Logo E-Commerce Brasil

B2B2C: uso da plataforma de e-commerce para grandes marcas

Por: Fernando Di Giorgi

é ex-sócio fundador da Uniconsut Sistemas, empresa especializada em back-office para grandes lojas de e-commerce. Fomado em Matemática pela USP, pós-graduado em Administração pela FGV e em Análise Econômica pela FIPE, mestre em Economia pela PUC-SP.

As funções fundamentais do e-commerce de grande porte estão consolidadas. Seus processos operacionais estão estáveis e em constante melhoria de produtividade e segurança. Atingir esse estágio não foi tarefa fácil, especialmente devido ao esforço em adequar os processos (sistemas e organização), fortemente baseados em tecnologia, à taxa média de crescimento das vendas em volume acima de 20% ao ano, com o compromisso de manter níveis de serviços crescentes.

Com essa base, ele se habilita a ampliar seu campo de ação tradicional (comprar e vender mercadorias próprias) para oferecer sua plataforma tecnológica, know-how e instalações como base para atividades conjuntas com parceiros de negócio. Há vários exemplos em uso de parcerias desse tipo, como programas de fidelidade, marketing direto, loja com identidade visual de grandes marcas com uso completo da infraestrutura de sistemas e logística etc.

O “aluguel” da plataforma para grandes marcas é o objeto deste artigo.

1. Uso do poderio da marca

Para continuidade ao prestígio da marca, seus investimentos em marketing institucionais são compulsórios. A marca está além de seus produtos – “Coca-Cola é isso aí”. Esse poderio concede à marca um alto grau de liberdade em relação aos distribuidores de seus produtos e a imuniza, caso resolva vender diretamente ao consumidor com uma conveniente política comercial, o que, certamente, elas sabem fazer com maestria.

A venda direta ao consumidor por intermédio de loja virtual tem sido uma das formas nas quais essa capacidade mercadológica ociosa tem sido usada. Esse é o caso de Brastemp, Motorola, Electrolux etc. Suas lojas físicas “conceituais” em grandes shoppings centers objetivam mais a exposição da linha completa de seus produtos do que o faturamento.

2. Vantagens da loja própria

A confiança do consumidor

O grande trunfo da marca é a conquista da confiança do consumidor. Comprar de um fabricante famoso é tudo que um consumidor conservador deseja, ele se dispõe a pagar mais pela segurança da compra. Esse privilégio dá resultado, já que a marca, continuamente, se vê obrigada a corresponder a essa expectativa.

Ofertar a linha completa

Outra oportunidade de um site de vendas próprio é possibilitar à marca ofertar aos clientes sua linha completa de produtos e não apenas os best sellers (tal como fazem os seus distribuidores). Além disso, permite ampliar a variedade com itens complementares de fornecedores credenciados –“quem vende cerveja vende o copo”.

Usar a experiência global

Não raro, as grandes marcas possuem sites B2C em outros países, isso permite o aproveitamento da experiência internacional para o desenvolvimento de novos sites. Essa característica eleva o nível de exigência do site a ser escolhido localmente em termos de apelos mercadológicos específicos e facilidades de navegação, nem sempre encontrados no mercado nacional.

Distribuir importados

As grandes marcas são globais e suas linhas de produtos, em geral, são maiores do que as linhas localmente produzidas. Embora restrita, há demanda interna de seus itens importados, especialmente bens de consumo, porém com grande dificuldade na distribuição, afinal, qual varejista iria querer expor um produto de baixo giro e alto valor unitário em suas lojas?

O e-commerce é o canal ideal para a venda de tais itens, pois, ao ser capaz de concentrar o estoque e a distribuição de mercadorias em âmbito nacional, ele reúne todas as condições para a comercialização de itens com essas características.

Resumindo, as principais vantagens da marca com loja virtual própria, além do faturamento em si, é facilitar e ampliar o acesso dos consumidores aos seus produtos e ofertar a gama completa de sua linha.

