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A Black Friday e as mudanças de comportamento do consumidor brasileiro

Por: Stella Kochen Susskind

Pioneira na América Latina na metodologia de pesquisa mystery shopping(cliente secreto), Stella é considerada uma das mais importantes experts da temática no mundo. Autora do livro Cliente Secreto, a metodologia que revolucionou o atendimento ao consumidor (Primavera Editorial), a especialista é palestrante internacional, tendo ministrado palestras em Barcelona, Estocolmo, Amsterdã, Londres, Atenas, San Diego, Chicago, Las Vegas, Malta, Belgrado, Algarve, Split e Buenos Aires. Empreendedora desde a década de 1980, fundou em 2019 a SKS CX Customer Experience Consultancy; a consultoria é focada em experiência e satisfação do consumidor, parceria da Checker Software – uma startup israelense de tecnologia da informação que integra metodologias de pesquisa em tempo real. A empresa – premiada em 2020 com o MSPA Elite Member, que a coloca entre as 12 melhores do mundo no segmento – representa uma revolução nas pesquisas de satisfação e experiência do consumidor brasileiro.

A relação entre consumo e emoção nunca esteve tão evidenciada quanto na pandemia da Covid-19. Desde o primeiro momento, a população mundial teve seu comportamento de consumo alterado — seja porque se enxergou a necessidade de fazer estoques de comida, medicamentos e álcool em gel, seja porque os sentimentos diante da incerteza do futuro fizeram com que as compras por indulgência passassem a ser mais constantes. Mas, às vésperas da Black Friday, considerada uma das principais datas do comércio mundial, a pergunta mais pertinente é como o brasileiro vai se comportar no dia 27 de novembro. Como especialista nas relações de consumo, decidi investigar quais são os sinais e drivers desse possível comportamento do cliente e dar algumas dicas para os gestores de marcas, produtos e serviços; a ideia é antecipar como eles podem endereçar os desejos desse consumidor.

Um dos pontos de partida dessa reflexão é a análise setorial Black Friday, conduzida pelo Google. Esse levantamento alerta que os gestores de marcas não devem olhar para o passado na hora de desenvolver as estratégias de vendas para 2020. Embora o faturamento de 2019 com a ação sazonal tenha sido de R$ 3,2 bilhões, este ano se apresenta como uma incógnita. Ou seja, em um cenário de incertezas, a expectativa é que o consumo das famílias recue 7,1%. Para se ter uma ideia, em abril, a retração nas vendas do comércio varejista foi de 23,4%; setores como vestuário e calçados foram os mais impactados com retração de 39%; em contrapartida, os hiper e supermercados, além de produtos alimentícios, cresceram 11%.

Se formos considerar o outro lado da moeda — ou seja, os aspectos positivos —, tivemos um aumento nas vendas online, já que o isolamento favoreceu as compras por impulso. Em maio, o e-commerce representou 12,6% do comércio varejista. O número de novos e-shoppers cresceu mais de 40%, representando 18% dos consumidores online. Essa tendência deve permanecer, sobretudo porque as compras funcionaram como uma válvula de escape —uma forma de inclusão social em um contexto tão adverso.

O que eu quero dizer com isso? Em uma perspectiva mais psicológica, a compra passou a ser fortemente associada ao entretenimento, à indulgência e à necessidade — não necessariamente física. O emocional ditou inúmeras compras, ou seja, comprar virou uma forma de combater o vazio emocional; o medo. Aqui, nota-se que uma possível culpa em comprar demais foi substituída por “eu mereço”. Passados meses de isolamento social, começamos a enxergar casos de indulgência moderada. Na prática, essa compra passou a ser revista e ponderada sob novas formas de encarar a situação de adversidade.

É aqui que se enquadra a Black Friday 2020, que será mais sobre bons negócios do que sobre um consumismo sem reflexão. A pesquisa do Google mostra, por exemplo, que:

  • 52% dos brasileiros estão gastando mais tempo na pesquisa por produtos ou lojas;
  • 52% compraram online em uma loja que nunca tinham comprado antes;
  • 47% aumentaram as buscas nas categorias do varejo;
  • e 50% sentem que as prioridades mudaram e querem viver com menos.

Então, quando pensamos em entretenimento, queremos dizer que será mais planejado; em indulgência, que esse consumidor está mais aberto a experimentar produtos, serviços e formas de comprar; e, em necessidade, que ele está mais consciente de suas prioridades.

Com esse cenário, gestores de marcas, produtos e serviços devem ser norteados por motivações de consumo — destacando melhores achados, as escolhas mais inteligentes e as formas de visualizar o consumo consciente. Não estou falando de discursos vazios, somente para conquistar o consumidor. Estou falando que esse deve ser um valor a ser abraçado de verdade.

Embora haja, sempre, o objetivo do consumidor de se deparar com descontos arrasadores, a tendência é que os brasileiros separem as oportunidades dos oportunistas. O consumidor está muito atento — há alguns anos — e, neste momento, bastante sensível a esse ponto. O levantamento mostra, ainda, que há uma tendência, no varejo online, por compra de celulares, linha branca, linha marrom, games e acessórios, informática, pequenos eletrodomésticos, esporte e lazer para a casa. Haverá uma maior diversidade na forma de comprar, ou seja, consumidores comprando tanto online quanto no varejo físico. Nesse último caso, a minha dica é que o varejista crie formas para que essa compra seja rápida e que passe toda a segurança sanitária necessária.

Um ponto muito importante é o cuidado para não frustrar o consumidor. Os problemas com a entrega de produtos (erros e demoras) são inadmissíveis, sobretudo em um momento no qual o cliente está sensível pelo contexto de pandemia. O mais importante agora é fidelizar esse consumidor com um atendimento de excelência; mais do que nunca, estreitar relacionamento significa aumentar o índice de recompra e de satisfação. É importante entender que as pessoas estão muito tempo em casa, sentindo a necessidade de criar um ambiente seguro — um contraponto à situação —, portanto, cabem às marcas trazer esse prazer, esse gosto novo, esse momento que encanta e nos dá esperança.

Nesse mercado que emerge em consequência da pandemia, há duas questões que serão essenciais para os próximos anos: entender verdadeiramente o novo consumidor e injetar o que chamamos de “fator cool” das marcas, indo além para surpreender esse cliente. Com isso, temos que criar canais de contato como as Black Stores — nas quais o consumidor retira a compra feita no ambiente online. Como norte desse jeito de pensar, é importante entender que o cliente quer rapidez, cortesia e assertividade.

Como última mensagem, gostaria de alertar — consumidores e varejos — para a importância de refletirmos sobre o momento que estamos vivendo. Cabe a cada um de nós, consumidores e cidadãos, nortear nossa conduta pela ética e pelo senso de coletividade. Entramos juntos nessa situação e somente coletivamente é que vamos vencer os desafios. Espero que possamos sair melhores, com um sentido mais apurado de humanidade. Comprar e vender é também sobre ser ético e solidário.