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BNPL e a varejização das fintechs

Por: João Pedro Teles

CEO da Sezzle Brasil. Com mais de 25 anos de experiência como empreendedor e executivo de mercado, é graduado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e mestre em Administração de Empresas pela EAESP - FGV. Ocupou posições de liderança em diversas empresas de diferentes portes com uma longa e diversificada exposição internacional. Nos últimos anos, redirecionou sua carreira para a área de inovação e economia digital, onde vem empreendendo e ajudando a implementar Startups nos setores de fintech, retailtech e healthtech.

Nos últimos dois anos, muito se falou sobre a “fintechzação” do varejo, mas o dinamismo dessas atividades financeiras, as margens decrescentes e a necessidade de alta especialização dirão, num futuro breve, se esse movimento é realmente sustentável a longo prazo. Por ora, o fato é que o varejo vem eliminando a instituição financeira como intermediária na negociação com o cliente.

Grandes varejistas, marketplaces, plataformas de e-commerce e lojistas de médio porte aderiram ao movimento de verticalização das operações de meios de pagamento ou de crédito nas suas atividades comerciais. Seja pela aquisição de fintechs, contratação de plataformas financeiras white label – que permitem à empresa oferecer produtos ou serviços financeiros aos seus clientes, com sua marca, usando a tecnologia e a licença de um terceiro – até o desenvolvimento de uma estrutura própria, o varejo hoje oferece cartões, wallets, crédito direto, gateways de pagamento e até maquininhas de adquirência próprias.

Recentemente, um movimento em sentido contrário ganhou corpo: a “varejização” das fintechs. Quando o segmento tradicional de meios de pagamento e de crédito, ambos altamente consolidados, tornaram-se commodities lentas e empoeiradas, o boom de fintechs trouxe uma grande variedade de players e taxas cada vez menores. Entretanto, nada de muito novo ou criativo surgiu para trazer frescos ares ao setor.

O BNPL surge no cenário brasileiro como mais um sinal da varejização das operações financeiras.

Nasce, então, uma segunda tendência no setor para atender aos nichos de mercado cada vez mais exigentes e sedentos por novidades. Empresas financeiras entenderam que precisavam simplificar e diversificar as alternativas para um cliente comprar um produto ou serviço, seja em loja física ou num e-commerce. O Banco Inter é um dos exemplos mais visíveis dessa varejização das fintechs. Hoje, o marketplace do superapp do Inter é protagonista e rouba a cena da sua excelente plataforma bancária digital. Ele não é o único a seguir esse caminho.

O Buy Now, Pay Later, ou simplesmente BNPL, que, em português, significa “compre agora, pague depois”, surge no cenário brasileiro como mais um sinal da varejização das operações financeiras. Antes de entrarmos no assunto BNPL, eu preciso desmistificar um pouco a confusão que o mercado tradicional fez ao tentar se apropriar da sigla.

O verdadeiro conceito de BNPL

Os cartões de crédito logo disseram fazer BNPL há 50 anos. As financeiras, disfarçadas (ou não) de lojistas, passaram a chamar o BNPL de “crediário eletrônico”. Até mesmo fintechs de crédito tentaram envelopar a tradicional operação CCB/FIDC com a roupa da sigla da moda. De fato, se levado ao pé da letra, quase tudo que envolve uma transação mercantil poderia ser entendido como BNPL, mas não é bem assim.

Depois das criptomoedas, o BNPL é o assunto mais comentado e debatido no mundo das fintechs estrangeiras, mas parece que os brasileiros mais apressados em seguir a onda do momento não entenderam bem que o BNPL é diferente.

Empresas que operam o modelo clássico de BNPL estão mais para retailtechs, ou seja, startups que oferecem soluções tecnológicas voltadas para o mercado de varejo e consumo, do que para fintechs. Na verdade, empresas de BNPL são um híbrido dessas duas modalidades.