3. As dificuldades da marca em ter a loja virtual própria

Recursos

As grandes marcas, mesmo aquelas que têm rede de lojas físicas, ainda não dispõem de recursos técnicos e equipamentos para a captura eletrônica de pedidos no atendimento físico de numerosos pequenos pedidos, na distribuição pulverizada e no atendimento a clientes cumprindo a legislação em vigor. Tais atividades são fortemente dependentes de tecnologia e caracterizadas por segurança e precisão. As grandes marcas têm necessidade da contratação de serviços especializados, que devem ser complementados com profissionais de e-commerce e com a segregação das ações de marketing.

Manutenção do padrão de qualidade

A defesa da marca gera políticas conservadoras, daí a relutância em aceitar operações que não estejam dentro de suas tradições. Vencer essa barreira é o grande obstáculo a ser enfrentado internamente ao expor a marca a uma atividade que lhe é estranha. É importante perceber a existência desse tipo de resistência sob pena de perda do investimento.

Investimentos iniciais e ganhos gradativos de escala

É difícil haver viabilidade econômica para que a operação de e-commerce da marca possa ser completamente internalizada, considerando o volume inicial de vendas esperado por esse canal e a dificuldade em obter o conhecimento e os recursos necessários à operação. É imprescindível que o planejamento seja de longo prazo.

4. Condições necessárias

Qualidade do executivo

É fator chave devido às competências exigidas do profissional, a saber:

  • conhecimento operacional integral – não é suficiente ser expert no front;
  • experiência em marketing digital – capacidade de propor, avaliar e controlar ações de marketing;
  • habilidade de negociação interna;
  • capacidade de conduzir uma parceria com alto nível de interdependência e experiência comercial.

Comprometimento da diretoria

O novo canal será inicialmente inexpressivo em termos de faturamento, embora com potencial de crescimento. Naturalmente, projetos dessa natureza tendem a ter vida curta em função da dificuldade na cobertura de altos investimentos iniciais, especialmente em ações de marketing, agravado pelo fato de ter exigências das quais a alta direção não tem completo domínio. A confiança a ser passada à direção pelo executivo é uma de suas mais importantes habilidades, tendo como base um plano de negócio bem estabelecido e controlado.

Política de preço

Especial cuidado deve ser dado ao controle dos preços de vendas dos produtos à empresa de e-commerce contratada e do preço de oferta desta ao consumidor final. É necessário evitar agressões ao mercado dos distribuidores tradicionais e, ao mesmo tempo, viabilizar a operação da empresa de e-commerce contratada. A discussão sobre a margem de remuneração da contratada costuma ser difícil devido ao desconhecimento da complexidade dos processos do e-commerce por parte da marca. Afinal, como ser sensível ao que se desconhece?

A escolha do fornecedor de serviços

Todos os serviços e equipamentos necessários à operação da loja virtual da marca podem ser obtidos no mercado de e-commerce. O risco da marca ao entrar no e-commerce está diretamente ligado à qualidade da escolha da empresa de e-commerce a ser contratada. Como se o risco não bastasse, os altos investimentos iniciais de ambas as partes determinam que o prazo de duração do contrato não seja curto, impondo a necessidade de estudos preliminares aprofundados.

5. Contratação dos serviços

A seleção da empresa de e-commerce a ser responsável pela operação é crucial. É indiscutível que a qualidade dos serviços da contratada seja diretamente associada à reputação da marca – erros graves ou a persistência de pequenos erros operacionais arranham a imagem da marca.

Dada à sensibilidade da parceria, o relacionamento entre a marca e a contratada deve ser pautado pelo cumprimento de diversos níveis de serviços acordados contratualmente e continuamente acompanhados. Essa forma de controle é indispensável à boa qualidade do relacionamento.

É importante que a contratada forneça todos os serviços, de modo a evitar interfaces, divisão de responsabilidade entre fornecedores e que o tempo dos executivos seja consumido em reuniões. Os seguintes serviços e softwares devem ser o objeto do contrato: site, marketing digital, gestão e controle de estoque, compras, fulfillment, transporte e atendimento ao cliente.

Seguem alguns filtros essenciais na seleção dos fornecedores:

  • TI de excelência a ser comprovada através da qualidade do site ofertado;
  • experiência de gerenciamento de operações logísticas de alto volume (fulfillment) a ser atestada por meio de visita aos armazéns, reputação de mercado e pontualidade de entrega;
    sistemas de suporte operacional completamente integrados e cobertura de entrega em nível nacional.

