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A especialização do back-office para o comércio eletrônico

Por: Fernando Di Giorgi

é ex-sócio fundador da Uniconsut Sistemas, empresa especializada em back-office para grandes lojas de e-commerce. Fomado em Matemática pela USP, pós-graduado em Administração pela FGV e em Análise Econômica pela FIPE, mestre em Economia pela PUC-SP.

Como se não bastasse o back-office do comércio eletrônico de grande porte tornar-se uma versão específica e ampliada do ERP tradicional, agora ele começa a ter suas próprias variantes.

O objetivo deste artigo é descrever as variantes do back-office do comércio eletrônico impostas para atender às necessidades de mercado.

Em geral, os desenvolvedores constroem aplicativos orientados a atividades empresariais majoritárias no mercado. Mesmo dentro da atividade escolhida, é comum haver segmentos com significativas diferenças funcionais; neles, uma solução genérica não apóia todos os processos de modo satisfatório – um exemplo: ERP orientado para indústrias pode atender muito bem uma manufatura e não atender completamente uma indústria de transformação.

Basicamente, dois fatores concorrem para que os desenvolvedores de aplicativos modifiquem seus produtos para atender segmentos minoritários da atividade alvo: o esgotamento do segmento majoritário e/ou ganho de participação de algum dos segmentos minoritários.

Inicialmente, o back-office do comércio eletrônico foi orientado para suportar a venda de CDs, livros, eletrodomésticos, eletrônicos, eletroportáteis etc., mercadorias típicas de uma loja de departamentos. Esse segmento vem apresentando taxas anuais de crescimento superiores a 30% ao ano com margens superiores às lojas físicas, justificando altos investimentos em estoque, ampliação de categoria de produtos, capacidade de armazenamento etc. Esse bom desempenho gerou a entrada do grande varejo no mercado, tornando-o altamente concentrado e, portanto, barrando($) a entrada de novos competidores. Num mercado com essas características, uma das poucas chances para que algum empreendedor tenha sobrevivência nele é a especialização: alta qualidade de serviço orientada para poucas categorias, com muita profundidade. Tal especialização, na maioria das vezes, demanda novos processos operacionais que não são atendidos pelo aplicativo “genérico” da atividade (veja observação ao final do artigo).

O back-office do comércio eletrônico também não escapa do inexorável processo de especialização (usando uma nomenclatura da biologia, seria uma especiação) de aplicativos empresariais. Seguem duas variantes que têm exigido soluções bastante diferenciadas e, para cada uma delas, as principais características operacionais:

01. Delivery de perecíveis e mercearia seca

Este tipo de atividade não é recente, porém somente agora ela tem se beneficiado de parte da plataforma do comércio eletrônico tradicional. Isso deverá permitir sua expansão e redução de custos operacionais.

  • Controle da carga diária por rota para não exceder a capacidade de entregas
  • Alto nível de fidelidade dos clientes – esse fato tem sérias conseqüências em termos de qualidade do serviço
  • Pedidos com muito itens – basta lembrar o que se compra mensalmente nos supermercados, isso complica o ressuprimento de estoque, o picking, a conferência e exige muita mão de obra
  • Significativa alteração no roteiro de atendimento do pedido face aos procedimentos habituais em virtude da possibilidade de ruptura de estoque
  • Estrutura logística: multi-depósito
  • Há atividades de preparação que antecedem a separação das mercadorias por pedido – a logística interna é sui generis
  • O atendimento físico do pedido é descentralizado – isso implica no monitoramento do processo de atendimento físico dos pedidos e no controle da resolução das exceções (worflow)
  • Itens podem ser substituídos durante a atividade de picking
  • Atividades do checkout muito mais complexas – há muitos itens conferidos em diferentes setores de atendimento com possibilidade de falta e de substituição
  • Altíssimo percentual de “pedido perfeito” – um item faltante pode implicar na desvantagem da compra para entrega em domicílio
  • Poucas devoluções, trocas e cancelamentos – em geral, compra-se o que se conhece
  • Altíssimo nível de pontualidade – o atraso pode implicar desabastecimento de itens fundamentais para o dia-a-dia do cliente
  • Frota composta de veículos especialmente adaptados – há itens refrigerados e congelados a serem transportados sem que percam suas qualidades

02. Farmácia – medicamentos, itens de beleza e perfumaria

A farmácia on-line está passando por um processo de amadurecimento operacional após um começo bem rudimentar, como costuma acontecer com negócios novos. Seu rápido crescimento tem se chocado com práticas baseadas no uso intensivo de mão de obra usada em armazéns inadequados, SAC desprovido do rastreamento do pedido, compartilhamento de estoque com as lojas físicas etc.

  • Especificação dos itens extremamente cuidadosa – uma informação errada ou omissão pode trazer prejuízos muito sérios
  • Regras comerciais específicas do setor – há medicamentos com preços monitorados e com reajuste periódicos determinados pelo governo
  • Obrigatoriedade de venda no balcão
  • Estrutura logística: multi-depósito
  • Reposição de estoque com alta freqüência e uso de técnicas avançadas de previsão de demanda – a cadeia de suprimento de medicamentos é sofisticada e muito automatizada
  • Normas logísticas determinadas e controladas pela Anvisa
  • Controle da carga diária por rota para não exceder à capacidade de entregas
  • Pagamento contra-entrega
  • Altíssimo nível de pontualidade – medicamentos têm prescrição de dose e freqüência de ingestão
  • Alta flexibilidade na entrega – entregas urgentes exigem alta mobilidade e controle
  • SAC especializado – há necessidade de conhecimento técnico para responder as dúvidas dos clientes

Finalizando, há uma contradição básica entre os aplicativos comerciais e o mundo dos negócios: enquanto o primeiro é idealizado para resolver problemas derivados de uma determinada circunstância (o que podemos enxergar e projetar), o segundo modifica-se continuamente sob pressão da inventividade humana (tecnologia, mudança na cadeia produtiva, facilidade de transporte etc.). Em geral, quanto mais perto do consumidor ou dos processos produtivos, menos longevo será o aplicativo. O comércio eletrônico, como novo canal de vendas muito susceptível à tecnologia, tem sido objeto de mudanças funcionais muito frequentes e, para complicar, está longe de seu esgotamento.

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Observação: Como os desenvolvedores de software se posicionam frente às demandas de um segmento emergente e diferenciado?

Uma reação típica é tentar dar sobrevida aos seus aplicativos através de alterações ou ampliações funcionais, a fim de atender a insaciável demanda dos usuários decorrentes do contínuo processo concorrencial. Não raro, para continuar ampliando a venda de seus produtos tais como foram construídos, as empresas se contorcem para menosprezar os sinais de obsolescência funcional de seus produtos. Curiosamente, o prolongamento da vida útil dos aplicativos, mesmo em contradição com as necessidades de informação, tem aliados importantes: os profissionais de TI temem que a mudança possa ameaçar seus empregos e os empresários tentam proteger os investimentos realizados. Um exemplo: as grandes empresas de varejo demoraram mais de sete anos para entender que o sistema corporativo que sustenta suas lojas físicas era incapaz de bem realizar as suas operações de comércio eletrônico.