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O Marco Civil da Internet e o e-commerce

Por: Ricardo Oliveira

é sócio do escritório COTS Advogados. Possui MBA em Gestão Estratégica de Negócios pela FIAP. Especialista em Direito aplicado à TI, pela FGV/Rio e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie. Atua há quase 10 anos na área jurídica sempre com foco em empresas do comércio eletrônico e tecnologia da informação.

No segundo semestre de 2013 o Brasil passou a figurar como vítima em um dos maiores escândalos da diplomacia mundial: a espionagem americana denunciada pelo ex-agente da Agência Nacional de Segurança do Governo dos Estados Unidos da América, Edward Snowden. Segundo circulou na mídia, não apenas o Governo foi espionado, mas também empresas privadas, o que tiraria da ação o status de medida de segurança para ingressar na seara comercial.

Não sem motivo a presidente Dilma Rousseff discursou na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 24 de setembro de 2013, manifestando seu repúdio às violações cometidas pelo Governo dos EUA, bem como indicando que a Internet deve ser livre, aberta, democrática, descentralizada e sua governança deve ser feita no modelo multistakeholder (ou multiparticipativo), com a participação do Governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da academia, tal qual é feito, no Brasil, pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br), o que foi reforçado pelo Ministro das Telecomunicações, Paulo Bernardo, por meio de seu discurso no Fórum da Governança da Internet (IGF), em Bali, no mês de outubro de 2013.

Os fatos acima, que constaram no relatório do Projeto de Lei n. 2.126/2011, que deu origem à Lei n. 12.965/2014, mas conhecida como Marco Civil da Internet, pareceu nortear e acelerar a aprovação da lei de tal forma que praticamente monopolizou as atenções, o que de causou prejuízos indiretos à nova lei, vez que alguns atores importantes poderiam ter contribuído para, ou incluir temas, ou excluí-los definitivamente, como era o caso dos operadores de comércio eletrônico.

Provavelmente se tivesse havido maior atenção, a definição de “aplicações de internet” teria sido outra. Segundo o artigo 5º, inciso VII do Marco Civil, aplicações de internet é o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet. O termo funcionalidade, por seu turno, não foi objeto de definição legal, o que nos faz recorrer ao velho e bom dicionário, para quem funcionalidade é a qualidade do que é funcional, ou ainda, a função ou utilidade de alguma coisa.

Seguindo este parâmetro, poder-se-ia dizer que praticamente tudo na Internet é uma funcionalidade, tendo em vista que até mesmo um site de notícias oferece aos seus navegadores a “funcionalidade” de ler o mesmo online, sem a necessidade de se ir até a banca de jornais. Será que essa era a intenção final do legislador? Isso é pouco provável, mas é o que se depreende da interpretação literal da lei.

O que poderíamos dizer, então, da funcionalidade de se possibilitar a qualquer pessoa no mundo adquirir um produto ou contratar um serviço remotamente, por meio de um “terminal conectado à internet”? Isso seria oferecer uma funcionalidade ao mercado? Se a resposta for sim, então o Marco Civil é plenamente aplicável ao comércio eletrônico no que diz respeito às regras destinadas às aplicações de internet. Se a resposta for negativa, então teríamos uma inconsistência na definição legal e que deveria ser corrigida com máxima urgência.

Todavia, há outros elementos no Marco Civil que permitem concluir que o mesmo também foi direcionado ao e-commerce. No artigo 1º se faz referência ao regramento do “uso da internet no Brasil”, termo sobremaneira amplo e inclusivo. Ademais, no artigo 7º há uma relação de direitos conferidos aos usuários da internet, outro termo bastante abrangente.

Dessa forma, podemos concluir que “aplicações de internet” abarcou, talvez indevidamente, a atividade de comércio eletrônico, gerando com isso alguns importantes impactos, tais como: obrigatoriedade do fornecedor constituído na forma de pessoa jurídica de manter os respectivos registros de acesso ao seu site, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de seis meses, nos termos que constarão em regulamento próprio; revisão dos termos de uso do site e políticas de privacidade, a fim de se adequar ao Marco Civil, especialmente no que toca a privacidade do usuário; implementação de nova política de utilização de cookies e outras ferramentas de monitoramento de navegação; readequação das ações de marketing, especialmente no que toca ao marketing virtual, entre outros.

Considerando especialmente o marketing virtual, por exemplo, parece óbvio que o setor de e-commerce teria se insurgido contra sua inclusão na aplicação do Marco Civil da Internet, principalmente porque diversas ferramentas comumente utilizadas, como o remarketing, fazem uso de dados pessoais e de navegação dos usuários sem, na grande maioria das vezes, a anuência expressa dos mesmos, o que estaria proibido pela nova lei. De duas uma, ou o setor cochilou e perdeu a oportunidade de defender seus interesses ou o legislador de fato quis incluir o e-commerce, nos moldes concebidos no Marco Civil da Internet.

A importância do Marco Civil da Internet é inquestionável, porém há alguns desvios que deverão ser corrigidos pelo legislador, ou quando não, pelo Poder Judiciário, no momento em que o mesmo começar a apreciar questões relacionadas à nova regulamentação.