6. Políticas

Devem ser muito bem definidas as regras a serem seguidas pelas partes. É esperado que o estabelecimento das regras seja uma atividade relativamente longa e, por vezes, tensa. Por envolver empresas de grande porte, o processo decisório é normalmente longo, podendo comprometer os prazos previstos de entrada em produção da loja. Ademais, serão abordados detalhes operacionais ainda estranhos à cultura da marca, o que exige reuniões de esclarecimentos.

Comercial

À política de preço referida anteriormente, deve-se adicionar os valores de frete a serem cobrados do cliente, variável comercial muito sensível caso haja muita variedade de peso e/ou volume entre os produtos e a distribuição esperada das vendas.

Site

O site é o que o cliente vê, portanto, o palco onde são apresentadas a grande maioria das ações de marketing e, por natureza, sujeito a melhorias constantes. Nesse sentido, é necessário que o software do site seja adaptativo às ações de marketing, ou seja, passível de intervenção de pessoal não especializado, e que as alterações mais profundas sejam realizadas pela TI da contratada contando com prazos razoáveis, severamente controlados e exaustivamente testados.

Logística interna

As regras pertinentes à logística se referem ao cumprimento do agendamento das entregas feito pela marca e fornecedores por ela credenciados, à cobertura de estoque a ser mantida por classe de produto sob responsabilidade da contratada, à segregação de estoque quando houver coincidência com portfólio da contratada e ao tempo esperado de separação da mercadoria.

Logística externa

Como todos sabem, o atraso de entrega tem sido a causa mais frequente de insatisfação do cliente, e o índice de pontualidade de entrega é um dos melhores indicadores da qualidade do serviço da contratada. Como complemento, é elucidativo conhecer os motivos das entregas realizadas fora do prazo padrão, assim como as devoluções por insucesso de entrega e por recusa de recebimento.

SAC

A marca conhece o perfil e as preferências de seus clientes-alvo, condição suficiente para estabelecer diretrizes para o atendimento dos consumidores em relação a devoluções, cancelamentos reclamações etc.

De posse disso, ao analisar os procedimentos habituais da contratada face aos eventos mais frequentes, pode-se definir regras diferenciadas, exigir postos de atendimento exclusivos e fixar prazos máximos de espera para a resposta aos clientes referentes aos eventos considerados críticos. Como o SAC é o aferidor por excelência do desempenho operacional, é indispensável ter acesso à lista dos contatos dos clientes.

Confidencialidade

Tem sido comum as marcas permitirem que as informações de seus clientes sejam exclusivamente usadas nos seus processos de venda. Trata-se de uma exigência razoável, porém de difícil aplicação, visto que o cliente da marca já é ou será cliente da loja da contratada.

7. Controle operacional

O varejo eletrônico é diuturno e dotado de alta sensibilidade – erros e acertos têm efeitos instantâneos. O controle operacional deve estar à mão dos responsáveis pari passu com ações corretivas, razão pela qual as informações sobre vendas devem ser exibidas por extranet com alta frequência de atualização. Por exemplo: pedidos aceitos, pedidos aprovados, pedidos expedidos, venda por SKU, atingimento das metas de venda, excedentes de estoque e ruptura das coberturas de estoque por SKU etc.

O acompanhamento dos níveis de serviço estipulados em contrato deve estar na pauta de reuniões semanais: pontualidade de entrega dos fornecedores de itens complementares, pontualidade de entrega dos pedidos de venda, resumo das entregas por motivo, tempo de espera de atendimento, resumo do atendimento do SAC, posição das solicitações à TI em curso de desenvolvimento etc.

Concluindo

Há muitas empresas que desejam ter uma loja virtual e que não têm intenção de construir e/ou administrar uma plataforma própria de e-commerce; assim, elas deverão fazer uso de plataformas preexistentes no mercado. A plataforma será “alugada” e a loja parametrizada para retratar a identidade própria do locatário.

Esse tem sido um dos primeiros passos para a expansão dos serviços a serem oferecidos ao mercado pelo uso das atividades fundamentais do comércio eletrônico. Não há quem consiga visualizar com clareza os limites de uso de tais ativos pelos demais setores da economia. A descoberta de oportunidades será gradual, um sucesso dando base para a confiança para novas investidas (path-dependency).