Para entender o que poderá ocorrer no Natal de 2011 é importante conhecer as dificuldades de distribuição ocorridas no Natal de 2010 à luz da visão que o grande varejo virtual tem tido da logística externa, das dificuldades das transportadoras especializadas no serviço de comércio eletrônico e da explosiva expansão da demanda por carga.
A – Os embarcadores
Os esforços dos dirigentes do grande varejo virtual têm sido basicamente concentrados na atividade comercial. Infelizmente, a logística interna (gestão do armazém), a logística externa (transportes) e o atendimento a clientes têm sido tratados como atividades não-prioritárias. Trata-se de uma cilada do comércio eletrônico, a virtualidade da venda induz a subestimar o real.
A visão parcial do processo de atendimento: fullfilment
A capacidade de fullfilment depende da mão de obra, da área e estrutura de armazenagem e dos equipamentos. Uma expansão de capacidade pode ser obtida pelo aumento dos fatores: aumentar a mão de obra esbarra no treinamento; o aumento da armazenagem pode ser feito expandindo a área do depósito, alugando outros depósitos ou, mais raramente, automatizando a separação. A providência mais comum e rápida é a utilização de outros depósitos.
Como a logística externa é feita por terceiros (transportadoras), é pensamento dominante que a capacidade de transporte seja infinita. Realmente, esta pressuposição foi verdadeira durante os primeiros anos do comércio eletrônico quando o volume ainda era pequeno e centrado em poucas categorias, porém, a despeito do grande crescimento das vendas, ela ainda se mantém. Em síntese, a única restrição de capacidade era a logística interna.
A ilusão da neutralidade do frete
Outro fator que contribuiu decisivamente para desconsiderar a logística externa como fator restritivo foi a cobrança de frete. Tinha-se em mente que o frete cobrado do cliente compensa o frete a ser pago à transportadora, assim, não deveria ser fonte de grande preocupação. Hoje, sabe-se que, em geral, esta conta é deficitária: é comum a prática de frete grátis; a maioria das lojas, ao estabelecer o frete a cobrar, desconhece o frete a pagar, muitos desconsideram a incidência de imposto sobre o frete cobrado e esquecem-se da reversa, cujo frete deve ser pago pela loja.
O preço com fator decisivo na escolha da transportadora
Comercialmente, o frete tem sido usado como diferencial para atrair clientes. Por decorrência, há uma pressão muito forte sobre as transportadoras para a redução de preço. O argumento básico das grandes lojas para pressionar as transportadoras é o volume de carga oferecido. Em contrapartida, o critério mais usado para a escolha da transportadora é o menor valor de frete. Muito raramente é usado o tempo de trânsito como critério de escolha.
Capacidade de produção: a omissão dos contratos
Nos contratos entre as lojas e as transportadoras constam as regiões atendidas às quais são associados os respectivos tempos de trânsito e regras de cálculo do frete. Omite-se a capacidade máxima de entrega diária para cada região; ou seja, em tese, a loja escolhe a transportadora sem qualquer limite quantitativo.
B – As transportadoras
Abrangência da rede logística
Para que uma transportadora tenha condições de operar no Brasil é preciso que ela tenha filiais (terminais de carga) espalhados por quase todas as capitais e outros grandes centros urbanos. Além disso, a partir das filiais, é preciso contar com veículos próprios ou contratados para a distribuição local. O investimento para ter frota própria somente seria compensado com grande volume de carga. Em geral, são usados veículos de terceiros contratados. A terceirização implica regularidade da carga e pontualidade de pagamento de modo a garantir a fidelidade e o cumprimento dos prazos de entrega.
Como se nota, a viabilização da transportadora passa necessariamente por contar com bons contratos que garantam a carga, política de preço realista e com a pontualidade do pagamento dos embarcadores. O atraso no pagamento do embarcador tem sérios efeitos sobre o desempenho da transportadora, pois, ela fica sem possibilidade de pagar sua rede de distribuição local erodindo sua base operacional.
Maturidade de TI
O comércio eletrônico exige o rastreamento do pedido do cliente desde o fechamento no site até a entrega da mercadoria pela transportadora. Da saída do armazém da loja até a entrega ao cliente, a responsabilidade disso é da transportadora. Todas as ocorrências devem prontamente ser comunicadas à loja, principalmente os casos excepcionais como ausência, erro de endereço, extravio, roubo e avaria para providências a serem feitas pelo SAC.
Esta necessidade obriga as transportadoras a investir em TI para assegurar o processamento ininterrupto e para informar seus clientes de todas as ocorrências relativas a cada entrega.
O nível de serviço das transportadoras
Os tempos de trânsito são estabelecidos em contrato e passam a ser contados a partir da entrega da mercadoria pelo cliente em sua doca de saída. Em caso de atraso, a loja é penalizada pelo embarcador, afinal, a data de entrega foi um compromisso da loja com seu cliente ao fechar o pedido no site. Para controlar o desempenho das transportadoras, as lojas mantêm rígido controle da pontualidade de entregas, algumas chegam estabelecer regras de premiação/penalização baseada em metas de pontualidade.