O BNPL clássico é um modelo de negócio B2B2C focado no e-commerce, embora o mercado de lojas físicas já mostre algumas experiências de sucesso. Ele resolve dores comuns do dia a dia de lojistas e compradores. Há vantagens para todos.

Para o lojista, o BNPL representa uma plataforma de aceleração de vendas combinada a um conjunto de serviços – entre eles, um meio de pagamento online para quem não possui cartão de crédito. Oferece, ainda, parcelamento sem juros para o consumidor, com pagamento em D+1 para o lojista, programas em conjunto com o varejo para campanhas de marketing, promoções de cupons e recompensas, recuperação de carrinho e suporte ao cliente. Além disso, assume integralmente os riscos relacionados a fraudes, estorno e inadimplência.

Já para o cliente, o BNPL é um grande facilitador para lhe garantir acesso ao e-commerce usando apenas cartão de débito ou Pix em compras parceladas e sem juros. Com isso, aumenta seu poder de compra numa média de 50%, com aprovações imediatas, sem análise de crédito ou consulta de birôs. Tudo isso de forma simples e rápida, com parcelas flexíveis e reagendáveis, com vencimentos mensais ou quinzenais, sem burocracia nem pegadinhas. Tudo isso coberto por um único fee de serviços, pago pelo varejo de forma transparente e livre de riscos.

A experiência mundial com o BNPL tem mostrado resultados bastante expressivos e positivos. Mais de 70% dos usuários jovens, os GenZ, já preferem o BNPL aos cartões de crédito. Outras faixas etárias aderem fortemente ao modelo por sua simplicidade e transparência. O varejo online adere em peso e as maiores plataformas de BNPL chegam a exibir bases com mais de 200 mil lojistas e usuários ativos na casa de centenas de milhões.

Os e-commerces chegaram a perceber um incremento nas suas vendas de entre 20% e 30%, depois de aderir ao BNPL. O tíquete médio dos clientes que escolhem essa modalidade de compra é, em média, 25% maior. Um cliente BNPL repete suas compras entre quatro e 20 vezes por ano e tem o provedor desse serviço como o principal aliado para manter o seu orçamento controlado e fugir do crédito predatório.

Se o varejo irá se “fintechzar” ou as fintechs irão se “varejizar”, não importa. O BNPL será um grande aliado para os dois segmentos, trazendo especialização e conhecimento de nicho ao mercado brasileiro, servindo como “porta de entrada” para o mundo do crédito para quem não tem as informações básicas para construir um score positivo e poder ser “aprovado” pelos motores de crédito tradicionais.

Para bancos tradicionais, fintechs, financeiras ou varejistas fortemente escorados ao crédito, o BNPL clássico (ticket pequeno, prazos curtos, aprovação imediata) não é mais um produto de crédito na prateleira. É um canal poderoso de aquisição de clientes, com um CAC (custo de aquisição de clientes) bem inferior ao tradicional e um fluxo de acumulação de dados em larga escala para aprimorar os seus algoritmos e modelos preditivos de concessão de crédito.

Os desafios mais perceptíveis para o sucesso do BNPL no Brasil precisarão ser vencidos pelo uso intensivo de tecnologia para gestão do perfil do usuário ideal, detecção de fraudes e gerenciamento da inadimplência. Os desafios menos palpáveis estão no âmbito regulatório. Ainda não regulado no mundo inteiro, não se sabe quando e como os ventos da regulação irão soprar por aqui para o BNPL.

Entretanto, a tendência do Banco Central com seu Sandbox Regulatório é uma pista de que tem gente torcendo para que modelos de negócio pró-consumidor possam florescer e prosperar por aqui.

Por todos esses motivos, será impossível empacotar o BNPL e torná-lo mais uma commodity dos serviços financeiros. Não basta vestir-se com essa nova sigla, tem que entregar uma proposta de valor inovadora, que faça sentido para o seu negócio e para os anseios dos seus clientes.

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