para quem tem restaurante, nem precisa dizer, é algo cada vez mais crescente, e no momento, talvez a única (e melhor) solução para continuar comercializando.

Neste sentido, empresas de transporte e delivery também tendem a crescer, associadas a novos entrantes que podem surgir, por mais que outras companhias acabem não sobrevivendo. Loggi, Rappi e Ifood não só serão mais utilizados, como passam ser as principais alternativas diante da necessidade do isolamento e da quarentena. Por exemplo, o Rappi registrou aumento de 10% no volume de pedidos na vertical de farmácias. Vejam o gráfico abaixo extraído do Google Trends. É nítido o pico na procura pelas empresas Rappi e Ifood.

Figura extraída do Google Trends comprovando tendência de crescimento para buscas por Rappi e Ifood.

E não por acaso que estas startups estão tomando algumas medidas para apoiar aqueles que estão se arriscando na linha de frente, para nos atender fazendo entregas. A Uber, por exemplo, anunciou que qualquer trabalhador ou motorista diagnosticado com Covid-19 receberá assistência financeira por até 14 dias. A Rappi não ficou para trás e comunicou medidas similares. Já o iFood destinará R$ 1 milhão a um fundo de solidariedade para entregadores que tiverem que fazer quarentena ou que contraírem o vírus.

Outro setor de e-commerce que pode se manter relativamente estável, ou sentir perdas menores que outros, é o mercado premium. Dado o contexto atual, pessoas consideradas de classe A ou A+, apesar de até poderem sofrer impactos financeiros com a crise, tendem a ter estabilidade suficiente para enfrentar a pandemia sem grandes mudanças no comportamento de consumo. Assim, se o seu mercado é premium ou de luxo, há meios e boas perspectivas para você conseguir se adaptar e se manter.

Home office: indo além do comércio eletrônico

Para além do comércio eletrônico, um modelo de negócio que até antes da pandemia sofria de muita resistência e desconfiança por parte dos empregadores, tem sido uma das melhores soluções para os negócios continuarem.

Desta maneira, empresas que sequer cogitavam o trabalho home office, mesmo para funções pelas quais isso seria totalmente viável, estão tendo que se adaptar rapidamente a este formato de trabalho.

Além disso, companhias que já atuavam assim, muitas vezes de forma tímida, em formato de teste ou num sistema misto, por exemplo, estão expandindo este método para todos os departamentos capazes de trabalhar de casa. Portanto, um dos efeitos do novo coronavírus será a quebra de alguns paradigmas.

No último episódio do Digital de Tudo, podcast hospedado no portal Jovem Pan, o professor André Miceli cita estudo da FGV que estima que cerca de 30% dos negócios que adotarem o formato de home office durante a pandemia continuarão atuando desta mesma forma com o fim da crise. Isto representa quase um terço do planeta, que será composto por pessoas que trabalham em suas casas — numa clara demonstração da consolidação deste modelo. Esta é mais uma prova de que o mundo não será mais o mesmo quando chegarmos ao final de tudo isso.

E, para que este tipo de movimento aconteça, muitas pessoas e empresas estão se preparando, convertendo um ambiente de casa em um tipo de escritório. Assim, outros setores do comércio eletrônico B2C que podem vir a ter até mais demanda em tempos de pandemia são aqueles relacionados a materiais de escritório. Como exemplo:

  • mesas e cadeiras;
  • computadores (mais rápidos e potentes);
  • cabos e adaptadores;
  • impressoras e scanners;
  • mouses e teclados ergonômicos;
  • headphones;
  • monitores extra; 
  • Internet em banda larga.

Figura extraída do Google Trends demonstrando tendência de crescimento para buscas por Teclado e Mouse.

Com a mudança do local de trabalho para o home office, as ferramentas de tecnologias passam a ser o melhor caminho para muitas das atividades que anteriormente eram feitas pessoalmente. As reuniões, agora convertidas em videoconferências ou calls, se tornarão muito mais frequentes. E para isso se concretizar, a utilização de serviços e ferramentas online são cruciais.

A exemplo disso temos a Zoom, empresa de conferência remota. Ela é uma daquelas companhias que estão conseguindo crescer diante do ambiente da pandemia. Para se ter uma ideia, segundo matéria do Canal Tech, em pouco mais de um mês, o Zoom passou de apenas 10 milhões para 200 milhões de usuários. No Brasil, foram mais de 290 mil downloads, com pico no mês de março. Empresas que nunca tinham ouvido falar desta solução estão buscando por suas ferramentas de videoconferência para a realização de reuniões. Esta dinâmica justifica a alta que suas ações sofreram, saindo de uma média de US$ 70 a 80 para cerca de US$ 120, tendo alcançado quase US$ 160 em 23 de março, o dobro de antes da crise.