A particularidade reversa
No comércio eletrônico, o cliente pode devolver a mercadoria até uma semana após a entrega, independentemente do motivo. Além disso, as despesas de frete relativas à devolução correm por conta da loja.
A reversa tem profunda importância para a loja: o crédito correspondente à devolução somente é feito após a devolução ter sido examinada pela loja, logo, quanto mais demorar a coleta, mais demorado será o crédito ao cliente. Além disso, a quantidade de devoluções não é pequena chegando a 3% das vendas.
A reversa é um processo mais complexo do que a entrega e típico do comércio eletrônico – nas lojas físicas é o cliente que devolve a mercadoria à loja.
Expansão das atividades
O sucesso comercial de uma loja virtual exige padrões organizacionais mais elaborados, principalmente em TI e logística. Tem sido muito freqüente a demanda por serviços de armazenagem e expedição proveniente de lojas, que atinge uma média diária superior a 100 pedidos. As transportadoras especializadas em comércio eletrônico são as primeiras a serem procuradas, afinal, as lojas virtuais já eram clientes delas para serviços de logística externa.
Tal insistência tem levado as transportadoras a ampliarem suas atividades incorporando a logística interna (fullfilment), ente outros motivos, para manter o cliente. Mas essa ampliação funcional impõe novas habilidades. As mercadorias deixam de vir predestinadas, devendo ser armazenadas à espera de ordens de separação, e, quando elas chegam, devem ser muito rápida e corretamente executadas. Não basta mais ter um TMS (Sistema de Gestão de Transporte), agora, é necessário ter um WMS (Sistema de Gestão de Armazém).
As logísticas interna e externa se fundem, aumentando a complexidade administrativa da empresa.
Diferenciação e concentração de mercado
Como se nota, as transportadoras especializadas em comércio eletrônico têm atividades bem distintas de transportadoras tradicionais. É preciso ter volume e capilaridade, sob pena de não ter preços competitivos, ter recursos sistêmicos avançados para suportar operações de alto volume baseadas em SLA rigorosos, ter competência gerencial para negociar contratos e controlar as operações. Tais exigências geram concentração de mercado – há poucas transportadoras especializadas em e-commerce, notadamente para carga leve.
C- O desbalanceamento entre a oferta de frete e sua demanda
A expansão da demanda e investimento em produção
O comércio eletrônico tem crescido a taxas superiores a 30% aa. Como a taxa de crescimento do varejo em geral tem sido um pouco superior ao do PIB, pode se concluir que o canal de vendas (comércio eletrônico) tem “roubado” mercado de outro canal (lojas físicas), logo, não há gargalo do lado da oferta de mercadorias, ao contrário, há ampla possibilidade de expansão.
As grandes lojas virtuais não têm tido dificuldades na expansão de suas áreas de armazenagem, especialmente com longos contratos de aluguel de imóveis construídos por fundos de investimento – não é difícil prever a necessidade de áreas de armazenagem em médio prazo. Ademais, há operadores logísticos investindo fortemente em armazenagem para terceirizar a logística interna de grandes lojas. A forte demanda por mão de obra especializada tem sido um sério problema devido à falta de preparo, porém, há soluções de curto prazo que podem acelerar o treinamento. Em síntese, a logística interna não tem sido o principal fator restritivo a limitar a expansão das atividades do comércio eletrônico.
Por ser uma atividade terceirizada, portanto fora do planejamento de médio e longo prazos das grandes lojas virtuais, a logística externa passou a ser o elo mais vulnerável da cadeia de distribuição do comércio eletrônico frente à grande expansão da demanda, principalmente por ser um setor carente de capital e muito concentrado devido a importantes barreiras de entrada.
A sazonalidade
Para agravar o problema, a expansão da demanda não é gradual, ela se acentua fortemente em datas festivas, notadamente no Natal – do dia 10 ao dia 24 de dezembro, vende-se o dobro da média mensal! Ou seja, num curto intervalo, há uma demanda muito forte, exigindo recursos que serão parcialmente desmobilizados em seguida.
Aumentar a mão de obra de estoquistas, separadores, conferentes etc. com contratos temporários ou terceirizados para depois demiti-los em janeiro tem sido prática habitual, porém, aumentar a frota, o número de viagens e a eficiência da roteirização é muito mais difícil.
D – Conclusão
O Natal de 2010 trouxe lições marcantes em relação à elasticidade dos elos que compõe o processo do comércio eletrônico, especialmente em relação à elasticidade dos recursos.
- As transportadoras terão mais força nas negociações – não mais será tão atrativa a oferta de carga em detrimento do preço unitário;
- Em função das pressões, os embarcadores deverão melhorar amplitude e capacidade de planejamento – os limites impostos pela logística externa, obrigatoriamente, deverão ser cuidadosamente considerados;
- É provável que haja inovações nos processos para a redução bilateral de custos – ex. embarcadores e transportadoras optem pela entrega door to door;
- Em função da forte demanda, os concorrentes atuais deverão expandir fortemente sua capacidade;
- Em médio prazo, será inevitável a entrada de novos competidores no mercado de carga leve;
- Haverá menor tolerância em relação ao frete grátis, exceto em lançamento de novas categorias;
- Haverá menor tolerância em relação a atrasos no embarque e na entrega.