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A complexidade das devoluções no comércio eletrônico

Por: Fernando Di Giorgi

é ex-sócio fundador da Uniconsut Sistemas, empresa especializada em back-office para grandes lojas de e-commerce. Fomado em Matemática pela USP, pós-graduado em Administração pela FGV e em Análise Econômica pela FIPE, mestre em Economia pela PUC-SP.

Há muitos artigos sobre este tema alertando sobre este “lado negro” do comércio eletrônico. Lembro-me de um proprietário de uma rede de lojas físicas – hoje convertido ao comércio eletrônico – relutando em operar neste canal principalmente pelo fato de ter que coletar um colchão vendido para um cliente localizado em Rio Branco-AC sem que este tenha alegado qualquer motivo. Pois é, este é um osso do ofício. Este artigo tem um propósito diferente, tento explicar que a despesa com o frete da reversa não é o único nem o maior problema gerado por ela. Para tanto, penetro nos meandros operacionais do processo de reversa com dois objetivos: detalhar o “lado negro” objetivamente e difundir os bastidores do comércio eletrônico.

Propositadamente, não detalharei o fluxo de saída das peças devolvidas envolvendo assistência técnica, contratos especiais com fornecedores e empresas especializadas na venda de produtos com defeitos – o artigo seria longo demais.

Para melhor entendimento do que significa a reversa, seguem alguns dados de volume considerando lojas bem administradas:

a) a quantidade de peças devolvidas em estoque corresponde a 7% das peças do estoque total;

b) as devoluções e insucessos de entrega correspondem a 1,7% das peças vendidas.

1. Modalidades

O processo reverso é originário de insucessos de entrega e de devoluções de venda.

Conceitualmente, o insucesso de entrega é um retorno de venda, a mercadoria não chega a ser entregue ao cliente. Seus principais motivos são: recusa do recebimento, endereço desconhecido e cliente ausente.

A devolução implica a entrega ao cliente, neste caso, não se pode afirmar que a embalagem da mercadoria a ser devolvida será a original e nem que o cliente a faça acompanhar da nota fiscal de venda. Seus principais motivos são: arrependimento, atraso de entrega etc.

2. Pré-conhecimento pelo SAC

Independentemente do motivo, toda entrega despachada e cuja entrega não foi concluída deve ser de conhecimento do SAC. Esta importante premissa funcional permite que a empresa tenha ciência do motivo da reversa e das providências em caso de insucesso de entrega. Para tanto há necessidade de íntima conexão entre o SAC e o rastreamento da entrega.

3. Preparativo para o recebimento da devolução

A partir do conhecimento do desejo de devolução captado pelo SAC, a loja deve iniciar os procedimentos de coleta. O primeiro passo é a emissão de nota fiscal cujo emitente é o cliente (pessoa física) e o destinatário é a própria loja. Os fundamentos desta necessidade são: recuperar o ICMS, dar base legal para a entrada da mercadoria em estoque e permitir que a transportadora transite com a mercadoria coletada (algumas lojas mais radicais obrigam que o cliente devolva a mercadoria acompanhada da nota fiscal de compra, o que nem sempre é possível). Esta nota fiscal deverá fazer parte da carga da transportadora relativa ao embarque mais próximo.

4. Pré-recebimento

Ao entregar os volumes ao embarcador a transportadora apresenta a relação das notas fiscais e respectivas quantidades de volumes.

A responsabilidade das transportadoras limita-se a: entregar os volumes (sem avarias ou violação), assegurar que os volumes correspondam às notas fiscais constantes no documento e que as notas fiscais correspondam aos volumes entregues. Em geral, os embarcadores (aqueles que contratam as transportadoras) se excedem em seus direitos. É comum o embarcador responsabilizar as transportadoras quando o conteúdo do volume não corresponde à mercadoria vendida, mesmo que a embalagem não esteja violada – a transportadora paga pela desonestidade do cliente.

O recebimento da reversa, ao contrário do recebimento de mercadorias compradas, é composto de muitos volumes contendo grande variedade de itens em pequenas quantidades – este é o pior perfil possível em termos de desempenho operacional devido à impossibilidade de ganho de escala.

5. Laudo – o ckeck-in das peças devolvidas

A primeira verificação trata do conteúdo, para tanto, é necessário recorrer à nota fiscal e confrontá-la com a mercadoria fisicamente recebida. Em geral, esta atividade não é completamente realizada devido à insuficiência de dados cadastrais, especialmente o desconhecimento das partes que compõem o item. Caso haja discordância, o SAC deve ser notificado para esclarecimentos ao cliente. Este é um dos problemas mais indesejáveis: o cliente pode alegar que é inocente culpando a transportadora e a transportadora se defende afirmando que o volume não foi violado. A devolução física não sincronizada com o recebimento da entrega da mercadoria é a causadora deste problema inerente à venda não presencial.

A segunda verificação refere-se à qualidade recorrendo-se ao motivo alegado pelo cliente colhido através do SAC. Como não poderia deixar de ser, com raras exceções, a análise do defeito técnico é superficial – o grau de superficialidade da análise é diretamente proporcional à diversidade de fornecedores. O resultado desta análise gera a classificação da peça que irá determinar seu destino. As possíveis classificações das peças no Laudo são: disponível para venda, bom estado sem embalagem, indisponível para venda e peças defeituosas (técnico ou aparente). Peças defeituosas serão destinadas à assistência técnica dos fornecedores ou aos próprios para troca.

6. Gestão do depósito de reversa – a Sibéria da logística interna

Em geral, as peças que retornam das transportadoras ou dos clientes são armazenadas em depósitos exclusivos. As principais razões desta exclusividade são: nem sempre se destinam para vendas; ocupam espaço sempre crescente – o fluxo de entrada, determinado pelas vendas é superior ao de saída e, o principal, há profundas diferenciações nos processo de recebimento, armazenagem e expedição. Chega-se ao ponto de afirmar que um profissional bem sucedido na gestão de um depósito de reversa é um sobrevivente.

Para não ir longe, basta citar o tipo de controle dos itens e a armazenagem deles. Como cada peça de um item tem o seu próprio defeito, é preciso identificar cada uma delas para associá-la ao seu defeito específico. Esta condicionalidade implica o controle operacional integral por peça, como se cada uma delas tivesse um número de série. Como o critério de armazenagem é determinado pelo fluxo de saída, as peças são armazenadas pela classificação feita no laudo e por fornecedor.

7. Considerações finais

  • Sempre haverá reversa, pois parte das devoluções independe da qualidade do serviço da loja (desejo do consumidor, qualidade da mercadoria, atraso de entrega por culpa da transportadora etc.) e são proporcionais ao volume de venda. Não há como escapar do “lado negro”.
  • Se os investimentos na melhoria dos processos logísticos internos orientados para a venda são negligenciados, pode-se imaginar o descaso com a logística reversa.
  • O giro das peças defeituosas é inferior ao das peças vendáveis, logo, considerando que o fluxo de entrada seja crescente e superior ao de saída, a quantidade de peças em estoque é crescente agravando ainda mais a gestão.
  • A lentidão ou imprecisão no processamento da reversa, especialmente o crédito ou a troca, implica a perda do cliente e da imagem da loja, comprometendo o investimento em marketing.
  • A logística interna da reversa, com exceção do desempenho, além de ser diferente, é tão ou mais complexa do que a do depósito disponível para venda.
  • O processo da reversa exige profunda integração entre todos os módulos que compõem o back-end: SAC, Gestão do Transporte, WMS e ERP. Esta é uma das razões de sua complexidade.