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Aspectos tributários do omnichannel

Por: Marcio Cots

é Sócio do escritório COTS Advogados, escritório especializado em Direito Digital e E-Commerce.

O mundo conectado trouxe novos desafios para empreendedores e varejistas, pois o seu consumidor se transformou graças aos avanços proporcionados pela tecnologia mobile. A utilização de equipamentos como smartphones e tablets, sem se esquecer de computadores e notebooks, transformou os consumidores em usuários de sistemas multicanais para suas compras de produtos e serviços.

Os consumidores de hoje podem conhecer os produtos e os serviços tanto na loja como no site do e-commerce, trocar opiniões com outros consumidores através de redes sociais e inclusive têm à sua disposição sites para reclamar da qualidade ou do atendimento. Não há mais limites físicos ou virtuais para o consumidor.

Do ponto de vista do empreendedor, ele precisará se adaptar aos novos tempos. Não é mais uma questão de proporcionar ao consumidor uma loja física e um site bacaninha, pois o novo consumidor exige serviços e produtos adicionais para cativá-lo, convencê-lo a comprar e, ainda, fidelizar sua preferência, razão pela qual será necessário criar ferramentas multicanais para oferecer ao consumidor a mais ampla gama de serviços, como vendas porta-a-porta, serviços oferecidos por meio de redes sociais, sites de compras coletivas, marketplaces, Smart TVs etc.

Mas não é só uma questão de vender o produto ou o serviço ao consumidor. O empresário vai precisar fazer mais que isso. E, no mundo do e-commerce, dois serviços nos parecem essenciais para sustentar o que se chama de mercado omnichannel: os mecanismos de troca de mercadorias e o pick-up-in-store, que permitem maior integração entre o mundo físico e o virtual.

A questão da troca de mercadorias é quase que uma obrigação para o empreendedor, dadas as exigências legais como as impostas pelo Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado, o pick-up-in-store, ou seja, a compra através de site de Internet possibilitando a retirada de mercadorias nos estabelecimentos físicos, traz ganho de visibilidade de cada loja e a possibilidade de novos negócios, na medida em que novos produtos ou serviços podem ser oferecidos ao consumidor no momento em que este retira a mercadoria na loja física, como se verificou no estudo “Integration of Online and Offline Channels in Retail: The Impact of Sharing Reliable Inventory Availability Information”, dos professores Santiago Gallino e Antonio Moreno Garcia, da Kellogg School of Management of Northwestern University.

Um dos grandes problemas para a aplicação dos conceitos de omnichannel no mercado brasileiro está exatamente na legislação tributária brasileira, em especial do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Com efeito, a atual matriz tributária do ICMS remonta à época da Constituição de 1988, quando o legislador brasileiro sequer poderia imaginar a revolução que a Internet iria proporcionar, principalmente após o ano 2000.

O problema começa a aparecer quando verificamos que o ICMS, de acordo com a sua legislação, incide sobre operações de compra e venda na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de empreendedor, ainda que para outro estabelecimento seu (mais adiante, veremos que os tribunais brasileiros há muito tentam reverter esse dogma dos fiscos estaduais).

Ora, as transferências de mercadorias para outras lojas (tanto próprias como franqueadas), ainda que destinadas para serem retiradas pelo consumidor final naquele local, poderão ser novamente tributadas pelo ICMS, na medida em que a legislação brasileira não prevê o mecanismo do pick-up-in-store como um sistema de entrega de mercadorias sem incidência do tributo.

Por outro lado, imagine que o empreendedor pretende desenvolver um mecanismo de trocas de mercadorias compradas no site através das diversas lojas físicas da sua rede. Mais uma vez, o ICMS torna-se um empecilho, na medida em que, não obstante a maioria das legislações estaduais autorizarem as operações de devolução (por meio de nota fiscal de entrada), somente permitirão o aproveitamento do crédito da entrada da mercadoria se a troca for efetuada no mesmo estabelecimento em que ocorreu a compra (p. ex. Art. 452 do RICMS/SP). Assim, quando a mercadoria for revendida, haverá nova tributação do ICMS sobre o preço da venda da mercadoria, como foi objeto da decisão da Resposta à Consulta Tributária n. 510/2010, da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

Não é preciso falar que a situação se agrava em operações interestaduais, como se verificou, inclusive, na discussão sobre o Protocolo Confaz n. 21/11. Contudo, não queremos aqui concluir para o empreendedor que a legislação brasileira não se coaduna totalmente com mecanismos de omnichannel como aqueles que são praticados em mercados mais evoluídos, como nos EUA, na Inglaterra ou na União Europeia, pois resta à empresa se valer de mecanismos legais ou planejamentos tributários que podem permitir em menor ou maior grau projetos de multicanais.

Isso porque, desde a década de 80, o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Súmula 166, estabeleceu que não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, pelo simples fato de que, na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa, não há qualquer negócio jurídico econômico, pois não há negócio consigo mesmo. Vale ressaltar que os Estados não aplicam essa disposição do Poder Judiciário automaticamente, cabendo ao empresário se socorrer do Poder Judiciário.

E, ao menos em operações de transferência de mercadorias dentro do mesmo Estado, o empreendedor pode utilizar mecanismos como Regimes Especiais que permitem o creditamento do ICMS em operações de troca e devoluções entre diversos estabelecimentos da empresa, inclusive com franqueados, como visto em Santa Catarina (Consulta Fiscal n. 29/2013).

Assim, até que uma eventual e benvinda reforma tributária venha a modificar a legislação tributária brasileira, notadamente o ICMS, caberá aos empreendedores que desejarem utilizar mecanismos de omnichannel em seus negócios, o que deverá ser quase que uma exigência no futuro, tomar as devidas precauções jurídicas necessárias, valendo-se, inclusive, do Poder Judiciário.