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Análise jurídica sobre a polêmica do transporte colaborativo

Muito se fala sobre a proibição do aplicativo Uber em diversos países, inclusive no Brasil, e o assunto tem ganhado relevância em virtude da recente votação a favor de sua proibição em 1ª votação da Câmara de Vereadores de São Paulo.

Ocorre que, apesar dos diversos argumentos lançados a favor e contra o aplicativo, é necessário verificar os fundamentos de um e de outro.

A princípio, de acordo com a leitura das notícias envolvendo a polêmica do aplicativo, não há coerência nos argumentos expostos pela empresa para defender o seu serviço. Em cada jurisdição e em cada momento, os argumentos mudam, o que gera certa fragilidade nos argumentos.

Em um primeiro momento, a defesa da empresa se deu no sentido de que a empresa prestava um serviço de transporte colaborativo, como pode ser verificado na notícia veiculada pelo periódico espanhol, ABC. Isto partiria de um conceito que foi taxado no exterior de sharing economy (economia colaborativa), uma tendência da economia possibilitada pelo avanço atual da tecnologia móvel.

Em um segundo momento, a defesa do serviço passou a se pautar na descaracterização de “transporte público” (uma vez que este tipo de transporte necessitaria de permissão do Poder Público), para assumir a faceta de um “transporte privado” – não mais um transporte colaborativo, como defendido outrora. A lógica se pautaria no fato de que, uma vez que o usuário do serviço necessita ter um cadastro no aplicativo, este serviço não seria mais público – passaria a ser privado.

Por fim, diante da fraqueza destes argumentos perante uma legislação que não permite este tipo de atividade sem a devida autorização/permissão do Poder Público, o apelo passou a ser o da “liberdade de escolha do usuário”. Pautado nisto, inclusive, o aplicativo tem motivado sua base de usuários a manifestar sua insatisfação com as ameaças de bloqueio do serviço sob a alegação de ilegalidade/irregularidade.

Alguns argumentos em prol dos serviços realizados pela empresa podem ser verificados também neste link.

De outro lado, a legislação brasileira, bem como a de outros países (na França, Espanha, e em alguns países da Ásia os serviços prestados pelo Uber foram reprovados sob a ótica jurídica), demanda que o transporte público individual remunerado de passageiros seja realizado apenas por taxistas, cf. o art. 2º da Lei nº 12.468/11.

Ao mesmo tempo, a Resolução 4287/14 da ANTT indica que é considerado “serviço clandestino o transporte remunerado de pessoas, realizado por pessoa física ou jurídica, sem autorização ou permissão do Poder Público competente”. Diante disso, não se pode negar que a oscilação da argumentação tecida pela empresa acaba por fragilizar qualquer hipótese de esquiva da aplicação da legislação em vigor. Fato é que, de um ponto de vista estritamente legal , não restam dúvidas de que hoje esta legislação não está sendo cumprida pela empresa.

Alguns propugnam pela diferenciação dos serviços prestados pelo UBER e por taxistas em virtude de luxos oferecidos pela empresa. No entanto, ao mesmo tempo, existe o serviço de táxi de luxo, que se diferencia do táxi comum, conforme pode ser verificado na Lei nº 7329/69 do Município de São Paulo – o que torna este tipo de argumento frágil.

Ora, estamos diante de um caso de isonomia de tratamento, princípio de nossa Constituição. Não pode uma empresa operar um serviço que essencialmente assemelha-se ao serviço de táxi, sem incorrer nos mesmos ônus que o táxi suporta, apenas por oferecer serviços de luxo. Atualmente, um taxista sofre fiscalização em seu veículo, é obrigado a pagar para obter um alvará, submete documentos ao Poder Público, possui um controle de cobrança de tarifas, dentre outros ônus que impõe um custo alto à atividade do taxista. O motorista do Uber não arca com esses ônus, o que tem gerado o embate entre as categorias.

Diante deste cenário, o que de fato deveria ocorrer não é a tentativa de burlar a legislação em vigor ou, até mesmo, avaliar o banimento do serviço prestado pela Uber. Um outro caminho a ser considerado é questionar se a manutenção do ônus atual sobre os taxistas faz sentido frente ao surgimento destes outros tipos de serviço e se este tipo de ônus deve ser extensível a estes novos tipos de serviço.

Ocorre que o modelo atual de oneração dos prestadores de transporte público individual pode ser questionado – o que, inclusive, possibilitou o surgimento de serviços como o Uber, que consegue se vender pelo fato de oferecer um serviço de alta qualidade ainda que não haja intervenção do Poder Público.