Figura extraída do Google Finance em 05/04/2020.

E não é só o Zoom. O gráfico abaixo mostra a curva de crescimento de outras duas famosas ferramentas utilizadas para a realização das famosas “calls”, o Skype e o Google Hangouts.

Figura extraída do Google Trends demonstrando tendência de crescimento para buscas pelos termos: Zoom, Skype e Hangouts.

Ferramentas para comunicação interna e instantânea, como o Slack e o Teams, da Microsoft, também tiveram picos de crescimento significativos nas buscas no cenário de pandemia. E por se tratarem de ferramentas que possibilitam diversas integrações, acabam sendo bastante requisitadas em nosso atual contexto.

Figura extraída do Google Trends, que demonstra evidente crescimento nas buscas pelas ferramentas Slack e Teams.

Por exemplo, uma empresa pode decidir implantar a ferramenta Jira (Atlassian) para fazer a gestão de projetos em metodologias ágeis. E pode integrá-la com o Microsoft Teams, capaz de concentrar além da comunicação instantânea, o envio de arquivos e documentos, geração de alguns relatórios, conexão com seus e-mails (Outlook) e até mesmo com o calendário para a criação de “invites”.

Para fim similar, é factível utilizar o Slack como ferramenta de mensageria instantânea. Ela, aliás, permite até a realização de ligações, com o Trello, recurso empregado para o gerenciamento de projetos e tarefas distribuídas em cards, baseada no método kanban.

Figura extraída do Google Trends que aponta crescimento nas buscas pela ferramenta Trello.

Sistemas com tecnologias de baixo nível, voltadas para infraestrutura, também serão mais solicitados. Aposto no crescimento de empresas que vendem serviços como servidores de hospedagem e datas centers, tais como Amazon AWS, Microsoft Azure e afins. Mas não somente eles. Prestadores de serviços de segurança de informação, softwares que criam redes de VPN e que fazem hubs de integração possivelmente serão mais requisitadas.

Plataformas que desempenham atividades de atendimento ao cliente (as famosas Customer Service and Support Platforms – CSSP), também podem crescer e se fazer cada vez mais presentes, como por exemplo o Freshworks e o Zendesk.

E com eles, a necessidade de se atender telefone mesmo em casa, tarefa esta que as tecnologias de telefonia VOIP são capazes de suprir. E claro, não podemos esquecer dos chatbots e do WhatsApp, que certamente serão dois caminhos bastante requisitados no contexto de pandemia. O whatsApp, inclusive, pode ser integrado a muitas ferramentas CSSPs, transformando contatos em relatórios.

Figura extraída do Google Trends que aponta crescimento nas buscas pela ferramenta WhatsApp.

Por fim, também podemos citar a consolidação dos serviços de streaming, que tendem a crescer nesta fase de isolamento que estamos enfrentando. Instituições de ensino que viam o EAD com muitas ressalvas, estão convertendo 100% das suas atividades em cursos online. Isso demonstra outro mercado que mudará definitivamente após o fim da pandemia. E serviços como o Udemy, Coursera, além de prestadores de serviços online (médicos, advogados e etc) também tendem a se fortalecer.

Figura extraída do Google Trends, que aponta crescimento nas buscas pelos serviços de cursos e treinamentos em EAD Udemy e Coursera.

No mundo da arte — que talvez seja o que melhor se adapta às novas realidades em tempos de dificuldade —, são diversos os artistas em todos os países, incluindo o Brasil, realizando “lives” em suas redes sociais. Há músicos lançando álbuns completos durante a crise, caso do Childish Gambino, assim como temos profissões como os personal trainers, chefs de cozinha e outros, ganhando cada vez mais relevância na internet.

Por tudo o que escrevi ao longo do artigo, consigo afirmar que o mundo pós-pandemia nunca mais será o mesmo. Apesar da frase de efeito, realmente será um novo mundo. E que, como em todas as outras vezes (e como Darwin diria), quem melhor se adaptar é quem sairá fortalecido desta situação.

Ao meu ver, o mais interessante é que graças à tecnologia não estamos tão prejudicados ou “parados” quanto poderíamos — e não estamos enlouquecendo (muito) com o isolamento. Imagine toda esta situação num mundo sem internet, como foi durante a Gripe Espanhola, por exemplo. Certamente seria muito pior. O que comprova que não é a tecnologia que reúne ou afasta as pessoas, e sim o uso que nós damos à ela.